
Discurso de conciliação nacional, ministério de "notáveis", política econômica ao gosto do mercado e promessa de manutenção das conquistas sociais compõem o esboço do governo Michel Temer. Uma saída para a crise costurada em conversas reservadas com empresários e caciques de partidos, marcadas pela discrição, ao estilo do vice-presidente da República.
"Michel mergulhou" é uma das expressões mais repetidas no Congresso. Deputados e senadores do PMDB, sigla presidida por Temer, franzem a testa quando são questionados sobre as diretrizes da gestão, caso o impeachment de Dilma Rousseff seja aprovado. A cautela tenta evitar que o vice seja acusado, outra vez, de conspirar pela queda da presidente.
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– A única função do vice é assumir no caso de impedimento do presidente. Michel e seu círculo mais íntimo adotaram regras na discussão do impeachment: não fazer absolutamente nada e respeitar a Constituição – garante o ex-ministro Eliseu Padilha, próximo ao vice-presidente.
O grupo de Temer trabalha para evitar as trapalhadas do final de 2015, como a carta em que ele se queixava de Dilma. A nova postura pesou na decisão de cancelar a viagem a Portugal com próceres da oposição. O vice iria a um seminário organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de Gilmar Mendes. Além do ministro do Supremo Tribunal Federal, participam do evento os tucanos Aécio Neves (MG) e José Serra (SP).
Com a desistência, Temer abre a reunião de terça-feira do diretório nacional do PMDB, convocada para discutir o desembarque do governo. Ele deve fazer um discurso sobre "unidade" do partido e necessidade de "pacificar" o país, ideias repetidas nos encontros particulares em São Paulo e no Palácio do Jaburu. A perspectiva de poder ampliou o assédio ao vice. Hábil ao medir as palavras, ele evita frases que o comprometam, a fim de se blindar de vazamentos. Perguntado por parlamentares sobre nomes de seu ministério, foi seco:
– Sei quando as coisas são intempestivas. É o caso de falar em formatação de governo.
Temer se distanciou do Palácio do Planalto, preocupado em desviar da Lava-Jato e em barrar o impeachment. O vice soube da indicação de Lula para a Casa Civil pela imprensa, recebeu ligação do ex-presidente e o tratou de forma protocolar. Na última semana, ficou um dia em Brasília. Ouviu e ponderou cenários com caciques do PMDB. O ex-presidente José Sarney externou que a recuperação de Dilma é improvável, porém lembrou que o melhor a fazer é esperar o governo cair ao natural. O presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), sugeriu a Temer "pensar seu papel na história", que pode lhe passar a responsabilidade pela queda da presidente eleita.
– Se o PMDB sair do governo e isso significar um agravamento da crise, será uma responsabilidade indevida que o PMDB deverá assumir – pondera Renan.
Fora de Brasília, Temer concentra agenda em São Paulo, onde tem escritórios político e de advocacia. Busca conselhos com o ex-ministro Delfim Netto e o advogado José Yunes, seus amigos. Semblante pesado, segue com as caminhadas matutinas e cortou bebidas alcoólicas, que já não eram do seu agrado. O sorvete de pistache segue como raro exagero do peemedebista, que aprecia folhear os jornais pela manhã – ao longo do dia gosta de observar o Twitter.
O lado mais braçal da articulação pró-Temer é conduzido por emissários. Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf faz a ponte com o empresariado, movimento reforçado pelo ex-ministro Moreira Franco. As mensagens enviadas soam feito canto de sereia, como ajuste fiscal duro.
A plataforma tem as diretrizes conhecidas, reunidas no documento Uma Ponte para o Futuro. O programa do PMDB, que em tese mira 2018, prega rigor fiscal e controle da inflação, redução de indexações, simplificação de tributos, acordos comerciais com EUA, União Europeia e Ásia, concessões e privatizações, além de reforma da Previdência, com idade mínima, e retorno ao regime de concessão no petróleo.
O contraponto está no forno. Uma Ponte para o Futuro 2 deve sair nas próximas semanas, focado na área social, com o compromisso do PMDB de manter e, se possível, reforçar o Bolsa Família. O Prouni pode ser ampliado para os ensinos Fundamental e Médio.
Investigação na Lava-Jato pode comprometer planos
Outra preocupação é o Congresso. Está em andamento a construção de uma base com 350 deputados. O próprio Temer recebeu Gilberto Kassab, ministro das Cidades e patriarca do PSD, e discutiu por três horas com Aécio Neves "uma agenda emergencial para o Brasil". Presidentes de PMDB e PSDB, os dois acertaram o apoio tucano a um governo de transição, com o compromisso de Temer não tentar a reeleição.
– Não faremos como o PT, que negou apoio ao governo do presidente Itamar Franco – afirma Aécio.
Temer, no entanto, tem no horizonte complicações. A sequência da Lava-Jato deve trazer novas revelações contra peemedebistas de proa, associados ao esquema de corrupção da Petrobras. A Procuradoria-Geral da República avalia pedir abertura de inquérito contra o vice, citado na delação do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS). O ex-petista afirmou que Temer indicou para diretoria da BR Distribuidora, no governo FHC, João Henriques, suposto operador de um esquema de aquisição ilícita de etanol.
Com discurso de que foi vítima de um "golpe", o PT voltaria aos tempos de oposição ferrenha, reforçado por movimentos sociais e novas manifestações nas ruas contra a legitimidade de um presidente sem votos. O partido ensaia cobrar da Lava-Jato punições aos investigados de PMDB e PSDB. Ainda lembraria que Temer também assinou decretos que autorizaram abertura de crédito ao orçamento, argumento das pedaladas fiscais.
