Capão da Canoa perdeu um de seus personagens mais carismáticos neste verão. Calino Monteiro Fernandes, o popular Carretel, morreu no último domingo, aos 80 anos, vítima de um acidente vascular cerebral.
Nascido em Terra de Areia, Carretel ficou famoso entre moradores e veranistas do Litoral Norte por trabalhar como porteiro do Hotel Riograndense e, mais tarde, como gerente, bilheteiro, lanterninha e projecionista em cinemas de Capão da Canoa, como o Riograndense, e de Atlântida, como o Cine Mar, onde passou os verões das décadas de 1960 e 1970.
– Atlântida ainda era muito pequena na época, e as duas únicas diversões eram a boate do hotel e o cinema. O Carretel estava sempre presente nestes momentos e, por ser uma pessoa muito querida, ficou conhecido por todos – conta Wilson Dietrich, 76 anos, que trabalhou com o lanterninha.
Fernandes deixa a esposa e cinco filhos. Para a filha Andréia Monteiro Gutierres, 34 anos, o pai será lembrado pelo estilo "muito humilde".
– Teve um coração enorme – diz a filha.
O apelido Carretel surgiu porque, quando jovem, Fernandes era um baita corredor. Era até sem graça competir com ele. Resolveram, então, criar uma regra especial: ele ficava deitado na pista, segurando uma fita. Quando os competidores passavam e a rompiam, Fernandes podia sair atrás dos concorrentes. Por causa da fita, levou o apelido de Carretel.
Leia mais:
Quem é Alemão Nei, o morador mais ao leste do Rio Grande do Sul
"Adão e Eva" contam a história do Jardim do Éden do Litoral Norte
Os amigos mais próximos, no entanto, arriscam pelo menos outras duas versões para o surgimento do apelido. A primeira delas seria por Carretel ser um grande jogador de futebol. Atuou no Capão da Canoa Futebol Clube e estava sempre preparado para disputar uma partida informal com veranistas e conhecidos do Litoral.
– Ele era ponta-direita. Jogava muito bem. Enrolava todo mundo e seguia com a bola – chuta Salmi Bitencourt, 76 anos, ex-colega da época do cinema.
Mas há quem acredite que o apelido vem de outra habilidade: a de contar histórias – e de aumentá-las, até que virassem piada.
– Há cerca de um mês ele chegou aqui no ponto de táxi, veio de bicicleta. Era um cara forte. E foi logo contando suas anedotas, inventando uma parte, forçando outra. Era um exímio contador de piadas. Sempre formava um círculo de gente em volta dele. Todos queriam ouvi-lo – lembra o amigo Sadi Bitencourt, 73 anos, taxista em Capão da Canoa.
– Era um "enrolão", vivia contando causos. Acho que Carretel vem disso. Certa vez ele pagou para um juiz dar um pênalti a favor do time dele. Jogo vai, jogo vem, e nada. Aí ele perguntou: "Ué, mas o senhor não vai dar o pênalti?". Ao que o juiz respondeu: "Mas como, se vocês não conseguem nem entrar na área?" – conta João Batista Longo, 87 anos, proprietário das Lojas Longo, achando graça do episódio que envolveu o amigo de mais de cinco décadas.
Nas redes sociais, o anúncio da morte do "eterno lanterninha" comoveu moradores e veranistas do Litoral Norte. Nos comentários, jovens, adultos e idosos relembravam dos momentos em que Carretel não negou ajuda. Entre eles, está a moradora de Capão da Canoa Janete Santos, que prestou assim a sua última homenagem:
– Passamos a adolescência indo na matiné aos domingos à tarde. Eram tempos bicudos, todos eram muito pobres, e ele deixava a gente passar de 0800 (de graça). Com certeza tem um lugar lindo à espera de alguém que nos traz lembranças boas de um tempo de inocência. Vai em paz, Carretel.