Ao tomar posse neste domingo, o prefeito eleito de Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB), terá pela frente dois testes de fogo, já no início do mandato: enfrentar as dificuldades financeiras da prefeitura, incluindo contas em atraso herdadas de José Fortunati (PDT), e provar que tem habilidade política para garantir mudanças importantes na Câmara – entre elas a proposta de reestruturação administrativa, com o corte de 14 órgãos do primeiro escalão.
Com a reviravolta na antecipação do IPTU, Fortunati conseguiu quitar o 13º salário do funcionalismo e honrar os contracheques de dezembro. Mas fez isso à revelia do sucessor e deixou dívida de R$ 139 milhões com fornecedores.
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Agora, Marchezan terá de bancar o passivo e honrar a folha de janeiro, a ser depositada até o dia 31, no valor de R$ 147 milhões. A tarefa não será fácil. Mesmo com a previsão de entrada de recursos nos cofres municipais, serão insuficientes para cobrir tudo (leia mais detalhes sobre as contas da prefeitura na página ao lado).
– A questão das finanças é muito séria e exigirá medidas duras. Vamos ter de reduzir no custeio e negociar com credores. Vamos cortar na carne – afirmou Marchezan, que prepara um decreto de congelamento de despesas.
A decisão de cortar gastos e simplificar a estrutura administrativa, na avaliação de economistas como Fábio Pesavento, professor da ESPM-Sul, é positiva e ajudará a melhorar o quadro, mas não será suficiente para solucionar o problema das finanças.
– Marchezan terá de ampliar a arrecadação. A grande questão é como fará isso em um ambiente de queda na atividade econômica, levando em que conta que é um liberal, ou seja, é favorável à redução de impostos e não ao aumento – afirma Pesavento.
O diagnóstico pode piorar, porque, em 2017, as prefeituras devem continuar sendo afetadas pela queda nos repasses dos governos federal e estadual. Conforme o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, Porto Alegre registrou queda de 16,8% nessas verbas até a metade de dezembro, em comparação com 2015. O cenário só deve mudar com a retomada da economia, e isso está longe de acontecer.
– A reação está mais lenta do que se imaginava – lamenta Bremaeker.
Outra incógnita em relação à nova gestão está associada aos perfis de Marchezan e sua equipe. O prefeito eleito é conhecido pela personalidade forte e por não reagir bem ao ser contrariado. Quanto ao secretariado, a opção por priorizar técnicos em detrimento de políticos foi bem recebida pelos eleitores, mas por si só não garante êxito.
– Marchezan faz mais o perfil de um executivo, de um dono de empresa que manda nos funcionários. Só que administrar uma prefeitura é diferente. Isso vale para os secretários também. Ele criou a expectativa de mudanças e merece o benefício da dúvida nesse início de gestão. Não dá para sair criticando. Mas pode ter dificuldades para entregar o que prometeu – avalia Rodrigo González, professor de
No último dia 22, o prefeito eleito perdeu a primeira batalha na Câmara. Por retirada de quórum – inclusive de vereadores da base –, a votação do projeto de reestruturação administrativa foi adiada. A proposta deve ser analisada pelos parlamentares nesta segunda-feira, dia 2.
Nos bastidores, partidos aliados externaram descontentamento em relação à forma de seleção para cargos de confiança. A principal reclamação é endereçada ao banco de talentos, criado para receber os currículos dos interessados nas vagas e, dessa forma, profissionalizar o acesso. Marchezan tem dito que não cederá às pressões e comemora o fato de ter recebido, até agora, mais de mil resumos profissionais.
Mesmo vereadores de siglas adversárias, como Adeli Sell (PT), reconhecem que o novo gestor "traz ideias novas" e sinalizam que não farão "oposição por oposição".
– Todos dizem que ele é pavio curto, mas não vou torcer contra. A cidade precisa mudar. Do jeito que está, não dá mais – afirma Sell.
Único vereador eleito pelo PSDB para a próxima legislatura, Ramiro Rosário não vê no estilo de Marchezan motivos para preocupação e acredita que, no fim, o novo governo conseguirá compor maioria na Câmara. De acordo com o parlamentar, o futuro prefeito "não faz jogo de cena" e, por isso mesmo, tem o apoio da população. É nisso que os aliados apostam para superar os entraves.
– Nosso maior desafio será manter a sociedade engajada, do nosso lado – sintetiza Rosário.
