O advogado gaúcho Fábio Medina Osório atribuiu sua demissão nesta sexta-feira do cargo de advogado-geral da União ao que classifica ser um processo de "fritura" dentro do governo Michel Temer. Ele alega que tentou reforçar o papel da AGU no combate à corrupção, o que gerou resistências.
Segundo o advogado, os ataques começaram com o ajuizamento de ação contra empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato, em que pedia a restituição de recursos aos cofres públicos.
Confira a entrevista à Rádio Gaúcha
O senhor ficou surpreso com a demissão?
Surpreendido eu realmente não me sinto, porque desde o primeiro momento em que nós avisamos a ação de improbidade contra as empreiteiras, nos sentimos submetidos a um processo de fritura dentro do governo. Basta notar que agora se alega o conjunto da obra da Advocacia Geral da União (AGU) como sendo motivo da saída. O que é o conjunto da obra? Uma série de notas plantadas na imprensa ao longo desse percurso, e que constitui um processo difamatório a que fui submetido. Quer dizer, a suposta perda de um prazo num processo da EBC, que nunca aconteceu, uma ineficiência naquele processo, que jamais aconteceu. Nós atuamos com total competência técnica naquele processo, que já está resolvido. Uma suposta "carteirada" em um avião da FAB, que também não aconteceu, enfim, problemas que jamais aconteceram. Então, eles tentaram minar com problemas que nunca aconteceram, situações inventadas, situações minúsculas que foram sendo criadas e plantadas na imprensa pra minar a imagem de uma autoridade pública.
Por quê?
Como eu digo, autoridades públicas que contrariam grandes interesses, interesses poderosos, hoje já não se parte mais para a tentativa da eliminação física, se parte para tentativa da eliminação da reputação moral. Então, nós fomos sendo minados ao longo desse período. Eu identifiquei que isso foi partindo ali do núcleo da Casa Civil. Nós fomos percebendo a origem desses ataques, fomos tentando compor, foi ficando difícil conseguir preservar a autonomia da AGU. Busquei consolidar uma advocacia de Estado, criamos uma série de medidas em relação a isso, estabelecemos lá a força-tarefa da AGU em Curitiba, alinhamos com a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF), fechamos o maior acordo de leniência da historia do Brasil no caso da SBM holandesa, que ainda está em tramite no Tribunal de Contas da União (TCU), na própria 5ª câmara do MPF. Enfim, eu creio que a gota d’água foi realmente esse pedido de acesso aos inquéritos da Lava-Jato, também pra exercer uma atribuição legal e constitucional da AGU, que é a defesa do patrimônio público através das ações de improbidade. Isso veio por conta de uma iniciativa da própria Polícia Federal, que nos acionou, e que nós tivemos, então, que promover esse acesso aos inquéritos da Lava-Jato.
Em decorrência dessa iniciativa, se acelerou muito esse desgaste, desgaste diretamente relacionado a uma postura divergente do ministro Eliseu Padilha, que entende que esse papel a ser cumprido pela AGU – que acaba gerando uma série de problemas dentro do governo, mas que é uma atribuição legal da AGU – teria de se reformar uma lei pra que ela não cumprisse esses deveres institucionais. Isso parece difícil que o ministro Padilha compreenda, embora seja advogado. No entanto, essas divergências se aprofundaram e veio a questão da demissão. O problema é que eu não aceito esse processo difamatório como forma de desgaste da imagem com o método pra que se demita um ministro de Estado. Eu já vinha explicando isso tanto para o presidente Michel Temer como para o ministro Padilha. Esse processo de "fritura" a que fui submetido é inaceitável, porque é uma forma de tentar assassinar a reputação moral de uma autoridade pública que cumpre seus deveres funcionais.
Nós já vínhamos rechaçando essa metodologia espúria de tentativa de abafamento de uma atuação funcional. Então, essas divergências efetivamente se aprofundaram, até o ponto culminante, que foi de fato sugerido que eu pedisse demissão, eu rechacei e, tal como está relatado aí nas matérias, agora na mídia, eu aguardei e foi comunicado pelo Diário Oficial da União (DOU), e depois pelo telefonema do presidente Temer, e estou aí agora de volta ao ambiente privado.
