Se você acha que a situação das estradas no Rio Grande do Sul vem piorando, sua impressão é confirmada por números: os investimentos caíram 49,1% nos últimos cinco anos. Em 2015, foi gasto apenas metade do que havia sido desembolsado em 2011 em obras, manutenção e reparação. Os valores correspondem ao montante aplicado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) e pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) nas rodovias federais e estaduais (não estão contabilizados gastos nos trechos pedagiados).
Corrigida pela inflação, a quantia aplicada em 2011 em serviços executados pelos dois órgãos foi de R$ 986,5 milhões. O valor é praticamente o dobro do investido ao longo de 2015, R$ 503,1 milhões. Um recuo que não acompanhou o avanço da frota em circulação no Estado no período, que cresceu 23,5%. Esse descompasso se traduz na sensação de precariedade vivida por motoristas e constatada em pesquisas, como a realizada anualmente pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Os cortes são justificados pela crise financeira, que se espalha nos âmbitos federal e estadual e que se agravou no último ano. Com as contas no vermelho, União e Estado não têm recursos para investir em rodovia. Para pagar a folha salarial do funcionalismo de dezembro, por exemplo, o Piratini tomou emprestados R$ 200 milhões do caixa único (sistema que centraliza contas bancárias de órgãos e Poderes). Parte do valor tem origem em empréstimo concedido pelo Banco Mundial para a recuperação de estradas, entre outras obras.
- O ano passado foi especialmente difícil porque a crise afetou a todos. Tem de se considerar, também, a questão do tempo. Foi muito difícil trabalhar no segundo semestre, ainda mais quando se trata da construção de rodovia, por conta do longo período de chuva. Em outubro, por exemplo, foram apenas oito dias de trabalho - justifica o diretor-geral do Daer, Ricardo Nuñes.
Previsão de verbas para este ano é insuficiente
Sancionado pelo governador José Ivo Sartori, o orçamento do Daer para investimentos em estradas estaduais neste ano ultrapassa R$ 380 milhões. Com o valor, seria possível construir 380 quilômetros de malha viária ou recuperar 760 quilômetros de estradas bastante deterioradas. Mas, mesmo se fosse aplicado na totalidade, não seria suficiente: o departamento é responsável por cerca de 6,6 mil quilômetros no Estado.
O Daer garante que tem dado sequência a programas iniciados no governo passado com recursos provenientes de financiamentos, entre os quais, a pavimentação de 34 acessos municipais, a recuperação de quatro rodovias na Serra, mediante contrato pelo qual as empresas ficam responsáveis pelo trecho por cinco anos, e um programa de restauração de trechos. Ainda projeta, até 2018, duplicar a ERS-118 - promessa que se arrasta há 20 anos.
Concessão de rodovias é prioridade de Sartori
Já as estradas federais não têm previsão de investimento definido para este ano. O projeto orçamentário de 2016 indica a destinação de R$ 595 milhões para manutenção e obras, mas ainda precisa ser aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff. O Dnit preferiu não se manifestar antes da definição dos valores.
Perspectivas pouco animadoras
Não há perspectivas animadoras para o futuro esburacado que se desenha na malha viária gaúcha. A avaliação é do coordenador do Fórum Temático de Infraestrutura da Agenda 2020, Paulo Menzel, que vê dificuldades nas três hipóteses existentes para melhorias em estradas: investimento com dinheiro público, Parcerias Público-Privadas (PPPs) e concessões.
Remotas são as chances de que se despeje dinheiro público em rodovias em um contexto permeado pela crise (o Rio Grande do Sul deve fechar 2016 com déficit de R$ 4,6 bilhões, e a União terá dificuldades para fechar o orçamento). Menzel também não aposta em PPPs por considerar que o Estado não tem condições de aportar um fundo garantidor exigido por lei. Por último, vê instabilidade na regulação de concessões.
- O Rio Grande do Sul não tem uma lei de concessões que seja efetivamente cumprida e que dê segurança ao investidor, que quer saber se o que foi combinado no contrato será cumprido e não rompido no próximo governo - avalia Menzel. - Mas, no meu entendimento, dado o quadro atual, brasileiro e gaúcho, a concessão pura é a única forma de começar a se fazer o que tem de ser feito.
