Defendida pelo governo Michel Temer como um dos pilares do ajuste fiscal, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o limite para as despesas da União deve ser aprovada em definitivo nesta terça-feira no Senado ainda com divergências sobre seu impacto no dia a dia dos brasileiros. A sessão está marcada para as 10h.
Entretanto, parlamentares de oposição anunciaram que pretendem recorrer a todos os dispositivos regimentais para obstruir a votação. Além disso, a oposição anunciou já ter ingressado com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para suspender a votação. A base do governo, por sua vez, promete se empenhar pela conclusão ainda hoje para permitir a promulgação da matéria antes do recesso do final de ano.
Vitória na votação pode representar o início de uma agenda positiva na economia e, de quebra, uma forma de contornar a crise agravada após a delação da Odebrecht. Manutenção do quadro de falta de recursos para financiar a saúde, impacto mais pesado no Ensino Superior federal, redução de obras custeadas com recursos da União e dificuldade de reajustes acima da inflação de servidores e programas sociais estão entre os reflexos de médio e longo prazo projetados para a medida, válida por 20 anos.
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Por outro lado, o governo garante que a regra de limitar as despesas da União ao gasto do ano anterior mais inflação conterá a expansão da dívida pública, com melhora no ambiente de negócios, refletindo na geração de emprego e renda. Em 2016, o país terá o terceiro ano de déficit (R$ 170,5 bilhões), sendo que em 2017 também há previsão de rombo de R$ 139 bilhões.
– Não haverá mais orçamentos inchados e gastança criando dívida. A PEC trará de volta a confiança dos investidores – acredita o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da proposta na Câmara.
Na saúde e na educação, a regra de correção dos gastos pela inflação entrará em vigor em 2018, sendo que os patamares estabelecidos servirão de piso, podendo ser ampliado pelo Congresso, desde que haja redução de outras despesas. Contudo, críticos da regra destacam que com o piso vinculado à inflação, quando o PIB voltar a crescer, os gastos nessas áreas representarão percentual cada vez menor do PIB.
Secretário da Saúde no Estado e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, João Gabbardo lembra que os gestores públicos já trabalham num quadro de "insuficiência de recursos para atender a todas as demandas do SUS", que tende a permanecer:
– Não haverá corte de gastos em números absolutos. A PEC aumentou o valor inicial para 2017 na saúde, então se larga com situação melhor na comparação com a regra atual. A partir de 2020, se a inflação estiver menor e o PIB crescer, haverá menos recurso na comparação com a regra atual.
Secretário de Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps também destaca que os recursos são maiores na área para os primeiros anos. Para ele, é difícil apontar com precisão os impactos da regra do teto na educação, contudo, o reflexo tende a ser reduzido na Educação Básica:
– Nos Estados e municípios, onde não há essa limitação do teto, estão quase 80% dos investimentos na Educação Básica.
Nos bastidores, acredita-se na dificuldade de cumprir metas do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como em cortes no Ensino Superior federal no longo prazo. Para 2017, o MEC garante que programas como Fies e Prouni estão garantidos.
– A regra vai inviabilizar investimento na universidade pública no longo prazo. Vagas serão fechadas, diminuirão ainda mais bolsas de pesquisa – critica o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
O petista também aponta risco de cortes em programas sociais, com aumento da miséria. O governo assegura que o teto não representará cortes até o fim da gestão Temer. Ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra destaca que haverá R$ 30 bilhões no próximo ano para o Bolsa Família.
Nos investimentos afetados pelo teto, parlamentares e especialistas indicam a dificuldade de realizar obras de infraestrutura com recursos da União, em especial se a reforma da Previdência não for aprovada, uma vez que os gastos com o sistema consumiriam quase todo o orçamento que estará vinculado à correção pela inflação.
Projeção de placar folgado
A expectativa entre parlamentares é de vitória tranquila na votação em segundo turno da PEC, mesmo que a oposição tente obstruir os trabalhos. No primeiro turno, a PEC passou com 61 votos favoráveis e 14 contra, sendo que o mínimo para ser aprovada era de 49 votos. Líderes da base de Temer projetam novamente um placar acima dos 60 votos. Assim, a emenda constitucional pode ser promulgada ainda nesta semana, com validade assegurada a partir de 2017.
"É a última chance antes do mergulho na barbárie e no caos"
Professor de finanças públicas da Universidade Federal Fluminense por 20 anos, atualmente em período sabático, o economista Carlos Cova apóia a aprovação da PEC do Teto. Sobre o impacto nos serviços públicos, acredita que "não ficarão pior do que estão".
Qual a sua posição sobre a PEC do teto de gastos?
Talvez seja a nossa última chance antes do mergulho na barbárie e no caos. O Estado brasileiro não suporta mais o incremento do gasto em taxas superiores à taxa de crescimento do PIB. Se a PEC não passar, o Brasil viverá o que ocorre no Rio de Janeiro. Não vejo alternativa. Ou é isso, ou então podem se preparar para a ruptura institucional.
