A tese de defesa do coronel nascido em Santa Maria - que no fim da década de 1970 também atuou no Centro de Inteligência do Exército, em Brasília, e comandou o 16° Grupo de Artilharia de Campanha, em São Leopoldo - começou a ser escrita há mais de 30 anos pelo punho de sua própria esposa, Maria Joseíta. Em outubro de 1985, dois meses após a então deputada Bete Mendes reconhecer Ustra como seu torturador - fato que levou o nome do militar (na ocasião adido militar no Uruguai) às primeiras páginas de jornais de todo o país -, Joseíta escreveu uma carta às filhas, Renata e Patrícia, o que seria a introdução de um álbum dedicado às herdeiras do casal. No lugar de fotos da família, recortes de jornais, documentos e anotações, para que, no futuro, as filhas não se envergonhassem de carregar o sobrenome do militar. Dali veio a inspiração para o primeiro livro do militar, Rompendo o Silêncio, lançado em 1987, que reproduz e amplia os argumentos e exemplos citados no manuscrito assinado pela esposa. Excessos durante interrogatórios? Qual era esse dever? Irritava, claro. Mas esse negócio que dizem, de botar em cima de latinha, de não sei o quê, esse negócio não existia. O senhor acha que foi por causa desse episódio que virou uma espécie de símbolo do regime? O presidente Médici baixou uma diretriz de segurança interna determinando que o Exército assumisse o combate ao terrorismo. Um dia, o general Canavarro (José Canavarro Pereira, ex-comandante do 2º Exército) me chamou e disse: "Major, o senhor foi designado para comandar o DOI-Codi do 2º Exército. Estamos numa guerra. Vá, assuma e comande com dignidade". Encarei como uma missão. Cheguei em casa e disse para a Joseíta: "Olha, fui escolhido para comandar o DOI. Nossa vida agora mudou. Não vamos poder mais sair. Vamos ter que ficar com cinco homens comendo e dormindo aqui em casa, noite e dia, para nossa segurança". Foi uma missão de sacrifício, escapei de dois sequestros e muitas ameaças de morte. O número do telefone tinha de mudar quase que semanalmente, queriam sequestrar minha mulher ou minha filha, para me trocar por elas. Durante três anos, fui uma só vez ao cinema. Pois é. Foi no processo da Maria Amélia Teles. Quando ela foi presa com o marido, também me informaram que havia duas crianças no local. Disse, então, para levarem as crianças para o DOI. Na sala de interrogatório, informei que as crianças não poderiam ficar lá e que iria mandá-las para o juizado de menores. Ela começou a chorar e uma tenente ficou com dó e disse que levaria as crianças para a casa dela, se eles autorizassem. Um parente do casal, da Polícia Civil de Minas, ficou de buscar as crianças em dois dias. Com pena da dona Maria Amélia Teles, pedi para a tenente trazer as crianças para ficar com os pais umas duas horas por dia, até os tios chegarem, para elas não ficarem tristes. No processo, ela disse que eu levava as crianças para ver a mãe torturada. Olha, sou um homem que mantenho minha consciência muito tranquila. Cumpri com meu dever, durmo tranquilo, sou respeitado, graças a Deus, pelas pessoas de bem. Sou um monstro para quem está impregnado com a ideologia do outro lado, pessoal de esquerda. Sou apresentado como um monstro, também, apesar de eu achar que não sou um monstro, mas eu não sei por que fizeram esse estereótipo da minha pessoa. Não sei se foi raiva ou vingança. Ah, sim. Claro. Tem que ter para acabar com essa impunidade. O cara faz o que quer e não acontece nada? Os advogados da OAB vão lá, tiram o cara e ele sai rindo. Quebram banco, machucam policiais e fica por isso mesmo? Essa lei é necessária. Se Dilma não fizer, vai se dar mal.
Memória
"Excessos podem ter havido de ambos os lados", disse o coronel Ustra em entrevista de 2014
Morto em outubro de 2015, o primeiro militar brasileiro reconhecido pela Justiça como torturador voltou a ser tema de discussões após ser citado em discurso na votação do impeachment de Dilma na Câmara