O roubo a pedestre foi o segundo crime com maior incidência em Santa Maria em todo o ano passado, ficando atrás apenas do furto (quando se subtrai algum bem, mas não há ameaça). E, nos primeiros seis meses de 2016, foram registrados 103 casos a mais do que no mesmo período de 2015. Foram 600 assaltos em 2016, contra 497 no ano anterior. O índice corresponde a um acréscimo de 20,72% nas estatísticas de roubo a pedestre comparando os semestres. Em apenas dois meses não foram registrados aumento em relação a 2015: fevereiro e junho. O mês recorde foi março, com 150 casos. Nesse mês, a média foi de praticamente cinco assaltos por dia. No ano passado, setembro registrou mais casos: 116 assaltos. Levando em consideração os 600 casos do primeiro semestre de 2016, são três assaltos a pedestre em Santa Maria diariamente. Veja o gráfico comparativo abaixo.
Esse tipo de crime, muitas vezes, é cometido sem o uso de arma, mas é um dos que mais facilmente podem acabar em latrocínio, como ocorreu com a jovem Shelli Uilla da Rosa Vidoto, 27 anos, na última sexta-feira, na Rua Bento Gonçalves, no bairro Dores. Para autoridades da segurança pública, esse é um crime de oportunidade, em que os criminosos levam em conta local, vítima e se vale a pena.
– Muitas dessas ocorrências são crimes de oportunidade, se aproveitam do descuido da vítima, do local, do horário. Mas também voltamos àquele tema do prende e solta, a maioria deles (assaltantes) são reincidentes. Óbvio que não queremos nenhum delito praticado contra o cidadão, mas, pela população de Santa Maria (276 mil habitantes), os nossos índices são satisfatórios, principalmente em comparação com cidades do mesmo nível populacional – analisa o tenente-coronel Gedeon Pinto da Silva, comandante do 1º Regimento de Polícia Montada da Brigada Militar, responsável pelo policiamento ostensivo em Santa Maria.
O delegado Sandro Meinerz, que responde pela 3ª Delegacia Regional da Polícia Civil, vai na mesma linha:
– O prende e solta está dentro dessa lógica. Quem rouba, não rouba uma vez. Rouba várias vezes, e ele só para quando é preso ou quando morre. Normalmente, quando a gente prende o autor de um roubo, elucidam-se vários casos. O número de roubos a pedestres não é alto, mas como ele aumentou, isso causa preocupação – complementa.
Popularidade dos smartphones
Para Francis Moraes de Almeida, sociólogo, professor da UFSM e pesquisador na área da violência, o fato de haver um número maior de registros dos casos de roubos a pedestres não quer dizer que a criminalidade tenha aumentado. Ele atribui isso ao fato de que, provavelmente, os objetos roubados sejam de maior valor, e, por isso, as pessoas procuram a polícia. Almeida diz ainda que a popularidade dos smartphones, que têm um valor significativo, e por Santa Maria ser uma cidade de jovens, atrai a atenção dos criminosos.
– Nos últimos quatro anos, aumentou muito o roubo desses aparelhos, que são facilmente roubados e valem o risco, já que um smartphone vale até R$ 2 mil. A popularização desse uso, com muitos jovens transitando, é uma oportunidade, e isso pode levar à modificação das taxas. Mas há uma forte chance que esses 20% a mais de roubos estejam dentro dos 50% a 70% dos casos que não eram registrados e que passaram a ser – contextualiza.
Para juízes pena não é branda
Praticados geralmente à noite, em locais escuros e com poucas testemunhas, os autores de roubos a pedestres são difíceis de ser identificados. Mas, quando são, a pena não é pequena, na avaliação de juízes. No entanto, há outros fatores que prejudicam o cumprimento da sentença, o que acaba fazendo com que criminosos voltem às ruas não muito tempo depois.
– Não julgo que a pena desses delitos sejam baixas. Principalmente quando ocorre o óbito, que se enquadra como latrocínio, que é a pena mais alta que temos no nosso Código Penal. Esses casos, quase todos, são elucidados pela polícia e julgados rapidamente pelo Judiciário. Mas, para combater, é preciso outras formas, não basta a investigação e a condenação. Precisamos de um policiamento ostensivo maior e também de políticas de base para que esses jovens não caiam no mundo das drogas, que é o principal objetivo do roubo, para adquirir entorpecentes – reflete o juiz Leandro Sassi, titular da 4ª Vara Criminal de Santa Maria, que julga muito desses casos.
O juiz Rafael Pagnon Cunha, diretor do Fórum de Santa Maria, explica que, nos julgamentos, são levados em conta circunstâncias como a união de pessoas para a prática do crime, a impossibilidade de defesa da vítima e o uso de arma, como no caso do latrocínio que vitimou Shelli Vidoto na sexta-feira. Mas ele critica as facilidades que fazem com que os condenados estejam livres em pouco tempo.
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– A grande questão não é a quantidade de pena final, mas o modo brando, previsto pela legislação, para o cumprimento da pena. O sistema prevê uma série de benefícios muito rápidos, o que constrói a certeza de que o sistema é falho, e é. Caso fosse condenado há 20 anos e cumprisse essas duas décadas preso, talvez não estivéssemos enfrentando o atual estado das coisas. Mas a legislação é pródiga em benefícios, e novas cadeias não são construídas, o que resulta em inevitáveis liberdades, que moldam uma certeza coletiva de impunidade – analisa o juiz.
Porém, para o sociólogo Francis Moraes de Almeida, a questão da sensação de impunidade não é verdadeira, visto o número de presos no país.
– São 650 mil pessoas presas, e um percentual substancial está preso por furto ou roubo. Em nenhum lugar do mundo se percebe que o encarceramento reduz a criminalidade. Aumentamos o índice de presos desde o início dos anos 1990, de 150 mil para 650 mil presos, e quanto mais se prende, mais se tem crimes. Ou não há relação, ou ela é inversa – contrapõe o sociólogo.