A noite de terça-feira está longe de acabar na Capital. Aqueles incêndios - cinco ônibus e um lotação - deixaram, além das cinzas, um transporte com incertezas. Já são 12 coletivos destruídos em 2015, e ninguém arrisca dizer que acabou.
Por isso, empresas de ônibus já imaginam um impacto na passagem. A EPTC nega essa possibilidade. Mas, somente na terça, o Consórcio STS teve prejuízo de R$ 2 milhões.
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Por enquanto, se estuda deixar os ônibus estacionados em pontos seguros e só levá-los ao fim da linha na hora da partida. A segurança reforçada na região volta ao normal nos próximos dias.
- Fizeram uma sacanagem "com nós", vocês vão pagar o pato.
Com essa frase, às 22h24min da terça-feira passada, três homens, dois deles armados, invadiram a sala usada por cobradores e motoristas no fim da Linha 262 - Jardim Vila Nova, na Rua Ventos do Sul, Bairro Vila Nova. Estava terminando ali uma noite em que cinco ônibus e um lotação foram incendiados na Zona Sul de Porto Alegre.
Dois veículos da linha foram completamente destruídos pelas chamas. Respirando aliviados, os seis funcionários do Consórcio STS viram o grupo ir embora em um veículo preto.
Um por mês
Depois daquele ataque, a Capital passou a contar dez ônibus e dois lotações queimados em 2015, média de um coletivo destruído por mês. O ano se encaminha para o fim sendo aquele em que os rodoviários mais pagaram o pato pelas disputas entre facções criminosas.
- O que estão fazendo? Vão esperar um de nós morrer queimado dentro de um ônibus ou levar um tiro para fazer alguma coisa? - desabafa um dos funcionários da Linha 262, que teve arma apontada contra o rosto.
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Não era exagero o medo de morrer queimado. Um dos colegas, na hora que tem direito a descanso, costuma cochilar dentro do ônibus estacionado na Rua Ventos do Sul. Enquanto as labaredas consumiam os veículos, o grupo dava graças a Deus por não ser a noite de trabalho desse rodoviário.
O presidente do Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre, Adair da Silva, em 23 anos de profissão, não tinha visto nada parecido em matéria de medo de trabalhar. Para ele, o que ainda impede muitos de largarem a profissão é a crise econômica.
- Tem uma crise econômica séria no país, todo mundo tem receio de perder o emprego. Isso faz muitos se sujeitarem a trabalhar de noite em áreas perigosas. Mas o medo não passa. Os assaltos continuam, e agora tem essa dos incêndios - afirma o presidente.
A realidade tem feito motoristas adotarem uma forma própria de prevenir ataques, de ladrões ou de incendiários.
Paradas
Adair não revela em quais linhas, mas confirma que em horários da noite os motoristas escolhem onde pegar ou não passageiros. Aqueles parados em pontos considerados menos seguros observam os ônibus passarem reto.
- Dependendo do ponto e da hora, não param. Os passageiros não querem ser deixados nessas paradas. Muitos dizem "me deixa antes que ali é perigoso" - diz Adair.
Um consórcio no meio da disputa entre facções
Oito dos dez ônibus queimados em 2015 na Capital pertenciam ao STS. Isso colocou o consórcio no olho do furacão que tomou conta do transporte coletivo na Zona Sul. Além de uma legião de funcionários amedrontados, os ataques dos criminosos desfalcam o patrimônio.
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Um dos ônibus que foram destruídos na terça-feira é um dos modelos mais caros por ser articulado, sendo avaliado em R$ 800 mil. Somando os oito veículos, o prejuízo supera os R$ 3 milhões neste ano. Eles não tinham seguro.
- Não se faz seguro de ônibus porque o grau de acidentalidade sempre foi mínimo em transporte urbano. E eventuais danos provocados por pequenas colisões são resolvidos pelo setor de manutenção da própria empresa. Mas, agora, o momento é complicado - reconhece o gerente executivo do consórcio, engenheiro Antônio Augusto Dornelles Lovatto.
