O governo do Estado gastará pelo menos R$ 618,9 milhões em contratos destinados para recuperação, restauro, pequenas reformas, manutenção ou elaboração de projetos de engenharia para a Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis. Até sexta-feira, haviam sido usados R$ 481,8 milhões, mas há recursos a serem aplicados até o final da recuperação, inclusive com mais um aditivo, desta vez de R$ 37 milhões. A reportagem reuniu 20 contratos firmados desde 1990 – oito até 1999, sete nos anos 2000 e oito desde 2010 –, além das doações feitas por empresas via Lei Rouanet, entre 2012 e 2014. Eles resumem a história de um monumento marcado pelas recorrentes postergações de prazos e desperdício de dinheiro público.
Recentemente, o governo catarinense voltou a deixar a obra sem prazo para conclusão. Quando assumiu o cargo de governador, em fevereiro, Eduardo Pinho Moreira (MDB) deu sinais de falta de continuidade à intenção do ex-governador Raimundo Colombo de investir na obra. Em entrevista, admitiu:
— O mérito da obra é do Colombo, ele se dedicou a isso, colocou como prioridade. Eu não sei se teria feito o mesmo, porque acho que o método é dele.
A nova indefinição traz à memória as incontáveis notícias de aumentos de custos. No levantamento exclusivo da NSC Comunicação, os valores originais dos contratos foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE, usando como meses de referência dezembro do ano em que o respectivo contrato foi firmado em comparação com o valor real em dezembro de 2017. A análise foi feita com a orientação de Nazareno Loffi Schmoeller, chefe do Departamento de Economia da Universidade Regional de Blumenau (Furb).
Um dos carrascos de uma obra tão longeva é a inflação. Apesar do período mais crítico desse aspecto ter sido vivenciado até 1993 no Brasil, desde o Plano Real (implantado em 1994) até dezembro do ano passado o IPCA registrado no país foi de 392%, segundo o IBGE. A correção permite observar que o gasto médio por década com a ponte tem ficado em torno de R$ 153 milhões. Entre 2002 e 2008, houve a maior aplicação de recursos: R$ 231,8 milhões. Como há previsão de aditivos e está empenhada mais verba, que soma R$ 132 milhões, esta década vai superar a anterior.
Obras maiores custaram menos
Para se ter ideia do montante drenado pela reforma, uma das maiores obras viárias do Vale do Itajaí na década, o complexo do Badenfurt, entre Blumenau e Pomerode, foi finalizado em 2014 ao custo de R$ 44 milhões. Ao corrigir a inflação para valores de dezembro de 2017, teria custado R$ 55 milhões. No entanto, o complexo de 1,9 quilômetro tem duas pontes, além de viaduto, ciclovia, pistas duplas e desapropriações.
Em Laguna, no Sul do Estado, há outra gigante construída nos últimos anos. A Ponte Anita Garibaldi tem 2,8 quilômetros de extensão, duas pistas e acostamento em cada sentido. Entre idas e vindas, custou R$ 777,1 milhões (R$ 886,3 milhões após correção). Mesmo assim, para cada metro de extensão da ponte, o custo médio foi de R$ 316,5 mil. Já para a Hercílio Luz, esta média chega a R$ 753,8 mil.
Os dados ficam mais alarmantes quando analisado o orçamento destinado à área de transportes em SC. O valor empenhado a todas as obras viárias para 2018 é de R$ 516 milhões, segundo o Portal da Transparência, o que equivale a 83% do total que deve ser gasto com a ponte. Integrante da Associação Catarinense de Engenheiros (ACE) e especialista em pontes, Roberto de Oliveira credita os valores à má gestão. Ao analisar os números, constatou um cenário desenhado dentro do padrão conhecido na engenharia como Regra de Sitter. Nesse modelo, é possível notar o aumento dos valores investidos em uma obra com o passar dos anos por conta da falta de manutenção.
– Toda vez que se abandona a manutenção, os custos de uma obra não seguem linearmente, eles crescem muito – aponta Oliveira.
O especialista não enxerga problema no alto custo aplicado por conta do valor simbólico da ponte para SC, mas reconhece que o valor seria menor caso a conclusão ocorresse antes.
Para o especialista em administração pública, José Francisco Salm, o primeiro ponto a ser levado em consideração é a escassez de recursos públicos. Depois, explica, é preciso analisar a questão política. Diante da situação crítica da ponte com risco de queda, os governadores precisavam garantir que ela não cedesse.
– A sociedade esperava que a ponte fosse colocada em uso com celeridade. Quantas viagens os governantes fizeram atrás de recursos e ainda não se recuperou (a estrutura) perante a uma sociedade que é exigente com o uso do recursos públicos?
