Deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta sexta-feira, a ação que teve como alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é considerada um marco na Operação Lava-Jato. Não só por abrir caminho para o que pode ser considerado o ponto alto da ofensiva anticorrupção no Brasil, mas por provocar impactos em diferentes áreas, da economia à política nacional.
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Entre os reflexos mais visíveis e imediatos, estão a queda do dólar e a disparada da bolsa, a fragilização do governo de Dilma Rousseff, citada na delação feita pelo ex-líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, e aquela que pode ser qualificada como a maior crise da história do PT. Abaixo, veja como analistas, cientistas políticos e economistas avaliam os efeitos da Operação Aletheia.
Na economia
A nova fase da Lava-Jato foi recebida com entusiasmo pelo mercado. O primeiro reflexo - que já havia se manifestado quando vieram à tona informações sobre a delação do senador Delcídio Amaral (PT-MS), na quinta-feira - foi a queda do dólar. Nesta sexta-feira, a moeda americana chegou a ser cotada a R$ 3,70, com redução de 2,5%, pela manhã, logo depois de estourar a Operação Aletheia. Ao mesmo tempo, o principal índice da bolsa de valores, o Ibovespa, disparou 3,61%.
Esse comportamento, segundo o economista Marcelo Portugal, da UFRGS, indica que a ação da Polícia Federal foi bem recebida:
- O mercado vê a deterioração do capital político do PT, com o desgaste de Lula e da presidente Dilma, como algo positivo para a economia no longo prazo.
A percepção é compartilhada por Valter Bianchi Filho, sócio da Fundamenta Investimentos. Na avaliação do mestre em finanças, a melhoria das expectativas em relação ao país é fundamental para a superação da crise:
- A confiança estava extremamente baixa. O fato de a Lava-Jato ter chegado a Lula marca a virada em relação ao pessimismo, e isso é muito importante, porque a crise não é só econômica. Também é política.
No governo Dilma
Ameaçada pela sombra do impeachment desde que assumiu o segundo mandato, Dilma Rousseff encerra a semana mais fragilizada do que nunca. As pressões sobre a presidente tendem a aumentar, inclusive para que renuncie.
Além da ação contra Lula, que respinga diretamente na imagem de Dilma por sua ligação com o ex-presidente, a petista foi citada na delação do senador Delcídio Amaral e acabou alçada, involuntariamente, ao centro da Lava-Jato. O analista Gaudêncio Torquato é categórico:
- Ambos estão na fogueira e isso pode, sim, acelerar o processo de impeachment.
Nesta sexta-feira, os ministros próximos à presidente temiam a reação social aos últimos acontecimentos. Ao mesmo tempo, o clima entre petistas e antipetistas se acirrou. PT e Central Única dos Trabalhadores (CUT) convocaram a militância para denunciar o que classificaram como "tentativa de golpe".
- Teremos uma série de manifestações nos próximos dias no país, contra e a favor do governo, mas a tese do impeachment só ganhará força se os defensores do afastamento de Dilma forem mais fortes - pondera a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
No PT
Analistas são unânimes ao afirmar que o PT vive o momento mais crítico de sua história. Para a cientista política Rita de Cassia Biason, do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Franca (SP), o partido chegará às próximas eleições com enormes desafios pela frente:
- O PT está se autodestruindo. Para sobreviver, terá de se reinventar, porque o modelo construído ao longo dos últimos anos se esgotou.
Como Rita, o professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés, também acredita que a sigla será desafiada a se "refundar", como defendem os ex-governadores do Rio Grande do Sul Tarso Genro e Olívio Dutra.
Se não fizer isso, argumenta Moisés, passará o resto de seus dias tendo de dar explicações e correrá o risco de amargar derrotas históricas nos pleitos de 2016 e 2018 - desde que "surjam alternativas na oposição capazes de conectar as mentes e os corações".
- Os petistas terão de lidar com esse dilema, mas, ao mesmo tempo, é preciso lembrar que política não é algo matemático, como somar dois mais dois. Sempre há imprevisibilidades e surpresas - pondera o especialista.
Na Lava-Jato
Deflagrada de forma despretensiosa em 2014, com a prisão do doleiro Alberto Youssef, a operação atingiu, na última semana, um novo patamar. Tanto a ação contra o ex-presidente Lula quanto o conteúdo explosivo da delação premiada do senador Delcídio Amaral abrem novas perspectivas de investigação.
Na avaliação do jurista Ives Gandra Martins, a atual etapa da Lava-Jato marca "o começo de sua fase mais aguda". Para ele, a ofensiva ainda não atingiu o ápice:
- Se o ministro Teori Zavascki (relator da Lava-Jato no STF) aceitar a delação de Delcídio Amaral, isso abrirá um campo enorme para os investigadores. Ele sustenta que Lula e Dilma mentiram. Tudo isso terá de ser averiguado.
A delação do senador também pode, na opinião de Rita de Cassia Biason, precipitar novos acordos de colaboração. A Lava-Jato, segundo a cientista política, ainda está longe do fim e segue o roteiro da Operação Mãos Limpas, que nos anos 1990 desmontou um grande esquema de corrupção na Itália:
- Aqueles que avaliam se tornar delatores vão correr para escapar da punição, porque, se não falarem agora, daqui a pouco não vai sobrar mais nada para ser dito.
*Zero Hora