De passagem por Santa Catarina, onde quinta-feira participou da abertura de um congresso da Justiça Eleitoral, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga Neto falou com a RBS TV e o Diário Catarinense sobre as suspeitas de fraude em transferências de títulos eleitorais no Estado, reveladas em uma série de reportagens do jornalista Pedro Rockenbach.
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Além de garantir que os TREs e o TSE vão investigar as possíveis irregularidades, o ministro também comentou os desafios das eleições municipais deste ano, como a intensificação do uso das redes sociais e a reforma política que mudou muitas regras do pleito. Confira os principais trechos da entrevista:
Qual a avaliação da Justiça Eleitoral sobre as suspeitas de irregularidades nas transferências de títulos em SC?
Vejo essas suspeitas com preocupação, mas esse levantamento só foi possível a partir da nossa atuação, com a revisão do eleitorado que a Justiça Eleitoral faz com certa frequência. A partir disso verificamos e depois vocês, com base nesses dados, fizeram as investigações e realmente temos esse problema no Estado. Estamos apurando com todo rigor, com apoio do Ministério Público Eleitoral, para ver o que de fato ocorreu. Nos parece existir a possibilidade do cometimento do crime de falsidade ideológica, com pessoas usando de documentos falsos para fazer a inscrição eleitoral onde não residem e não têm qualquer vínculo.
A revisão do conceito de domicílio eleitoral não poderia minimizar esse problema?
O conceito de domicílio eleitoral tem que prestigiar a cidadania. Não podemos fazer o conceito fechado no sentido de só quem reside pode votar lá porque, por exemplo, pode-se ter vínculo familiar ou de emprego. Eu mesmo, durante muitos anos vim votar em Florianópolis porque meu vínculo familiar é muito grande aqui, tinha interesse na política de SC. O que devemos é investigar esses casos que foram levantados. Temos todo o aparelhamento e estamos atentos a isso.
Uma simples declaração de residência basta para a transferência. Não há necessidade de mudar esse procedimento aparentemente frágil?
Nós temos, na minha opinião, que não ficar proibindo para tentar impedir ilegalidades no Brasil. Temos que confiar, de alguma forma, na boa-fé do eleitor ao fazer sua transferência. Em SC é muito comum as pessoas virem estudar na Capital e esses estudantes mantêm vinculações com seus estados. Mas claro que temos situações atípicas, que têm uma formatação, um cenário de ilegalidade e aí a Justiça Eleitoral não pode condenar previamente aqueles que têm boa-fé por conta de outros que agem de forma ilegal. Temos que prestigiar a cidadania e condenar aqueles que cometem ilícitos.
A Justiça Eleitoral tem estrutura para fiscalização?
Naturalmente, como todos os órgãos públicos, temos sofrido problemas com a crise financeira. Mas o ministro Gilmar Mendes (presidente do TSE) conseguiu resolver o problema e teremos eleições neste ano normalmente. De fato, também temos dificuldades de estrutura em alguns municípios, mas este caso das suspeitas de transferências irregulares não passa por falta de recursos. Nesse caso, o juiz verificando atipicidade nas transferências ou provocado pelo Ministério Público, aciona a policia e há a investigação.
É possível criar um mecanismo de alerta para essas situações?
É muito difícil o Judiciário prever tudo que se faça de ilegalidade, porque a capacidade de pessoas ligadas a inventar e inovar na sua burla em fraudar as normas é muito maior do que a de pessoas como nós, que estão sempre desejando que eleitores, candidatos e partidos atuem na boa-fé. Mas lógico que a partir de denúncias como essas da reportagem, temos que desenvolver ferramentas para estatisticamente termos informações e acender a luz amarela em determinadas inconsistências. Estamos sempre dispostos e aparelhados para melhorar e contribuir com a democracia brasileira.
Onde há mais eleitores do que habitantes e suspeitas de transferências irregulares, a eleição pode estar comprometida?
Não penso assim. A Justiça Eleitoral tem um procedimento muito célere nessas situações, é uma das mais céleres e com legislação mais ordenada para dar o provimento adequado. Até porque sabemos que o direito eleitoral é perecível, então temos que apurar rapidamente. Esses títulos podem ser cancelados cautelarmente com base nessas suspeitas, para que não tenhamos desvirtuamento do processo eleitoral.
Se confirmadas, qual o prejuízo à democracia com essas supostas irregularidades?
Nós temos que conscientizar o eleitor que o processo democrático é voltado a ele, para que o eleitor tenha representação e essa representação cuide bem dos destinos de tudo aquilo que se deseja para o futuro da família, da cidade, do país. Na medida que a pessoa contribui para esse tipo de ilegalidade, ela contribui com tudo isso que está acontecendo e que nós reclamamos. A política só vai ficar honesta quando a sociedade tiver um novo comportamento.
Falando das eleições deste ano, qual a principal preocupação?
Temos grande preocupação com o financiamento privado de campanha (o financiamento de pessoa jurídica está proibido). Sabemos que política sempre é feita com financiamento de alguma forma, e as pessoas físicas naturalmente não estão muito empolgadas em doar. Portanto, temos que verificar, seguir a norma e observar com rigor se vai ter aporte de algum recurso não contabilizado na campanha. Quem tem experiência em fazer manipulação de recursos de caixa 2 geralmente são pessoas já ligadas a atividades ilegais, então essa questão realmente é um grande desafio que temos.
A reforma política ficou aquém do necessário?
Nós não tivemos uma reforma política, tivemos uma reforma eleitoral que naturalmente não trouxe ao nosso sistema algo que possa contribuir com o processo democrático. Para o eleitor, ficou mais difícil para conhecer o candidato, com essa redução do período de campanha.
Esse tempo mais curto de todo o processo eleitoral também impacta no trabalho dos TREs e do TSE?
Haverá dificuldade de todos os registros de candidaturas chegarem até mesmo aos TREs. Porque se você pegar todos os prazos, de oitivas de testemunhas, apresentação de documentos, não chegamos ao dia da eleição com todos os registros deferidos em primeiro grau. Isso é um grande problema causado por uma reforma mal feita. Não prejudica o resultado da eleição, mas pode ocorrer de um candidato inelegível receber votos, e ai ser necessário renovar a eleição.
Esta será a primeira eleição municipal com uso tão intenso das redes sociais. Isso também preocupa?
Não estamos muito dispostos a fiscalizar redes sociais porque a rede social é um ambiente privado, como se estivéssemos na nossa residência. São pessoas autorizadas por você a se envolver naquele ambiente de amizades, como em um clube, em um restaurante, na mesa de bar discutindo política. O problema são as manifestações à margem da norma: usar páginas financiadas que deem impulsionamento a candidaturas, e tudo aquilo que tire a condição de igualdade entre os candidatos.