
Quando o relógio bateu 6h, no último dia 1º de junho, as portas já estavam abertas no posto Dom Antônio Reis, no bairro Medianeira, em Santa Maria. As mãe chegavam com os filhos enrolados em cobertores para protegê-los do frio de 7°C que faziam em Santa Maria naquele diz. O esforço era para tentar garantir uma consulta com a única pediatra que atende nesse horário na unidade de saúde da prefeitura.
Trinta e um minutos depois, a médica chegou. Mas, às 8h04min, duas horas depois de entrar no posto, ela foi embora. De acordo com o portal da transparência da prefeitura, a profissional recebeu R$ 7.939,87 mil em maio para trabalhar seis horas por dia na unidade de saúde. Mas, pelo menos nesse dia e no dia seguinte, ela não cumpriu a carga horária completa.
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E, ela, não é a única. Em três dias de acompanhamento, dois médicos de postos de saúde foram flagrados pela reportagem da RBS TV Santa Maria deixando o local de trabalho antes da hora. Essa realidade é denunciada também por outros servidores da saúde, que são contrários à proposta da prefeitura de reduzir pela metade a jornada dos médicos de postos e manter o mesmo salário da categoria. A própria secretária de Saúde, Vânia Olivo, já afirmou, em outras oportunidades, que essa é uma alternativa para que os médicos não peçam demissão em massa quando o ponto eletrônico começar a valer, em 1º de julho.
Na reportagem veiculada nesta quinta-feira, na RBS TV Santa Maria, Vânia afirmou que irá investigar o caso.
O caso da pediatra: 2 horas no posto
No dia 1º de junho, a pediatra Dalva Maria Dalla Barba Londero foi flagrada indo embora do posto de saúde do bairro Dom Antônio Reis às 8h15min, duas horas depois de chegar para o trabalho. A médica foi direto para o seu consultório particular, como confirmou sua secretária, por telefone, à equipe de reportagem que tentou agendar uma consulta com a pediatra.
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No dia seguinte, mais uma vez, a profissional deixou o posto antes de terminar de cumprir a carga horária pela qual foi contratada. Desta vez, ela foi abordada pela equipe de reportagem. O repórter questionou se ela está indo para o consultório.
– Sobre ter sido flagrada trabalhando das 6h30min às 8h, em dois dias consecutivos, ela se defendeu dizendo que trabalha por demanda, que não tem um horário certo, que fez um acordo com a secretária (de Saúde, Vânia Olivo) e pediu que o repórter falasse com a secretária.
O caso do ginecologista: 37 minutos no posto
No dia 31 de maio, no posto da Cohab Santa Marta, o ginecologista Alexandre dos Santos Leite foi flagrado pela equipe de reportagem chegando para trabalhar às 10h04min. Ele também é concursado, entrou para o quadro da prefeitura em março de 2000 e recebe salário de R$ 4.208,21 para cumprir seis horas de trabalho por dia.
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Mas, quando a reportagem esteve no local, o expediente do profissional durou apenas 37 minutos. Do posto, ele foi para casa. Leite tem outro contrato com a prefeitura de mais seis horas diárias em outro posto, onde ele também deveria atender no período da manhã. Por esse serviço, o médico recebeu R$ 6.838,35 em maio. Ou seja: o profissional recebe mais de R$ 10 mil por mês por 12 horas de trabalho por dia, conforme o portal da transparência.
Isso quer dizer que o médico teria que fazer algo impossível: estar nos dois postos, no mesmo turno e ao mesmo tempo. E ele ainda tem um consultório particular, onde também atende pela manhã. Quem confirmou a informação foi a secretária, por telefone, quando s reportagem tentou marcar um exame de ultrassom. Ela disse que, às 9h15min, Leite já estaria disponível para consulta.
Abordado pela reportagem, na última quarta-feira, ele apenas disse que estava em férias, que não falaria com a reportagem e orientou a equipe a conversar com o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).
Secretária nega acordo para médicos trabalharem menos
A falta de médicos é o motivo alegado pela secretaria da saúde para deixar todos os 17 postos de saúde de Santa Maria fechados durante à noite. Mas não é só isso: à tarde, muitas unidades também não prestam atendimento. A cidade tem 280 mil habitantes, e a prefeitura confirma que a assistência básica em saúde cobre apenas 20% da população. De acordo com a secretária de Saúde, o Executivo conta hoje, no seu quadro, com 110 médicos, mas seriam necessários mais 140.
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Os profissionais das unidades de saúde marcam o horário de entrada e saída a mão, com papel e caneta. De acordo com uma funcionária, que pediu para não ser identificada, eles assinam o ponto e, depois, alguém assina que eles trabalharam. Cada posto tem um chefe administrativo, que fica responsável por fiscalizar o ponto de todos os servidores.
Em entrevista à RBS TV, a secretária Vânia Olivo negou a existência de um acordo com os médicos:
– Eu estou aqui há dois anos, e não existe este acordo. O que existe é uma lei municipal de produção, que eles ganham. Devem ganhar mais 100% se atingirem um número x de consultas, mas não existe acordo. A carga horária precisa ser cumprida. Isso é lei.
Quanto aos médicos flagrados pela reportagem, Vânia disse que a prefeitura vai investigar.
– Isso tem que estar mais claro. Eu não vou afirmar que as pessoas não estão cumprindo efetivamente (a carga horária). Eu recebo aqui uma efetividade de carga horária realizada. Tenho que ter mais segurança sobre isso. Isso é um problema que nós temos que resolver. Agora, também posso te dizer que tem que ter uma solução para isso. Nós temos excelentes médicos e não podemos perdê-los.
Carga horária menor, com o mesmo salário
Para tentar evitar que os médicos saiam antes do horário, pontos eletrônicos com leitor biométrico, vão ser instalados em todos os postos. A secretária justifica a proposta de redução de jornada de trabalho dos médicos com o esvaziamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
–Tem muito médico pedindo demissão. Se eu fizer um levantamento, isso está aumentando. E, em outros municípios, isso também ocorre. O esvaziamento de médicos no SUS é uma realidade e um problema. Então, talvez com uma carga horária de 20 horas, você consiga reter e controlar e reter no sistema único _ alega a secretária.
A proposta ainda não foi encaminhada à Câmara dos Vereadores.
O que diz o Simers
Procurado para comentar o caso, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul respondeu, em nota:
"O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e o Sindicato dos Médicos de Santa Maria informam que tomaram conhecimento do fato através da imprensa e estão buscando informações junto aos médicos da cidade, bem como à Secretaria Municipal de Saúde. Esclarecemos que a atuação do SIMERS, enquanto entidade sindical, é no sentido de discutir condições gerais de trabalho, remuneração e demais questões pertinentes à atividade médica."