Como foi feito o cálculo
l Os valores originais dos contratos foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) usando como meses de referência dezembro do ano em que o respectivo contrato foi firmado em comparação com o valor real em dezembro de 2017.
l A reportagem teve acesso aos contratos de duas formas: através do Portal da Transparência do governo do Estado e por meio da relatório do Ministério Público de Contas (MPC), que em 2015 investigou o investimento feito até aquele ano
l Naquele relatório do MPC, o procurador Diogo Ringenberg estimou o valor em R$ 563 milhões. Nesse número, entretanto, ele incluiu dois valores descartados pela reportagem: os gastos entre 1982 e 1990 (calculados através de uma média de investimentos do Estado na ponte nos anos seguintes) e uma estimativa de perdas financeiras da cidade com a falta da terceira ponte
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A definição para o futuro do trânsito na ponte
A prefeitura de Florianópolis e o governo do Estado chegaram a um consenso sobre a circulação de veículos na estrutura. Nos últimos dias, em uma reunião entre o Instituto de Planejamento Urbano (Ipuf) da Capital e o governador Eduardo Pinho Moreira, ficou definido que a decisão final será do município. Assim, prevaleceu a ideia de liberar a ponte nos primeiros dois ou três meses somente para pedestres e ciclistas e, depois, somente para o transporte coletivo.
A avaliação sobre os carros ocorrerá em um terceiro momento. Serão necessárias pequenas obras de adaptação, segundo o diretor da Região Metropolitana do Ipuf, Michel Mittmann. Mas elas dizem respeito à retirada de estacionamentos e alargamentos de ruas.
A proposta da prefeitura da Capital ainda prevê investimentos em lazer, cultura e esporte para fortalecer a região da ponte como um local de convívio, e não somente uma travessia entre a Ilha de SC e o Continente.
A forma de uso do transporte coletivo na Hercílio Luz, no entanto, ainda está sendo avaliada. Como a saída do Terminal de Integração do Centro (Ticen) para o acesso à ponte implicaria em modificações descartadas, a ideia do Ipuf é outra.
– Não se trata de usar linhas existentes, mas de se criar novos serviços que vão depender da ponte. Vamos afinar essas novas linhas, algumas em caráter experimental para incentivar o uso – afirma Mittmann.
O que muda no fluxo de veículos
Os estudos mostram que, nos horários de pico de saída e entrada na Ilha, haverá redução no número de ônibus circulando sobre as duas pontes atuais. De manhã, na Pedro Ivo, haverá uma redução de 45% na quantidade de coletivos. Enquanto à noite diminuirá 10% na Colombo Salles, conforme mostra a arte abaixo:
A Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (Suderf), órgão ligado ao Estado, sugeriu em fevereiro de 2018 o uso dividido das duas pistas, sem exclusividade para um ou outro modal. A proposta era que uma faixa da Hercílio Luz no sentido Continente-Ilha fosse totalmente destinada aos ônibus. Assim, eles entrariam na parte insular e já se dirigiriam para o Ticen. Para saírem da Ilha, os coletivos deveriam usar a Ponte Colombo Salles, onde seria destinada uma pista exclusiva para eles.
Na outra faixa da Ponte Hercílio Luz, o tráfego seria misto. Ou seja, carros e motos teriam acesso livre. O uso por cada um dos modais poderia variar conforme dias e horários. A proposta não foi totalmente deixada de lado, explica o diretor técnico da Suderf, Célio Sztoltz.
Ela pode ser usada numa terceira fase, caso seja compreendido que há como carros e motos passarem pela ponte em um sistema de compartilhamento de veículos. Inicialmente, ela foi descartada por conta dos congestionamentos que podem se formar e pelo incentivo ao transporte público.
Como a ponte será usada
A prefeitura prevê um plano urbanístico integrado. Além de mudanças no trânsito, haverá ações de lazer e cultura. Veja abaixo como será a ocupação de veículos:
1ª fase: Tráfego para pedestres e ciclistas, além de veículos de emergência
2ª fase: Linhas do transporte coletivo circulares e de apoio turístico; rotas novas de transporte coletivo; integração com o BRT e rotas metropolitanas
3ª fase: Avaliação posterior para possível liberação a veículos compartilhados com três ou mais pessoas dentro
Parque linear
Há proposta para criar um local arborizado no vão central da ponte, para pedestres. Para isso, são necessárias mudanças:
- Reformulação de entroncamentos na cabeceira insular
- Retirada de vagas de estacionamento em algumas ruas
- Implantação de ciclovia para chegada à ponte
- Reformulação de vias para ônibus no acesso à Avenida Rio Branco
- Implantação de saída do Ticen prioritária para ônibus até parte da Colombo Salles