Rivaldo Soares nasceu e se criou no Rincão dos Dutra, distrito rural de Santana da Boa Vista. Sempre bebeu água de vertente. Tanto que, após trabalhar fora e retornar para administrar a fazenda herdada dos pais, decidiu canalizar o manancial que brota no mato, em uma coxilha a um quilômetro de sua residência. Mangueiras foram adaptadas à bica e levam o líquido morro abaixo, passando por dois decantadores (caixas de limpeza), até um núcleo formado por sete casas.
Foi com surpresa que Soares recebeu a informação da presença de coliformes fecais na água.
– A gente tomava o tempo todo, não lembro de ter pego disenteria alguma. Agora não tomamos mais, só usamos água da vertente para banho e limpeza, além de encher a piscina – relatou.
A primeira suspeita foi levantada por técnicos da prefeitura de Santana da Boa Vista, que fecharam o único posto de saúde do Rincão dos Dutra. A repartição tinha sido construída com ajuda da comunidade, que se revezava para manutenção do local. Um dos motivos alegados para o fechamento era a má qualidade da água.
– O posto foi fechado mais porque o prédio está em situação precária, mas também se descobriu que a água fornecida tem coliformes – confirma o prefeito Arilton de Oliveira Freitas (PT).
O município é um dos três onde 100% das amostras coletadas pela Secretaria Estadual da Saúde apresentaram contaminação. Soares foi até a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e lá teriam dito que “se é água de poço artesiano, está contaminado, pode apostar”. Ele não se conformou e resolveu encomendar exame particular. O teste, feito durante três anos seguidos por laboratório privado de Pelotas, confirmou a avaliação do poder público: “água insatisfatória para consumo humano”. Desde então, Soares e a família evitam beber da água da vertente, mas alguns vizinhos continuam ingerindo o líquido, sem ligar para os alertas.
Abastecimento de colégio também foi comprometido
Em outra ponta do extenso município (45º maior em área territorial no Estado segundo o IBGE), a água contaminada chegou na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivo Teixeira, no Rincão dos Barbosa – região plena de matas, cachoeiras e piscinas naturais.
A água que abastece o colégio nasce no alto de um morro e desce por um bosque de árvores nativas. Por meio de mangueiras, escorre até uma caixa de água coberta, de onde é bombeada morro acima, até a escola e diversas residências do Rincão dos Barbosa. Nesse caminho, a possível contaminação por esterco de porco é uma das hipóteses de causa da poluição hídrica – há um chiqueiro nas proximidades da vertente. Outra probabilidade é a existência de um agrupamento de túmulos no morro – cemitérios de campanha estão entre as maiores causas de poluição.
Os professores, que pediram para não ter os nomes divulgados, estão indignados, porque eles e as crianças sempre beberam a água. Garantem, contudo, que não há registro de doenças.