Baleado na cabeça durante perseguição policial em Caxias do Sul no dia 4 de fevereiro, Lucas Raffainer Cousandier, 19 anos, é a terceira pessoa a morrer em menos de um mês pelas mãos de policiais militares em abordagens. Os outros casos ocorreram em Porto Alegre e Roca Sales, no Vale do Taquari. Cousandier estava na companhia de dois amigos em um veículo que furou uma blitz quando foi assassinado.
Na quinta-feira, a Justiça decretou a prisão preventiva dos PMs Emerson Luciano Tomazoni, Gabriel Modesto Ceconi e Devilson Enedir Soares. Eles são suspeitos de alterar a cena do crime. O pedido de prisão partiu do Comando Regional de Polícia Ostensiva da Serra. Investigações da própria BM e da Polícia Civil apontaram que a versão apresentada pelos PMs de que o trio atirou na viatura após fugir de uma blitz foi forjada.
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Os policiais teriam colocado duas armas no carro dos garotos para incriminá-los. Porém, a Brigada apurou que os servidores invadiram a casa de um morador de Caxias e recolheram um revólver, que depois foi inserido ilegalmente no veículo da vítima. A arma não tinha numeração raspada e a apreensão não foi registrada. O GPS confirmou que a viatura esteve na casa do proprietário do revólver por 50 minutos.
Além disso, o depoimento de uma testemunha indicou que o motorista da viatura foi até um local afastado e disparou contra o veículo com a intenção de simular a troca de tiros. Em entrevista ao jornal Pioneiro, um dos jovens que presenciou a morte de Cousandier relatou que eles haviam ingerido bebida alcoólica e iam fazer um lanche quando a BM começou a segui-los.
"Ficamos com medo de perder a carteira e sermos presos. Não tinha mais como parar, porque ficamos com medo que acontecesse justamente o que aconteceu", disse ele.
Policiais civis criticam postura de brigadianos
Nos outros dois casos, a apuração dos culpados ainda está em aberto porque a BM recolheu as armas e a perícia não pode ser concluída. No primeiro, ocorrido em 14 de janeiro, o engenheiro civil Vilmar Mattiello, 58 anos, foi atingido no tórax por um PM na Avenida Wenceslau Escobar, zona sul da Capital.
Ele não parou em uma abordagem de dois soldados, que trabalhavam próximo à esquina com a Rua Afonso Álvares. Alegando sentir que poderia ser atropelado, um dos oficiais atirou três vezes contra o carro de Mattiello.
O delegado Rodrigo Pohlmann Garcia afirma que a cópia do Inquérito Policial Militar (IPM) ainda não foi entregue à Polícia Civil, bem como cópias de documentos e laudos, incluindo o do local do crime. Segundo ele, o perito não tem condições de fazer o trabalho sem obter a arma de onde saiu o disparo:
– Isso está completamente errado. Existe o perigo de o processo ser prejudicado.
Em Roca Sales, o frentista José Carvalho Neto, 30 anos, foi morto por um PM com um tiro na cabeça em um posto de combustíveis no dia 22 de janeiro. Ele ajudava um policial à paisana, que foi ferido por um homem que discutia com a companheira no local, mas acabou alvejado por um oficial.
De acordo com a Polícia Civil, o PM e o frentista seguraram a mulher, que teria dado início à confusão. Após isso, a Brigada Militar foi acionada. Ao chegar ao local, os policiais teriam visto o frentista imobilizando a mulher e pensado que ele seria o agressor.
O brigadiano alegou que o frentista havia rendido a mulher com uma arma e que pediu três vezes para que ele a largasse. Mas relatos de testemunhas sustentam outra versão.
– A perícia poderia ter apurado os detalhes do disparo e as distâncias, só que a arma foi levada antes. A BM ainda tentou retirar o projetil que estava no corpo, mas o IGP não liberou. Eu lamento – disse o delegado Silvio Huppes.
Conforme a assessoria do comando da Brigada Militar, a atuação dos oficiais está amparada no Código de Processo Penal Militar e no Código Penal Militar, e os inquéritos militares vão determinar se houve irregularidades. A Corregedoria da corporação só se manifestará depois das conclusões dos inquéritos, todos sem data prevista.