Na condição de ré por crime de responsabilidade, Dilma Vana Rousseff, 68 anos, chega nesta segunda-feira ao Congresso para ser a primeira presidente da República a ser interrogada em um tribunal formado por 81 senadores. Afastada do cargo desde 12 de maio, quando foi aberto formalmente o processo de impeachment, Dilma surgirá no plenário disposta a fazer um discurso para a história, tentar constranger ex-aliados e reafirmar que é inocente, num ato que pode ser o epílogo de 13 anos de governos do PT.
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Primeira mulher a ocupar o mais elevado posto na hierarquia política do país, ela é acusada de editar decretos de suplementação orçamentária sem o respaldo do Congresso. Dilma chegará ao Senado acompanhada por um séquito de três dezenas de pessoas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-ministros, dirigentes partidários e assessores. O compositor Chico Buarque também está entre os convidados, com objetivo de demonstrar vigor político e combatividade, mesmo que seja pela última vez.
Nos últimos dias, a petista se dedicou à escrita do pronunciamento. Tão logo encerra os exercícios matinais, ela se recolhe à biblioteca do Palácio da Alvorada e rascunha em seu notebook excertos que mais tarde são discutidos minuciosamente com o advogado José Eduardo Cardozo e ex-ministros, como Miguel Rossetto, Jaques Wagner e Aloizio Mercadante. Lula também ajudou na construção do texto.
Além de coletar dados de programas sociais e iniciativas consideradas exitosas de seu governo, numa tentativa de apresentar um legado político, Dilma busca paralelos históricos à situação que vive para fazer discurso emocional. Suas leituras mais recentes recuperam crises institucionais enfrentadas por ex-presidentes como Getúlio Vargas, Jânio Quadros e João Goulart, cujos mandatos foram interrompidos por um suicídio, uma renúncia e um golpe militar, respectivamente.
– A presidente vai falar com serenidade, respeito e firmeza. Ela sabe a dimensão histórica deste momento – antecipa o ex-ministro Miguel Rossetto.
Em sua defesa, Dilma dirá que não cometeu crime algum. Os decretos que originaram as pedaladas fiscais, sustenta, foram medidas recorrentes em governos anteriores, como nos mandatos de Lula e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao atribuir a denúncia a um golpe parlamentar, a petista pretende confrontar o presidente interino Michel Temer, a quem acusará de promover um desmonte dos programas sociais, levando a cabo uma agenda política derrotada nas urnas.
– Será uma fala muito forte. Ela vai dizer o que está por trás do golpe: a retirada de direitos dos trabalhadores – diz o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Dilma foi orientada a não citar os nomes de seus algozes, mas dirá que o processo de impeachment nasceu de uma revanche do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que não contou com o socorro do PT no Conselho de Ética da Casa.
Numa tentativa derradeira de retomar o mandato, mesmo ciente da dificuldade de virar votos, voltará a propor a realização de um plebiscito sobre novas eleições, ideia já abandonada pela cúpula do PT. Na relação com o partido, Dilma já vive situação de solidão.
Ciente de que sua presença no plenário não tem capacidade de evitar a perda do mandato, Dilma fez questão de confrontar seus juízes – algo que Fernando Collor não fez no impeachment de 1992. Trata-se de um estratagema para tentar registrar a imagem com a qual quer se eternizar na história: a de que uma mulher inocente, reeleita com 54 milhões de votos, foi ilegalmente apeada do poder. Considerada inábil, Dilma perdeu o controle da base e do país, afundado em crise econômica.
– Esse é o segundo momento que ela vai a um tribunal. Na primeira vez, enfrentou um tribunal de exceção militar. Agora, de novo, vai defender a democracia – afirma Rossetto.