Escondidos
Segundo ele, a operação terá de ser adaptada para diminuir o risco de novos ataques. A saída seria deixar os ônibus menos vulneráveis nos pontos finais das linhas. O que está em estudo é esconder os veículos, os estacionando em pontos mais seguros, em outras garagens ou perto de locais policiados, e somente levá-los ao fim da linha no momento do começo daquela viagem.
- Não tem como evitar isso 100%, mas será uma tentativa de resguardar mais a frota depois das 20h. Claro, estamos discutindo isso com a EPTC. Serão mecanismos para preservação dos ônibus - diz Antônio Augusto.
Por que os ônibus se tornaram alvo
Os incêndios de ônibus em Porto Alegre escancaram uma guerra de facções criminosas alimentada pela busca de novos pontos de droga. E, nessa disputa, a demonstração de poder e a demarcação de território são armas poderosas. É aí que entram os ônibus, segundo o coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Puc-RS, Rodrigo de Azevedo.
- A queima de coletivos é simbólica no sentido de mostrar que há grupos que dominam certas áreas da cidade. É uma marcação de território nessa disputa entre facções criminosas - afirma o professor, também integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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As chamas no transporte coletivo também criariam um outro tipo de cortina de fumaça. Atrairiam mais a atenção das autoridades e da sociedade, tirando o foco do crime. Enquanto os ônibus queimam, traficantes acertam contas com os rivais.
Medo
Sobre o impacto na comunidade, sem conseguir chegar ao trabalho, ou mesmo voltar para casa, nenhum remorso.
- As novas lideranças dessas facções são violentas. A relação com as comunidades se dá por meio do medo. Não pensam em estabelecer uma relação. Por isso, não se importam com as consequências - diz.
Quem paga a conta
Os incêndios levantam a pergunta que, para usuários, pode ter resposta amarga: quem vai pagar essa conta? A Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) coloca no futuro a discussão do assunto.
- Se esses ataques começarem a virar rotina, será preciso conversar sobre o impacto na tarifa. Mas esperamos que tenha sido o ápice - diz o gerente técnico da ATP, Gustavo Simionovschi.
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O gerente executivo do Consórcio STS, Antônio Augusto Dornelles Lovatto, entende que o tema vai merecer muita atenção das empresas e da prefeitura, e logo.
- O edital da nova licitação, que ganhamos, prevê o restabelecimento do equilíbrio econômico em situações como essa. A tarifa é consequência do que ocorre na operação - diz Antônio Augusto.
Sem repasse
Para a EPTC, falar em aumento da passagem é proibido.
- Isso não vai ser colocado na tarifa. O usuário não tem culpa, não pode pagar por isso. O modelo da tarifa está claro no contrato. O que ocorreu foi um crime, um evento que não se encaixa nos itens para se definir a tarifa - garante o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari.
Uma linha em que se quer trabalhar
Até o fim da linha 262 - Jardim Vila Nova ser atacado na terça, motoristas e cobradores tinham pouco do que reclamar. Tirando eventuais assaltos, que ocorrem em toda Porto Alegre, o ônibus 262 só merecia elogios. As chamadas "incomodações" eram raríssimas. Situações como a de passageiros insistindo em andar de graça, ou mesmo perturbando outros usuários são raras.
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- Uma das melhores linhas pra se trabalhar. Os passageiros são ótimos, gente muito boa, educada. Quando entram, dão bom dia para o motorista, para o cobrador. Em outras linhas, até parece que não existimos - comenta outro funcionário.
Tensão
Mas, depois da noite de terça-feira, o clima é de tensão. A sala em que os trabalhadores foram abordados pela quadrilha sempre foi lugar de confraternização. Com frequência, havia galeto assado no local. O espaço, agora, é visto com reserva.
- Acho que não caiu a ficha direito do que aconteceu. Estamos pensando até em não ficar mais tanto na salinha - avalia o funcionário.
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