
Cotada para assumir o controle da freeway (BR-290), a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) mantém finanças em dia e quadro enxuto, mas enfrenta desafios para dar conta das demandas nos 908,5 quilômetros de estradas sob sua responsabilidade — o equivalente a 5,2% da malha rodoviária do Rio Grande do Sul. Por esse e outros motivos, a alternativa em discussão é alvo de críticas de representantes do setor de logística.
Até julho, a principal ligação entre a Região Metropolitana e o Litoral Norte era gerida pela Concepa. Com o fim da concessão, a via ficou sob os cuidados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e passou a receber o mesmo tratamento das demais BRs onde não há pedágio.
Resultado: as incertezas em relação aos serviços e à manutenção do asfalto cresceram, inclusive em municípios cortados pela via, levando a União e o governo do Estado a buscar saídas. Em reunião na última terça-feira, em Brasília, o governador José Ivo Sartori (MDB) e o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, alinhavaram a possibilidade de a EGR assumir a estrada até o início do contrato com a nova concessionária — o que pode ocorrer em meados de março.
A hipótese, que ainda não teve detalhes divulgados e não foi anunciada oficialmente, abriu margem a questionamentos. O principal deles envolve a capacidade da EGR de arcar com a nova responsabilidade.
Como mostrou GaúchaZH em reportagem publicada em 19 de maio, quando a estatal completou cinco anos em operação, a companhia que herdou três postos comunitários e 11 estruturas da iniciativa privada patina para atender às reivindicações de usuários. Começou do zero, com tarifas reduzidas, que logo ficaram defasadas. Hoje, todos os serviços são feitos por empresas terceirizadas, contratadas via licitação.
Até março, a empresa investiu R$ 485,6 milhões na sua malha — 57,4% da arrecadação líquida registrada no período. Pelo menos 2.085 quilômetros receberam reparos, o que representa uma média de 417 por ano — em um total de 908,5 quilômetros. A avaliação das vias onde se localizam as cancelas, feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), pouco mudou nesses cinco anos, com exceção de três casos, onde o status caiu de bom para regular. A EGR concluiu acessos, travessias urbanas e obras em pontes, mas só duplicou 4,2 quilômetros.
Mesmo que a freeway esteja bem conservada, necessitando apenas de conservação, Frank Woodhead, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga e Logística no Estado (Setcergs), classifica a transferência de controle como equivocada — ainda mais se as antigas tarifas forem cortadas pela metade, conforme prevê o Tribunal de Contas da União (TCU). Mesmo que o fluxo de veículos seja considerável no trecho, Woodhead diz que o negócio é "economicamente inviável".
— É uma ideia de jerico. Primeiro, porque a EGR não pode administrar rodovias federais. E, mesmo que a União e o governo do Estado firmem um acordo de transferência momentânea, a empresa mal consegue manter suas estradas em boas condições. Imagina deixar a nossa principal rodovia federal com ela — afirma Woodhead.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog) e vice-coordenador do fórum de infraestrutura da Agenda 2020, Paulo Menzel também faz ressalvas à operação, especialmente pelas incertezas envolvidas. Na avaliação dele, a melhor opção seria o Dnit assumir integralmente o trecho, fazendo a manutenção e assinando contratos emergenciais para garantir os serviços necessários, como já fez em relação à operação do vão móvel da ponte do Guaíba.
— A pior das soluções, que não agrada a ninguém, é o que está acontecendo agora. A freeway vai se deteriorar. Mas colocar a EGR na história é ruim, porque vai acabar criando outros problemas. Quem garante que a empresa não vai acabar ficando com esse encargo sobre si de forma permanente? — questiona Menzel.
O Dnit alega não ter dinheiro no orçamento e estima que será necessário obter da União R$ 40 milhões extras para assegurar as condições do trecho (de 96 quilômetros) até o veraneio. A título de comparação, em todo o ano de 2017, a EGR investiu R$ 122,3 milhões em restauração de vias, reparos, obras novas, sinalização e serviços como capina e roçada. Procurada por GaúchaZH, a estatal informou, via assessoria de comunicação, que não se manifestaria sobre o assunto.
A ESTATAL EM NÚMEROS
- 14 pedágios
- 908,5 quilômetros de malha
- 75 funcionários e 3 diretores
- R$ 837 mil de folha bruta mensal
- R$ 1,5 milhão de lucro líquido em 2017
- R$ 7 é a tarifa básica na maioria das praças
- R$ 122,3 milhões investidos em restauração de vias, reparos, obras novas, sinalização e serviços como capina e roçada em 2017
A EGR
- Começou assumindo, no início de 2013, três praças comunitárias do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
- Depois, entre junho e dezembro de 2013, herdou 11 praças de cobrança antes geridas pelas concessionárias privadas.
- Desde sua criação, a principal fonte de receita é a arrecadação com pedágios, cujos valores são investidos nas rodovias nas quais são arrecadados.
- Os serviços e as obras da EGR são feitos por empresas terceirizadas, contratadas por licitação.
TARIFAS x INFRAESTRUTURA
- Quando a EGR assumiu as 11 praças herdadas da iniciativa privada, em 2013, as tarifas de pedágio foram reduzidas a patamares de 2007, o que foi comemorado pelos usuários.
- Até 2017, não houve reajuste, mas isso restringiu a capacidade de obras, frustrando expectativas (especialmente por duplicações).
- Em setembro de 2017, os valores cobrados foram reajustados em 34,6%.
- Desde então, na maioria das praças, a tarifa básica para veículos de passeio é de R$ 7.
- Em 2018, isso deve representar incremento de R$ 50 milhões na arrecadação anual, mas o ganho não é suficiente para garantir as obras reivindicadas.
- O custo médio para duplicar um quilômetro de rodovia, segundo a EGR, é de R$ 5 milhões. Com o valor extra seria possível duplicar apenas 10 quilômetros.
PRINCIPAIS RESULTADOS
De 2013 a março deste ano, a EGR contabilizou:
- Investimento de R$ 485,6 milhões nas estradas (57,4% da arrecadação líquida)
- Restauração média de 417 quilômetros por ano (em uma malha de 908,5 quilômetros)
- Duplicação de 4,2 quilômetros
- Conclusão de obras como a travessia urbana em Santa Cruz do Sul (R$ 27,5 milhões), a recuperação da RS-115, entre Gramado e Três Coroas (R$ 14 milhões), a restauração da ponte sobre o Rio Caí, em Bom Princípio (R$ 3,5 milhões), a ciclovia em Rolante (R$ 1,8 milhão) e novos trevos de acesso em municípios como Boa Vista do Sul (R$ 898,6 mil), Capela de Santana (R$ 859,9 mil), Encantado (R$ 2,52 milhões), Novo Cabrais (R$ 831 mil) e Westfália (R$ 648,6 mil).