Enquanto o governo do Estado aguarda que a Justiça determine a saída dos estudantes que ocupam mais de cem escolas em Porto Alegre – a expectativa da Secretaria da Educação era de que uma liminar fosse concedida ontem –, há alunos, pais e professores temerosos com a demora da retomada das aulas.
Estudantes do terceiro ano se preocupam com a preparação para o Enem, os pais com a motivação dos filhos para estudar e também em onde deixá-los enquanto as aulas estão suspensas, e professores contrários à greve querem lecionar.
– Sou contrária às invasões, à falta de democracia deste movimento. A escola tem 900 alunos, mas nove estão impossibilitando os demais de ter aulas. Estou condoída por ter que vivenciar esta situação – disse a professora Ana Oliveira, da Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles, no Centro da Capital.
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Já a aluna do terceiro semestre do curso técnico de nutrição da Ernesto Dornelles, Susan de Moura Burnett, 40 anos, teme que a suspensão das aulas por conta da ocupação a prejudique profissionalmente. Ela passou em terceiro lugar num concurso público do Grupo Hospitalar Conceição para trabalhar como técnica em nutrição e tem medo de perder a vaga quando for chamada por não ter concluído a formação em tempo hábil.
– Preciso me formar urgente. Falta um semestre de aula teórica e o estágio. Por várias vezes tentamos contato (com os ocupantes), mas não nos deixam entrar. Eles têm um discurso pronto, uma forma radical de agir. Sinto que tem um movimento político por trás, como se estivessem sendo manipulados – avalia.
Presidente do grêmio estudantil da Ernesto Dornelles, Daniel Ajala dos Santos, 17 anos, do terceiro ano do ensino médio, é contra a ocupação. Segundo ele, há alunos sendo prejudicados de diversas formas: desde os que não conseguem documentos para a renovação de estágio, até os que fazem pré-vestibular na escola e estão privados das aulas.
– Amanhã (hoje) vamos tentar uma conversa amigável – revela Daniel.
Professor do curso técnico de nutrição, Alberto Maurício Barbosa Moura, da Ernesto Dornelles, também está preocupado com a recuperação das aulas:
– Será difícil a recuperação. Temos 50 alunos em estágio que precisam de orientação. Todo movimento é nobre quando tem objetivo. Mas quando priva o direito do outro de estudar, não é nobre.
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Grupo de pais busca uma solução
Desde que o Colégio Paula Soares, no Centro da Capital, foi ocupado, há um mês, a autônoma Rosângela Lenz, 31 anos, corre contra o relógio para tentar reverter a situação. A filha de 12 anos está no sétimo ano, começou a estudar em outra escola pública na semana passada, mas ela e outros pais estão mobilizados em dar fim às ocupações.
Além de ir à escola várias vezes para conversar com os ocupantes, Rosângela participou de reuniões com a 1ª Coordenadoria Regional de Educação (Cre), procurou o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, consultou advogados, tudo na expectativa de exigir o direito da filha e dos outros alunos de estudar.
No início da semana, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RS) ingressou com uma ação civil pública pedindo que a Justiça determine a saída dos estudantes. O Estado pede que os alunos não mais impeçam a realização das aulas e desocupem as dependências dos estabelecimentos de ensino.
– Já estamos na quarta semana de invasão e o ano letivo já está comprometido. Como vão recuperar as aulas? Não tenho condições de colocar minha filha numa escola particular – afirma a mãe.
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Constrangimento aos alunos
Advogada voluntária do grupo de 50 pais que quer o retorno das aulas, Maria Cristina Hofmeister Meneghini, vai se colocar à disposição do magistrado que julgar o processo (a ação foi protocolada na 4ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, ficando a cargo do juiz Fernando Carlos Tomazi Diniz) para defender a liberação das escolas.
Ela pretende expor o constrangimento que os estudantes que querem ter aulas estão sendo submetidos, situação que, segundo ela, se agrava ainda mais para as famílias mais humildes:
– Temos relatos de ameaçadas, tenho boletim de ocorrência. Tem jovens que querem entrar em programas de estágio e aprendizagem e não podem porque não tem como acessar a escola para conseguir os documentos. Há também alunos de cursos técnicos que precisam se formar.
"Vamos limpar a escola para uma possível entrega"
No portão da Escola Ernesto Dornelles, o estudante do primeiro ano do ensino médio, Bruno Koboldt, 19 anos, um dos líderes da ocupação, disse ontem que o grupo que está na escola – entre 20 e 30, porque outro grupo de igual número estaria ocupando as dependências da Assembleia Legislativa – está na expectativa para saber se o governo atenderá as reivindicações.
– A intenção é liberar porque a gente acha que o governo vai atender. Vamos limpar a escola para uma possível entrega. Não saímos antes porque não concordamos com as cartas (cartas-compromisso nas quais o governo expôs as propostas para a desocupação das escolas) – disse.
Sobre a intenção dos estudantes que pedem o fim da ocupação de tentar o diálogo mais uma vez, Bruno diz que, "se estiverem calmos, não há problema em deixar entrar na escola".
– Quem quer ter aula são os alunos e professores do técnico. Esses alunos só querem o diploma deles – comentou.
Bruno avalia como positivo o retorno que a manifestação já alcançou (como o pagamento dos recursos da autonomia atrasados), mas destaca que o grupo ainda quer a retirada de tramitação do PL 44/2016, elaborado pelo Executivo e interpretado pelos críticos como uma tentativa de privatizar o ensino e outros serviços públicos.
O Diário Gaúcho tentou contato com os alunos que ocupam o Colégio Paula Soares, mas não havia ninguém próximo ao portão, que está cadeado e o acesso bloqueado por classes e cadeiras.
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Governo avalia que acordo está próximo
Ontem pela manhã, em entrevista à Rádio Gaúcha, o secretário da Educação, Luis Antônio Alcoba de Freitas, afirmou que o governo está próximo de um acordo com os alunos, mas que optou pela ação judicial para atender a exigência de 200 horas letivos no ano. Ele manifestou a expectativa de que, concedida liminar favorável ao governo, os estudantes cumpram a ordem judicial:
– Em caso de deferimento, nós vamos nas escolas com os oficiais de justiça. Os órgãos de defesa da Criança e do Adolescente também estão dispostos a ajudar. Vamos mostrar que existiu um conflito e que há um terceiro, o Poder Judiciário, que dá a resposta final. Vamos pedir a desocupação voluntária –disse o secretário.