Programa de concessão de rodovias do RS tem diversas empresas interessadas
Buscando atrair investimentos para o Estado, o Piratini encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que facilita a concessão de rodovias. Porém, o governo não teve força para aprovar a proposta na sessão extraordinária marcada às vésperas do Ano-Novo, e a apreciação acabou adiada para a volta do recesso parlamentar.
- A atual lei obriga que cada trecho a ser concedido passe pela aprovação da Assembleia. É uma burocracia imensa. Se aprovada (a proposta), o Executivo fica habilitado para encaminhar projetos - diz o secretário dos Transportes do Estado, Pedro Westphalen.
ENTREVISTA
"O RS foi o destaque negativo", diz diretor-executivo da CNT
Pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em novembro indicou que a situação das rodovias estaduais e federais gaúchas piorou em 2015. O levantamento indicou que um em cada quatro quilômetros de estradas no Rio Grande do Sul é ruim ou péssimo. A queda nos investimentos expõe uma das razões para a deterioração, avalia o diretor-executivo da CNT, Bruno Batista.
Foram reduzidos os investimentos em rodovias no Rio Grande do Sul nos últimos anos, o que ajuda a explicar o resultado da pesquisa feita pela CNT. Qual o efeito dessa precarização das estradas ao usuário?
O processo de redução de investimentos vem acontecendo no país, de uma forma geral. O governo tem dificuldade de efetivamente pagar os recursos disponíveis no orçamento. No caso da pesquisa, o Rio Grande do Sul foi o grande destaque negativo no ano passado. Enquanto a média geral brasileira melhorou, o Rio Grande do Sul teve piora. Na avaliação do estado geral das rodovias, houve queda nos percentuais gaúchos de 6%, com destaque para estradas ruins (alta de 12,3% em 2014 para 18,3% em 2015) e péssimas (saltou de 3,2% em 2014 para 6,1% em 2015). A partir do resultado das rodovias gaúchas, houve aumento de 33,6% no custo operacional do transporte. Esse é o adicional desnecessário agregado ao custo da movimentação por conta de rodovias ruins, o que é péssimo para o setor produtivo e para o usuário, que tem um acréscimo desnecessário de custos. A lógica é muito simples: quando não se faz investimentos em infraestrutura, alguém paga essa conta. Existe uma transferência ao usuário, que acaba pagando a mais pelo fato de o investimento não ter sido feito. Outro ponto é a redução dos níveis de segurança e o aumento do custo de manutenção, principalmente por conta da elevação do consumo de combustível e danos nos veículos.
Qual seria a solução para resolver a situação precária?
Com os governos, tanto federal quanto estaduais, enfrentando problemas de caixa, há dois caminhos. Primeiro, deve se facilitar a participação da iniciativa privada. Se perdurar esse ciclo de baixos investimentos públicos, o que irá ocorrer é uma rápida deterioração das condições da infraestrutura. Dois anos sem investimentos já provocam queda acentuada na qualidade. Segundo, o governo precisa melhorar seus aspectos gerenciais. Os órgãos de transporte são lentos e não cumprem de forma adequada suas atribuições, então o custo de manutenção sobe. Os problemas não surgem do dia para a noite, são evolutivos.
No que diz respeito às concessões, há resistência do usuário, especialmente pelo histórico gaúcho, a pagar pedágios.
O governo deveria disponibilizar recursos e ter mecanismos para garantir rodovias públicas em tão boas condições como as concedidas. No Rio Grande do Sul, houve um problema com os pedágios, que ficaram com valores muito altos, e as obras de melhorias não avançaram em um período razoável. O usuário estava pagando uma conta adicional sem receber benefícios. Em outros Estados, como no Sudeste e no Centro-Oeste, isso não ocorreu, a partir de outro modelo, com pedágios mais módicos e uma definição de calendário de investimentos. Hoje, pelo fato da piora das rodovias mantidas pelo governo, talvez o usuário possa perceber que o pedágio acaba saindo mais barato do que pagar o custo de manutenção. No Brasil, isso tem se mostrado um histórico insolúvel. O governo não apresenta capacidade gerencial, nem agilidade, para prover boas rodovias. A concessão acaba sendo um mal necessário, mas existem mecanismos de controle e regulação para que os pedágios fiquem adequados em termos tarifários e apresentem respostas mais rápidas.