Teve um processo também que foi muito curioso. A minha sucessora era minha assessora, a doutora Grace Mendonça. Eu desejo toda sorte e sucesso, que ela possa desempenhar bem suas atribuições. Mas, de algum modo, ela também participou desse processo ao retardar a retirada dessas mídias digitais dos inquéritos cujo acesso nós postulamos junto ao STF, porque até hoje não foram retirados ainda. Nós esperamos que a AGU possa retirar todas as suas mídias digitais e exercer suas funções avaliando se é pertinente ou não ajuizar as ações de improbidade, com todo cuidado que a AGU deve desempenhar suas atribuições. Em síntese, diria que o governo, pelo menos na mentalidade de Eliseu Padilha, não quer avançar na Lava-Jato através da AGU, está procurando evitar que isso aconteça. Mas é uma atribuição da instituição, ela teria obrigação legal e constitucional de buscar, através das ações de ressarcimento ao erário, improbidade administrativa, isso não seria uma opção discricionária do governo, e sim um imperativo legal e constitucional que a instituição atuasse em prol da sociedade brasileira.
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O senhor falou com algum ministro ou interlocutor do presidente de sexta-feira para sábado? O procuraram?
Não me procuraram, estou fora do governo. Vou voltar para a iniciativa privada, a advogar, para o magistério. Fiz um serviço público de qualidade. Muito se fala dessa consolidação da AGU em relação à Lava-Jato, mas estamos falando de um posicionamento muito mais amplo de prestação de contas no âmbito da gestão. Apresentamos ao presidente Temer um decreto regulamentando a lei de mediação, temos inúmeras iniciativas nesses quatro meses. Temos a expectativa de que o governo Temer dê certo, para que o Brasil possa avançar nas suas pautas e destravar, enfim, essa inúmeras amarras que seguram o país.
As tentativas de blindagem ou de impedir que a Lava-Jato avançasse surpreenderam o senhor?
Não creio que seja uma blindagem do governo. Me parece ser uma postura equivocada e um erro de avaliação, no caso do ministro-chefe da Casa Civil, que está com muitos poderes concentrados na sua figura – o que também é um erro de governo. Parece que isso deva ser, ao longo do tempo reformulado pelo presidente Temer.Quando o presidente tem concentrado numa só figura, no caso o ministro Eliseu Padilha, que se considera um chefe dos demais ministros, acaba sendo um grande equívoco porque essa pessoa começa a se considerar uma espécie de primeiro-ministro da República. Ele fala em nome do presidente. Pode perceber que agora serão plantadas muitas notas contra a minha pessoa na imprensa - "e o Planalto avalia isso ou aquilo" - provavelmente será o Padilha falando. Ele passou a ser um ministro com superpoderes, e isso não dá certo. Já existem outros ministros muito contrariados com essa postura e provavelmente haverá uma reformulação deste modelo.
E a Lava-Jato?
Hoje, no Brasil e no mundo, qualquer governo pra funcionar precisa ter uma agenda estruturante econômica forte e uma agenda anticorrupção. Porque, sem ela, você acaba derretendo. O governo tem de enfrentar os seus problemas, e não consegue se blindar se não enfrentar de forma transparente as questões relativas à corrupção. Tem de ter instituições fortes dentro do governo para isso, senão vai ficar sempre a reboque de instituições externas, como é o caso do Ministério Público, do Tribunal de Contas. Hoje por exemplo o governo está, no âmbito do combate à corrupção, muito a reboque do MPF, que passou a comandar até a própria Polícia Federal. Então hoje, se ele tivesse uma AGU forte, podendo atuar nesta área, teria uma ponta para falar com a sociedade nesse tema. É o próprio governo quem tem de fazer faxina dentro de casa. Tem que ter autorregulação. Seria uma ilusão achar que pode se blindar tendo instituições fracas; tem que ter instituições fortes. Se o governo apostar em instituições fracas como forma de blindagem, vai acabar até cometendo ilícitos porque instituições fracas acabam tendo pessoas despreparadas.
A Casa Civil estaria protegendo quem? Quem se beneficiaria no processo de não avanço do tema?
O problema é de superpoderes do ministro Padilha. Ele é quem decide as questões. Veja o absurdo que é ele poder definir a demissão de um ministro, de escolher ministro ou advogado-geral. Ele fala em nome do presidente o tempo inteiro, passa notas para a imprensa, faz avaliação dos ministros. Eu, como advogado-geral, não conseguia despachar com o presidente da República. Era praticamente proibido, e todos os outros advogados-gerais tinham espaços semanais com os presidentes. Tive muita dificuldade de trabalhar nesse período.
Isso beneficia o presidente? É uma postura de defesa própria?
Não acho que beneficie, acho que prejudica. Não sou afilhado político do ministro Padilha, como muita gente fala. Fui indicado por ele, mas também por outras pessoas do meio jurídico. Tenho o maior respeito pelo ministro Padilha, que é um grande político, com cérebro privilegiado, um dos homens mais inteligentes que eu conheço. Apenas acredito que essa visão que ele tem seja extremamente equivocado do ponto de vista do interesse público.
*Rádio Gaúcha