Que impacto a regra do teto pode ter nos serviços públicos?
Os serviços públicos já são muito ruins, de forma que não ficarão pior do que estão: escolas invadidas, alunos sem aula, hospitais que parecem campos de concentração, processos judiciais que se estendem no tempo, administração pública cartorial e adepta da política do compadrio, corrupção sistêmica, insegurança generalizada.
Críticos da proposta afirmam que há risco de redução do investimento em saúde e educação. É correta a avaliação?
Aqui no Brasil se confunde investimento com gasto. O que há é uma falta completa de procedimentos de gestão eficiente. Todos falam em repetir o modelo finlandês, que remunera bem os professores. Falar em avaliação de desempenho, metas, governança, prazos, remuneração diferenciada por resultado, ou seja, as demais partes do modelo finlandês, ninguém quer. Na saúde, não é diferente. A solução para ambos os casos seriam parcerias público-privadas, combinadas com marco regulatório eficiente.
"Proposta vai reduzir a longo prazo o tamanho do Estado"
Coordenador Executivo do Fórum de Economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Nelson Marconi critica a PEC do Teto, pois considera que o governo vai demorar seis anos para obter superávit ao custo de uma redução do tamanho do Estado.
Qual a sua opinião sobre a PEC do teto de gastos?
É necessário fazer um ajuste fiscal, mas a forma como ele está sendo feito é equivocada. Pelas minhas estimativas, com a PEC o governo vai levar seis anos para ter superávit e ainda dependerá da reforma da Previdência, que tem um cenário político difícil para ser aprovado. A PEC vai reduzir, a longo prazo, o tamanho do Estado.
Que impacto a regra do teto pode ter nos serviços públicos?
Haverá uma redução razoável de serviços, se a reforma da Previdência não for aprovada. Manter minha despesa constante em relação ao PIB é razoável, mas não em relação à inflação. Se cresce de acordo com a inflação, a população aumenta, cresce a demanda por saúde e educação e chega uma hora em que não há onde cortar no orçamento. A regra da PEC é inviável, vai acabar sendo mudada, e o governante que mudá-la será chamado de irresponsável.
O governo argumenta que gastos em saúde e educação terão investimento mínimo e que o Congresso pode ampliá-los. As áreas estão protegidas?
Vai acontecer que não vai ter dinheiro para o resto: investimento em obras, agricultura, fiscalizações, defesa. Em vez do governo arbitrar, pois ele tem um papel propositivo, ele diz que o Congresso pode resolver. Se os parlamentares querem mais recursos em uma área, tiram de outra. Teria de cortar muitos dos outros setores para manter o mesmo padrão de gastos em saúde e educação. Vai ser inviável.
AS REGRAS
- Enviada pelo governo Temer ao Congresso, é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Novo Regime Fiscal.
- A partir de 2017, as despesas primárias da União ficam limitadas ao que foi gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. Em 2018, o teto fica no gasto de 2017, mais a inflação. O sistema vale por 20 anos, mas pode ser modificado depois dos primeiros 10 anos. Para 2017, o orçamento enviado ao Congresso prevê R$ 1,316 trilhão.
- Executivo, Judiciário e Legislativo entram no limite de gastos, com tetos individualizados. Órgãos estaduais e municipais não são atingidos pela regra.
- Servidores poderão ter reajustes salariais, desde que o poder ou órgão público cumpra o teto de gastos.
- No caso de saúde e educação, que obedecem à nova regra a partir de 2018, a PEC fixa um piso para os gastos, ou seja, dentro do orçamento global da União, não será possível reduzir o investimento. Repasses do Fundeb ficam de fora. A PEC altera o critério de cálculo do gasto mínimo nas duas áreas. Atualmente, a União é obrigada a gastar 18% da receita de impostos em educação e 13,2% da receita corrente líquida em saúde.
- Segundo o governo, o Congresso poderá elevar o investimento em saúde e educação, dentro da lei orçamentária, desde que outras despesas sejam ajustadas, levando em conta o total de gastos.
Nem todos os gastos precisam obedecer o teto. Ficam de fora:
1) Transferências constitucionais, a exemplo do repasse de impostos e royalties de petróleo a estados e municípios
2) Gastos da Justiça Eleitoral com eleições
3) Gastos com capitalização de estatais não dependentes
4) Créditos extraordinários em casos imprevisíveis e urgentes, no casos de calamidade pública, comoção interna ou guerra
- A PEC prevê punições a quem desrespeitar o teto. O poder ficaria proibido de conceder reajustes salariais a servidores, abrir concursos públicos, criar ou reajustar despesas obrigatórias, criar ou aumentar auxílios para servidores e contratar pessoal, alterar planos de carreira ou de criar cargos de forma que aumentem os gastos.