Os 140 anos da imigração italiana retratados no corso alegórico não são mostrados na Rua Plácido de Castro apenas com fatos históricos. A interpretação mais rica se revela na perspectiva da cultura. Uma a cada três cenas do desfile mostra deuses, mitos e santos, inseridos como marcas do imaginário de matriz italiana.
A escolha foi feita pelo roteirista do corso, Nivaldo Pereira, disposto a evocar o inconsciente dos espectadores por meio de símbolos. Para ele, a própria festa reporta a antigos ritos, como a escolha das soberanas. Deuses do panteão greco-romano como Netuno, Mercúrio, Baco e Ceres (leia abaixo) partilham o desfile cênico com Santo Antônio e Nossa Senhora de Caravaggio. Mitos como a cocanha, a terra da fartura buscada pelos imigrantes, e o sanguanel, espécie de saci-pererê italiano, estão presentes na narrativa.
- Não dá para falar nessa cultura sem a religião. Nossa Senhora de Caravaggio é uma das mais cultuadas do país, ao lado de Nossa Senhora Aparecida e Padre Cícero. Até quem não é italiano, adere a ela, numa assimilação do mito fundador. Eu mesmo sou um exemplo disso - explica o baiano.
Mas eles só aparecem porque encontram relação no cotidiano daqueles que vivem aqui. As sutilezas aproximam a história da vida dos espectadores, sejam eles naturais de Caxias ou não.
- As pessoas vão sentir mais do que compreender, são coisas que fazem sentido no imaginário - completa.
Quem são e onde aparecem:
Netuno, o deus romano dos mares, que aparece no carro do navio, como que protegendo-o dos naufrágios. Há relatos de vapores naufragados no ciclo da imigração, como o célebre Sírio, que virou canção.
Mercúrio, deus romano do comércio e da comunicação, que abre a cena do Comércio. Na astrologia, Caxias do Sul é do signo de Gêmeos, regido por Mercúrio, indicando um forte apelo da cidade nos temas do deus.
Ceres, deusa romana da fertilidade da terra e da colheita. "Cereal" vem de Ceres. Ela aparece no carro das embaixatrizes, ilustrando a fertilidade do poder feminino.
Baco, deus romano do vinho e da uva, ilustrando a festa e o êxtase da colheita. Aparece no começo do terceiro ato, do Povo em Festa.
A cocanha, mito medieval da terra idealizada, de fartura e não trabalho, e que foi plasmado na propaganda do governo sobre as terras do Brasil. É o segundo quadro da narrativa, após a crise italiana.
Sanguanel, mito italiano de uma espécie de duende traquina. Veio na bagagem simbólica dos imigrantes e se aculturou nas matas da Serra.
Santo Antônio, o mais popular santo italiano também veio na bagagem simbólica. É invocado em qualquer situação e é o mais presente nos capitéis da Serra. Madona de Caravaggio, a versão mais popular da Nossa Senhora no imaginário dos imigrantes e que responde, aqui, por um dos maiores fenômenos religiosos do Brasil. Ela aparece na bagagem simbólica e na cena da procissão.