O que vem pela frente
Confira quais serão os principais desafios impostos a Nelson Marchezan, assim que assumir a prefeitura da Capital
1 Definição da equipe
Até a última sexta-feira, Nelson Marchezan havia anunciado 10 dos 15 futuros secretários. A demora é atribuída à decisão de priorizar perfis técnicos e pessoas com experiência nas áreas em questão. Faltam nomes para pastas como Sustentabilidade, Serviços Urbanos e Planejamento e Gestão.
Os nomes do primeiro escalão anunciados até agora
Leonardo Maranhão Busatto (Fazenda) - Economista especializado em administração pública e ex-subsecretário do Tesouro do Estado.
Erno Harzheim (Saúde) - Médico com doutorado em Medicina Preventiva e Saúde Pública, professor da UFRGS, fundador e coordenador do Telessaúde-RS.
Adriano Naves de Brito (Educação) - Formado em Pedagogia e em Direito, professor na Unisinos e pós-doutor em Filosofia.
Ricardo Gomes (Desenvolvimento Econômico) - Ex-presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), pós-graduado em Direito e vereador eleito pelo PP.
Luciano Alabarse (Cultura) - Diretor teatral há 40 anos,ex-coordenador de artes cênicas da Secretaria da Cultura da Capital e diretor da Usina do Gasômetro.
Bruno Miragem (Procuradoria-Geral do Município) - Advogado com mestrado e doutorado. Ex-ouvidor-geral da Justiça e da Segurança.
Kevin Krieger (Relações Institucionais e Articulação Política) - Presidente do PP na Capital, graduado em Gestão Pública.
Maria de Fátima Paludo (Desenvolvimento Social) - Foi defensora pública-geral do Estado e corregedora-geral da Defensoria do Estado.
Bruno Vicente Backer Vanuzzi (Parcerias Estratégicas) - Advogado, cursando MBA em parcerias público-privadas e concessões na London School of Economics.
Elizandro Sabino (Infraestrutura e Mobilidade Urbana) - Vereador pelo PTB, bacharel e mestre em Direito.
2 Folha dos servidores de janeiro
Até 31 de janeiro, Marchezan terá de garantir recursos para pagar os salários do funcionalismo, no valor de R$ 147 milhões. Com a ampliação do desconto de 12% no IPTU até fevereiro, há dúvidas se haverá dinheiro suficiente a tempo de honrar o compromisso. Para economizar recursos, ele planeja fazer cortes em despesas com custeio.
3 Dívida com fornecedores
Será preciso buscar uma solução para a dívida de R$ 139 milhões com fornecedores, herdada da gestão anterior. Existia a previsão de ingresso de R$ 46,5 milhões em caixa ainda na noite de sexta-feira, mas com isso será impossível quitar tudo. Uma das saídas será pagar os casos mais urgentes e negociar com os demais.
4 Reestruturação administrativa
Foi marcada para a segunda-feira, dia 2 de janeiro, às 14h, em sessão extraordinária, a retomada da votação do projeto de reestruturação administrativa, que pretende limitar a 15 o número de secretarias (eram 29 na gestão de José Fortunati). A votação havia sido adiada em 22 de dezembro por falta de quórum, em manobra comandada pelo PTB.
5 Tarifas do transporte público
Um novo reajuste nas tarifas de ônibus e lotações deverá começar a ser discutido em fevereiro, com base no dissídio coletivo a ser pago aos rodoviários. Caberá a Marchezan dar a palavra final. O tema promete provocar protestos na Capital. Ele diz que pretende fazer um "diagnóstico técnico" da situação para se posicionar sobre a questão.
6 Manutenção de obras e serviços
Mesmo com pouco dinheiro em caixa e sem a perspectiva de aumento expressivo na arrecadação, Marchezan terá de garantir a continuidade dos serviços essenciais – o que inclui o pagamento a fornecedores de merenda escolar, por exemplo – e a manutenção das obras em andamento na cidade, promessa feita durante a campanha.
A posse
A cerimônia de posse do prefeito eleito, Nelson Marchezan (PSDB), do novo vice-prefeito, Gustavo Paim (PP), e dos futuros vereadores de Porto Alegre está marcada para este domingo, em dois momentos: às 15h, na Câmara Municipal, e às 18h, no Paço Municipal. As cerimônias serão abertas ao público.