Em meio ao crescente protagonismo de influenciadores no mercado da comunicação, o país assistiu, na semana passada, a uma polêmica que sacudiu o setor. O youtuber Júlio Cocielo, do canal Canalha, publicou um tuíte racista que levou ao cancelamento de contratos que mantinha com grandes marcas.
Para especialistas, o caso levou a cautela a empresas que vêm buscando formadores de opinião como um meio de apresentar produtos e serviços. Porém, nem de longe isso diminuiu o valor da estratégia como uma importante plataforma de marketing para aproximar empresas e consumidores.
– Serve como alerta, porque as marcas precisam saber com quem se associar e o quanto será lucrativo. Caso contrário, o trabalho de gestão de crise será maior – avalia Karen Sica, professora da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS.
De acordo com Karen, mesmo que mais prudente, o fenômeno está em expansão. Professora da disciplina Influenciadores Digitais e Estratégias de Marketing, ela afirma que a estratégia se relaciona com as mudanças nos hábitos de consumo. Hoje, quem compra prefere saber a opinião de outra pessoa em vez de ouvir o que a marca tem a dizer. Por isso, o influenciador estabelece relação de proximidade e credibilidade com os seus seguidores.
Nesse cenário, o empreendedor digital Cesar Paz afirma que os formadores de opinião nas redes sociais precisam ser considerados em qualquer plano de comunicação. Paz, que também atua como professor no curso de Comunicação Digital da Unisinos, sublinha que a produção de conteúdo independente vem aumentando sua relevância na publicidade:
– O influenciador tem identidade e propriedade para falar sobre determinado assunto. Ele tem de se identificar com aquela marca ou produto, porque dificilmente gastará a sua audiência conquistada em cima de uma verdade em favor de uma marca.
Segundo Paz, crises como a desencadeada a partir do comentário racista do youtuber podem ser evitadas a partir de pesquisas sobre os posicionamentos e o histórico dos influenciadores. Para ele, a parceria não deve ocorrer se o objetivo for somente se beneficiar da notoriedade de alguém nas redes sociais.
Na tarde desta quinta-feira (12), o papel dos influenciadores será discutido na terceira edição do AHEAD!, programa de debates sobre comunicação contemporânea promovido pelo Grupo RBS. O bate-papo ficará por conta de Bia Granja, cofundadora e diretora criativa da Youpix, e Laura Barros, vice-presidente de marketing global da Gallo. Marcelo Leite, diretor-executivo de marketing do Grupo RBS, irá mediar o evento.
“Não basta apoiar, é preciso mudar”, diz Bia Granja
O papel de influenciadores digitais é uma revolução na comunicação, avalia Bia Granja, cofundadora e diretora criativa da Youpix. Bia participa hoje da 3ª edição do AHEAD!. Confira trechos da entrevista.
O avanço dos influenciadores digitais como plataforma de marketing representa revolução na comunicação?
Com certeza. O marketing nunca esteve acostumado a essa lógica, mas a emitir mensagens aos possíveis consumidores de maneira massificada. Na cultura em rede, onde os influenciadores nasceram, a lógica é totalmente diferente. Não existe mais a centralização. Influência digital está relacionada a nicho e comunidade, onde se constrói uma relação de confiança e credibilidade. É uma revolução porque exige do profissional uma mudança de paradigmas na forma como se fazia comunicação.
Qual a principal diferença entre a comunicação por meio de influenciadores digitais e da mídia tradicional?
Nos veículos tradicionais, a mensagem é massificada, de um para muitos. No influenciador, é uma pequena conversa, de um para um.
Os influenciadores anulam as mídias tradicionais?
Complementam. Em alguns momentos, precisa-se da mídia para lançar uma mensagem distribuída que irá servir a todos. Já os influenciadores funcionam quando é preciso estabelecer uma conexão mais real com aquelas pessoas. Cada um tem a sua função.
Como se estabelece conexão entre marcas, consumidores e influenciadores?
A partir de criação de conteúdo, que gera uma identificação muito forte com o público e o influencia. É uma consequência. A marca pode fomentar um conteúdo interessante, e o influenciador pode transferir o seu capital social. Defendo que, depois dos “influencers”, a próxima fase será do “creator marketing”. Esse cara é um criador.
A possibilidade de criar conteúdo está diretamente relacionada às redes sociais, certo?
Sim. A rede é “on demand”. Nela, as relações de poder nunca estiveram relacionadas ao dinheiro, mas à visibilidade. Tem poder quem consegue se conectar com uma comunidade. Se todos são criadores de conteúdo, quem tem poder? Aquele que tem relevância junto às comunidades.
Nesse conceito de comunidade, o influenciador nem sempre precisa somar milhares de seguidores?
Exato. Alguns chamam de microinfluenciadores, mas, para mim, eles não existem – são influenciadores de massa ou nicho. A internet é o lugar da comunidade, onde nutrimos nossos interesses. As marcas que estão fazendo ações de massa na rede estão ignorando a lógica da internet.
Na semana passada, tuíte racista de um youtuber levou ao cancelamento de parcerias com grandes marcas. A polêmica acendeu o sinal amarelo no mercado?
Não apenas acendeu como deveria acender. Não se associa a sua marca a uma pessoa sem entender profundamente quais os seus valores. Tudo precisa estar alinhado em ampla pesquisa sobre o influenciador.
Mas, se ocorrer, como as empresas devem proceder?
Muitas marcas têm o discurso alinhado com o pensamento progressista, mas não as práticas. Já vi influenciadores rejeitarem parcerias com marcas que fazem testes em animais, por exemplo. Temos de olhar para os dois lados. Muitas empresas também não têm uma reputação positiva. No caso de marcas envolvidas em polêmicas como essa, gostaria de ver o discurso transformado em ação. As empresas condenam o preconceito, mas quantos empregados negros e trans elas têm? Hoje, não basta apoiar. É preciso mudar. Não dá mais para viver de discursos – que são rapidamente desconstruídos.