Destacado do fundo de casinhas que também funcionam como lojas no histórico distrito de Chinatown, em Cingapura, Daniel Goh se debruça sobre a mesa verde-limão, no segundo andar do Chinatown Complex, para fazer uma pausa em sua animada crítica sobre o rápido desenvolvimento da cena de cervejas artesanais na cidade-estado. – O que muita gente não sabe é que as pessoas costumavam vir aqui para morrer, conta ele.
Goh está se referindo à Sago Lane, próxima daqui, que foi chamada de “Beco da Morte” na primeira metade do século XX por causa de suas muitas funerárias e lojas de caixões, e do sombrio costume de alguns cidadãos chineses de vir para essas chamadas casas da morte quando estavam prestes a falecer.
O governo proibiu esses lugares em 1961, e muitos dos comerciantes de funerárias já haviam ido embora há tempos quando a Sago Lane foi nivelada para abrir caminho para o labiríntico Chinatown Complex, cujo exterior brilha adornado com lanternas de papel chinesas incandescentes penduradas em zigue-zague sobre a movimentada rua abaixo.
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Lar de centenas de barracas de comida e lojas de artigos variados, a estrutura é um dos mais antigos mercados de ambulantes e praça de alimentação ao ar livre de Cingapura. O governo construiu mais de 100 camelódromos de 1971 a 1986, enquanto autoridades, citando questões de gestão de resíduos e de saúde pública, atraíram dezenas de milhares de vendedores de comida das ruas para esses estabelecimentos que possuem vários boxes e a promessa de um aluguel barato.
Apesar de ter roubado de Cingapura a alegre cultura das comidas de rua, ainda celebrada em muitas partes do sul da Ásia, hoje esses mercados desorganizados prosperam como espaços de encontro da comunidade e animados locais para comer. Aqui, chefs da região servem uma grande variedade de pratos quentes, frescos e baratos, desde especialidades de Cingapura, como a laksa (sopa com caldo de coco forte e picante) e arroz de frango, até comidas da Índia, Tailândia, Indonésia e mesmo ícones ocidentais como cachorro-quente e espaguete.
Foi o aluguel barato do Chinatown Complex, o custo inicial mínimo e a chance de combinar cervejas com todas essas comidas locais que inspirou Goh, de 40 anos, a abrir em 2011 o Good Beer Co., primeiro box de Cingapura especializado em cervejas artesanais. Oferecendo uma variedade de 60 garrafas importadas, a barraca fez tanto sucesso que, em janeiro de 2014, Goh se associou a um amigo que também negocia cerveja, Meng Chao, de 47 anos, para abrir a Smith Street Taps, ao lado da antiga.
Enquanto o Good Beer Co. negocia cervejas importadas, o Smith Street Taps começou como a primeira barraca a vender chope artesanal. – Foi arriscado. As garrafas podem ficar nas prateleiras, mas com o chope temos que renovar os barris muito mais rapidamente, conta Chao.
Até agora isso não foi um problema. Com 11 chopes – começaram com sete –, a Smith Street Taps logo se tornou o centro verdadeiro da nascente cena de cervejas artesanais de Cingapura, secando barris de 20 a 30 litros a cada dois ou três dias. Algumas cervejas, como a imperial stout Bomb! da Prairie Artisan Ales, de Oklahoma, duram menos de uma noite. – As pessoas vêm para tomar cervejas que nunca mais na vida terão a chance de experimentar, algumas vezes mesmo se viajarem até onde ela é feita, explica Goh.
Na Smith Street Taps, muitos importadores locais apresentam as cervejarias de fora aos cingapurianos colocando uma grande variedade de tipos de uma única fábrica na maioria das torneiras. A Siren Craft Brew (Berkshire, Inglaterra), a Baird Beer (Numazu, Japão) e a Modern Times Beer (San Diego, Califórnia) são algumas já degustadas nesses eventos. – Foi uma noite incrível; viemos cedo e ficamos até tarde. Fiquei muito impressionado com o conhecimento e o entusiasmo de tudo mundo daqui, afirma Matt Walsh, principal cervejeiro da Modern Times, que viajou para Cingapura para a ocasião.
Além de sua lista de chopes de classe mundial e de seu local atraente e inusitado, a Smith Street Taps também faz sucesso vendendo cervejas premium a preços muito mais baratos do que os encontrados nas lojas tradicionais com quem compete. Eles podem fazer isso, em parte, porque seus gastos são menores.
De acordo com a Agência Nacional do Meio Ambiente de Cingapura, em 31 de dezembro de 2014, 87 por cento do aluguel das barracas custava menos do que 1.500 dólares cingapurianos (cerca de US$1.065) por mês, uma pequena parte do que muitos bares mais centrais pagam.
Claro, agora que a dupla deu o pontapé inicial no fenômeno de barracas de cervejas artesanais, o modelo pegou. No Chinatown Complex, por exemplo, os irmãos Patrick Lim, de 61 anos, e Steve Lim, de 63, abriram a OnTap, a poucos metros da Smith Street, no final de 2014. A ideia é parecida, mas os Lims vendem apenas as cervejas e cidras próprias da OnTap, feitas em pequenos lotes do centro de Cingapura. Agora, a OnTap também possui boxes nos mercados ChompChomp e Sun Court.
–No que depender de Chao, iniciantes como a OnTap não são necessariamente competidores – e sim um sinal de progresso. – Ainda temos que fazer o mercado crescer e conseguir que mais gente beba boas cervejas, explica.
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