O ano de 2016 se inicia com o estigma da violência desenfreada disseminada pelo poder do tráfico de drogas e pela crueldade das quadrilhas que disputam bocas de fumo e acertam contas a tiros em qualquer hora ou lugar. Em 2015, o Rio Grande do Sul bateu recorde de homicídios, com 70% de crescimento na última década. Na comparação com 1986, as mortes violentas aumentaram sete vezes mais do que a população gaúcha.
E a tendência é seguir aumentando o banho de sangue. Números indicam que fevereiro poderá ser o mês mais violento nos últimos quatro anos em Porto Alegre. São pelo menos 63 homicídios (até quinta-feira). Desde 2013, não havia período com tantos assassinatos na Capital.
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A cada final de semana são, em média, 10 execuções no Estado, com características semelhantes. Sejam em becos e vielas das periferias ou nas ruas movimentadas e também em regiões nobres, onde homens armados surgem em carros e motocicletas abrindo fogo diante de dezenas de pessoas, sem piedade.
São rajadas de 50 tiros, como em 11 de janeiro em uma lancheria a menos de cem metros do Quartel General da Brigada Militar, na Capital, resultando em dois mortos, e até uma centena de disparos, em dois confrontos ocorridos na noite de sábado passado, na Vila Cruzeiro do Sul e no bairro Bom Jesus, na Capital, também com dois mortos.
Na madrugada de sexta-feira, mais de 30 tiros atingiram a frente de uma casa noturna da Cidade Baixa, bairro boêmio em área central da Capital, e deixaram sete pessoas feridas. Criminosos em dois carros miravam acabar com a vida de um desafeto, mas além de acertar o rapaz, atingiram mais seis pessoas.
Estimativas apontam que oito em cada 10 homicídios em Porto Alegre são motivados pelo tráfico de drogas. Mas essa guerra não faz distinção entre facções. Cerca de 40% dos mortos neste ano na Capital nada tinham a ver com a criminalidade. São inocentes como Lucas Longo Motta, 12 anos, vítima de bala perdida no bairro Rubem Berta, em janeiro, e o comerciante Carlos Jesus Ávila, 69 anos, na Bom Jesus.
Além dos homicídios, os assaltos estão em curva ascendente - 28,3% a mais em 2015 do que no ano anterior. São arrastões em restaurantes, em ônibus e em lotações, e comboios de gangues em carros roubados para roubar mais carros. No centro da Capital, sobem os assaltos com violência a pedestres - um caso a cada 47 minutos, sobretudo para levar celular - enquanto diminuem os furtos, leia-se os batedores de carteira.
O mais grave na escalada dos assaltos são os latrocínios (roubo com morte). Os casos quase dobraram (86,6%) em cinco anos. Em 23 de janeiro, o sargento da Brigada Arilson Silveira dos Santos, 42 anos, foi morto por ladrões que invadiram um bar e roubaram um carro em Dois Irmãos, no Vale do Sinos. Em 14 de fevereiro, o físico Alexandre Bueno, 51 anos, perdeu a vida ao ter a casa de veraneio invadida por ladrões em Tramandaí, no Litoral Norte.
O clima de insegurança no Estado se traduz em pesquisa do Instituto Index realizada no começo do mês com 2 mil gaúchos em 30 cidades. Sete em cada 10 entrevistados afirmaram já terem sido vítima de ladrões.
O recrudescimento da criminalidade tem razão. A segurança virou artigo de segunda linha por conta da crise financeira do RS. Com cada vez menos policiais, menos vagas nas cadeias e menos condenados atrás das grades - 5 mil apenados estão em casa - o resultado é mais violência.
- Enfrentamos uma guerra como se fosse contra o Estado Islâmico, mas sem recursos - lamenta um experiente policial.
- A polícia gaúcha já foi a melhor aparelhada no Brasil. Mas foi abandonada pelos governos e pelos tempos. Não temos mais vigilância noturna. E tem juízes que se negam a colocar na cadeia pessoas com 18, 19 anos por falta de vagas e porque sabem que elas sairão de lá formados no crime, e não na boa conduta - analisa o advogado Décio Antônio Erpen, desembargador aposentado.
O governo reconhece falhas na segurança, mas segue sem alternativas para contratar mais policiais e construir presídios.
A Secretaria da Segurança Pública aposta em uma estratégia:combater o comércio clandestinos de autopeças para tentar frear o roubo de carros recorde histórico em 2015 e e crimes conexos (latrocínios, tráfico).
Há duas semanas, a SSP deu início à ofensiva, fechando dois desmanches na zona norte da Capital, mas se viu diante de um constrangedor detalhe: dois ferros-velhos irregulares funcionavam em terrenos alugados pela prefeitura de Capital, a mesma que clama por ajuda da Força Nacional de Segurança para conter a criminalidade na cidade.
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