– Temer está na articulação do golpe. Consideramos que as pedaladas não são crime de responsabilidade, mas se a tese passar, Temer também estará impedido – afirma o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
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Conversas para um ministério "incontestável"
Uma mescla de notáveis com políticos capazes de enquadrar bancadas no Congresso. Apesar de aliados de Michel Temer negarem a discussão de eventuais ministros, as especulações aumentam em Brasília. Caso o impeachment seja consumado, a maior preocupação do vice está na área econômica, reservada para nomes de prestígio no mercado.
Os notáveis, nas palavras de parlamentares do PMDB, ocupariam Fazenda e Banco Central, além de pastas como Justiça, Educação e Saúde. Nelson Jobim é cotado para regressar ao Ministério da Justiça, onde esteve com Fernando Henrique (PSDB).
Na equipe econômica, a intenção é convencer investidores do retorno do rigor fiscal. Ex-presidentes do BC com FH e Lula, Armínio Fraga e Henrique Meirelles formariam a dupla ideal. Fraga, contudo, estaria disposto apenas a "colaborar". Outro nome elogiado por parlamentares é o de Roberto Brant, ministro da Previdência na gestão tucana.
Cotado para Agricultura, pasta que ocupou com Lula, Roberto Rodrigues não teria interesse em voltar ao cargo. Lideranças do agronegócio não receberam sondagens de emissários de Temer. O setor monitora a crise política, a fim de evitar que a permanência ou queda de Dilma Rousseff prejudique os negócios.
– Deixamos tudo organizado para que não haja vácuo. Seja qual for o desfecho, o setor não pode parar – adverte Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura.
O esboço de equipe de Temer também reserva espaço para seus homens de confiança, Eliseu Padilha e Moreira Franco. Aposta-se que um ficaria na Casa Civil e o outro em uma pasta de orçamento generoso, na qual poderia reforçar a articulação no Congresso.
Dificuldade para aplacar a fome peemedebista por pastas
A distribuição das demais cadeiras da Esplanada teria de se encaixar em um corte dos atuais 32 ministérios, num cálculo para contemplar a fome por cargos. O PMDB da Câmara defende 20 pastas no primeiro escalão. Legendas que estão no governo Dilma (PSD, PR, PTB e PRB) discutem ficar com Temer.
– Os ministros devem ser nomes incontestáveis, mas há espaço para dividir cargos de segundo e terceiro escalão – explica um deputado do PMDB.
Um desafio para Temer, caso ele assuma a Presidência, é atender o próprio partido, que tem sete ministérios. Os atuais ministros buscam sinais de que permanecerão. O senador Eduardo Braga (AM) tenta na Justiça herdar o governo do Amazonas. Se tiver sucesso, retorna ao Estado. Do contrário, seguiria com Minas e Energia, pois a suplente no Senado é sua mulher, Sandra. Henrique Eduardo Alves e Helder Barbalho teriam espaço junto com Vinicius Lages, ex-ministro do Turismo e afilhado de Renan Calheiros.Outro ministeriável é Romero Jucá (RR), também cotado para líder do governo no Senado.
Repreendido publicamente por Temer depois de afirmar que discutia alianças, Serra teria portas abertas. Caso o PSDB refute um ministério, acredita-se na revoada de Serra para o PMDB, de olho em 2018.
A caminho do fim da coligação com os petistas
O PMDB caminha com divergências para a reunião do seu diretório nacional, na terça-feira, que pode definir a saída do governo Dilma Rousseff. Os ministros do partido, o grupo do Senado, controlado por Renan Calheiros, e parte da bancada da Câmara, no entorno de Leonardo Picciani (RJ), gostariam de desembarcar em abril, desde que tenham certeza da aprovação do impeachment.
A tendência é de aprovação do fim da aliança com o PT. Renan e Picciani procuraram Michel Temer, lembraram da sua reeleição consensual para presidência do PMDB e pediram o adiamento da reunião para 12 de abril. Pressionado pela ala pró-desembarque, concentrada entre deputados, o vice manteve a data. A situação ampliou a disputa pelos 155 votos do diretório. Governistas garantem que há maioria a favor da permanência, versão contestada pela oposição, que teve adesão do diretório fluminense.
– Poucas vozes ficarão agarradas no governo – discursa Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Uma das saídas negociadas é aprovar o desembarque, porém com um prazo para a entrega dos cargos, inclusive os sete ministérios do PMDB. Seria possível avaliar o avanço ou recuo do impeachment na Câmara. O receio é de que a sigla abandone seu latifúndio na máquina e veja Dilma se recuperar.
Resistentes no desembarque, os ministros peemedebistas estiveram com a presidente na quarta-feira. Kátia Abreu, Celso Pansera, Marcelo Castro e Mauro Lopes, cuja nomeação Temer desautorizou, não querem deixar os cargos e sofrem ameaças de expulsão. Na quarta-feira, Pansera questionou o que o partido fará com o cerca de mil cargos que ocupa e garantiu que, se necessário, retornará ao mandato de deputado para votar contra o impeachment, posição idêntica à de Castro.
– Defendo a legitimidade deste governo. Como ministro, faço parte da equipe e, se necessário, como parlamentar, continuarei atuando na defesa do seu governo – afirmou Pansera.