Por Fernando Horta
Mestre e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)
Uma revolução é o triunfo do indivíduo contra as relações de poder a que está submetido, sejam elas políticas, sociais, culturais ou econômicas. É claro que um indivíduo não faz revolução, senão restrita aos seus espaços privados. Contudo, também é claro que uma revolução é feita de insondáveis razões que imprimem cada indivíduo para o choque contra as forças que cerceiam sua vida e sua ação no tempo. Ao produto desses choques individuais os historiadores costumam chamar de revolução, num grande esforço de generalização.
Revolução é, pois, uma mudança sensível e profunda em estruturas presentes na sociedade durante o tempo dos indivíduos. Há revoluções de diversos tipos e de diferentes durações, das que duraram alguns meses ou até vários séculos. A Revolução Russa é a primeira e mais importante do século 20. O termo “Revolução Russa” engloba várias “pequenas” revoluções, como a de 1905 ou a de fevereiro de 1917. A “Revolução Bolchevique”, de outubro de 1917, apesar de mais conhecida, é apenas uma parte (embora a mais importante) dentro do período de transformações por que passou a Rússia e regiões próximas no início do século 20.
A mais antiga família absolutista da Europa, os Romanov, reinara até 1917 sobre uma Rússia feudal que tinha por volta de 160 milhões de habitantes e menos de 10% desse total vivendo em cidades. No início do século 20, portanto, a quase totalidade da população russa vivia sob efeitos da servidão no campo, controlados por um número pequeno de senhores de terra enriquecidos e com a ajuda de uma Igreja com caráter ainda medieval, sem acesso a luz, educação, saúde ou quaisquer avanços produtivos comuns a outros países na mesma época. Em meio a esse cenário, a Rússia foi tragada para a I Guerra Mundial. Entre 1914 e 1917, quando os revolucionários retiraram a Rússia da guerra, através da Paz de Brest-Litovsk, entre mortos e feridos contavam-se quase 10% de sua população.
Lênin, não sem razão, afirmou que “a Primeira Guerra deu de presente para a Rússia a revolução”. Havia muitos motivos que justificassem uma revolução, cada indivíduo que escolhesse os seus. Os historiadores falam no esforço de guerra, na opressão feudal dos Romanov e na fome potencializada pelo conflito. A verdade é que uma revolução ocorre de forma caótica quando cada indivíduo se convence dos motivos de se rebelar. Em todas as revoluções, esse movimento é cooptado por líderes que transformam a violência dos levantes em um vetor de ação política. No caso russo, o Partido Operário Social Democrata Russo canalizou a força da ação de se insurgir para modificar não apenas o sistema político russo (a luta contra a monarquia absolutista), mas também contra o sistema econômico que, incipiente, se instalava no país: o capitalismo.
Entre 1905 e 1917, uma série de levantes, rebeliões, manifestações, greves e enfrentamentos armados criaram um mundo novo naquele país. Não apenas acabaram com uma monarquia feudal, como lançaram o antigo Império Russo na pioneira construção de uma sociedade dita socialista. Uma sociedade em que os meios de produção de riqueza não estariam nas mãos privadas, mas seriam, em tese, utilizados pelo Estado em benefício igualitário de todos.
É preciso separar o momento da revolução de todo o seu desenrolar posterior. A revolução é legítima na medida em que responde aos anseios de mudança da imensa maioria da população. Os julgamentos morais do porvir revolucionário não podem suplantar as razões dos homens e mulheres de buscarem a mudança. É fato incontroverso na História o desenvolvimento econômico, cultural e social que atingiu URSS após 1917. Os problemas decorrentes da guerra e da revolução, contudo, não foram menores.
De uma maneira geral, os grupos que se rebelaram em 1917 (mulheres, proletários, camponeses) tiveram suas vidas modificadas pela revolução. O juízo de valor sobre essas modificações, se foram para melhor ou pior, não parece ser mais importante do que o fato de que homens e mulheres do império dos Romanov tomaram em suas mãos os seus destinos e, pela primeira vez, vislumbraram para si um mundo diferente. O historiador Christopher Hill descreve uma conversa entre um comissário do povo e um velho camponês em algum lugar do vasto interior russo em 1917: “Havia excitação geral. Todos falavam [na Revolução]. E eu pude ver que eles acreditavam que alguma coisa de novo aconteceria em virtude da qual iriam viver melhor. Eis o sentido da revolução”.