O Ministério Público analisa a conduta de um juiz, policiais militares e conselheiros tutelares durante intervenção em uma escola estadual de São José do Ouro, cidade com 7 mil habitantes no norte do Estado. Familiares de alunos procuraram a Promotoria do município para reclamar de xingamentos e supostos castigos aplicados a estudantes de cinco turmas como punição a uma briga envolvendo três meninas do colégio. Se o MP encontrar indícios de que os supostos envolvidos tenham cometido alguma irregularidade, um inquérito será aberto. Em situação contrária, o caso será arquivado.
No dia 10 de abril, por volta das 13h, duas meninas trocaram agressões nos corredores da Escola Estadual de Ensino Médio José Gelain. Nas imagens, uma terceira aluna chegou a intervir para acertar uma das colegas com um soco no rosto, mas nada fez para separá-las. Enquanto isso, pelo menos 20 colegas assistiam ao confronto, que foi filmado e divulgado nas redes sociais. Rapidamente, o vídeo se espalhou pela cidade e chegou até o juiz da comarca, Michael Luciano Vedia Porfírio.
Exatamente uma semana depois, no dia 17 abril, Porfirio chegou à escola acompanhado da Brigada Militar e do Conselho Tutelar. Durante os 50 minutos em que permaneceu no prédio, teria ordenado que os alunos cantassem o hino nacional e limpassem o colégio. O magistrado ainda teria determinado o recolhimento dos celulares de todos os alunos.
Depois de passar em cada uma das cinco salas, o juiz teria retornado ao Fórum, enquanto os alunos permaneceriam realizando atividades sob supervisão dos brigadianos e conselheiros tutelares. Conforme a denúncia, registrada em ata à qual GaúchaZH teve acesso, foi a partir desse momento que os abusos teriam começado. O Tribunal de Justiça, por meio do presidente do Conselho de Comunicação, desembargador Túlio Martins, afirma que o juiz agiu corretamente ao intervir, mas repudia qualquer abuso e avalia que a situação possa ter saído do controle. O MP, que analisa o caso, preferiu não se manifestar oficialmente sobre o assunto, pois envolve adolescentes.
Com a condição de não serem identificados, familiares aceitaram conversar com GaúchaZH para relatar os supostos abusos. Eles afirmam que os policiais xingavam os estudantes e os ameaçavam, inclusive com uso de armas longas.
— O policial dizia para eles: vocês são tudo farinha do mesmo saco. É melhor vocês limparem aqui do que o Presídio de Lagoa Vermelha.
Uma outra pessoa descreveu que, entre os meninos, os PMs faziam referências ao serviço militar.
— Eles perguntaram: "Quem quer ser policial militar?" Um aluno disse que queria servir no Exército. A partir daquele momento, os PMs disseram que poderia entregar a vassoura e que não precisaria mais limpar.
Reunião com juiz
No dia seguinte à ação, em 18 de abril, responsáveis pelos alunos foram até a escola e questionaram a direção sobre o que teria ocorrido. A vice-diretora, Luciana Jauna Giacometti Costella, teria afirmado que, por se tratar de ação judicial, apenas o juiz Michael Luciano Vedia Porfírio poderia responder, e o chamou até a escola. No local, o magistrado teria elevado o tom de voz e ordenado que os adolescentes retornassem para a sala de aula. Porfírio ainda decidiu convocar reunião para a segunda-feira seguinte (22), depois da Páscoa, com a presença de pais, direção e Coordenadoria Regional de Educação.
Nesse encontro, Porfírio teria pedido desculpas pela ação e afirmado ter saído do controle. O juiz também devolveu os celulares de quem não foi até o Fórum buscá-los, e respondeu aos questionamentos feitos.
Em entrevista a GaúchaZH na quinta-feira (25), o juiz confirmou sua participação no episódio, mas minimizou acusações de possíveis abusos de autoridade. Porfírio disse que a ideia de realizar uma intervenção mais efetiva na única escola de Ensino Médio da cidade surgiu após receber os vídeos da briga.
— Era uma atividade de construção, para colocar um pouco de valor nesses adolescentes. A ideia não era penalizar, aplicar qualquer medida socioeducativa. Para isso existe procedimento próprio, a ideia era instruir.
Sobre o recolhimento dos smartphones, mesmo sem um mandado, afirma que estava baseado em um regimento interno da escola que proíbe o uso dos aparelhos.
— Não houve busca e apreensão, não era nada disso. Não teve uma medida escrita. Me embasei no regimento da escola e no fato que eu queria ter contato com os pais. Foi uma forma de trazer os pais para o Foro — disse o juiz, que negou ter presenciado casos de abuso de autoridade: — Se realmente aconteceu isso, não determinei que houvesse qualquer palavra, atitude ofensiva. Não era essa a ideia. E presumi que tanto Conselho quanto a Brigada não teriam esse papel.
Contrapontos
O que diz a escola:
A vice-diretorada instituição, Luciana Jauna Giacometti Costella, disse que, por se tratar de medida judicial, não iria se manifestar.
O que diz o Ministério Público:
O promotor está saindo da Comarca e não pôde dar início à investigação — nesta segunda (6), começou novo promotor no local. O órgão também informou que, por se tratar de uma ação envolvendo adolescentes, está em segredo de justiça e nada poderia ser divulgado.
O que diz a Secretaria de Educação:
A Secretaria de Educação afirma que seguirá acompanhando o caso. Além de citar o trabalho das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipave) na orientação da comunidade escolar "sobre as mais diversas situações, desde o uso de drogas, comunidades violentas onde estão inseridas, bullying, racismo, suicídio, entre outros", a secretaria declara que "segue comprometida em promover um ambiente de paz e diálogo nas instituições".
O que diz o Conselho Tutelar:
A reportagem esteve no prédio do Conselho Tutelar e foi recebida por três conselheiros, que negaram qualquer abuso e disseram que tudo ocorreu dentro da legalidade. Também informaram que outras informações só poderiam ser repassadas pelo juiz, que era o responsável pela ação. O prefeito Antonio Bianchin (PMDB) disse não ter recebido nenhuma informação sobre a ação.
O que diz a Brigada Militar:
O comandante do 10º Batalhão de Polícia Militar, Major Rodrigo da Silva, disse que os policiais foram até a escola a pedido do juiz e que não chegou a ele, pelo menos até o momento, qualquer denúncia de abuso de autoridade.