Depois de começar o dia com a Polícia Federal batendo à porta da residência oficial do presidente da Câmara, em Brasília, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) viu ser completada a sua terça-feira negra, com a aceitação de processo por quebra de decoro parlamentar contra ele no Conselho de Ética. Na oitava tentativa, o colegiado acatou, por 11 votos a nove, o parecer que pedia a admissibilidade da ação contra o peemedebista.
Aliados de Cunha já recorreram para anular a sessão do colegiado com o argumento de que um pedido de vista foi ilegalmente rejeitado. Devido aos prazos, a tramitação do mérito do processo - quando se decide o tipo de punição - só deve ser retomada após o término do recesso do Congresso, previsto para fevereiro.
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) apresentou representação solicitando a invalidação da sessão desta terça. O requerimento deverá seguir para análise e decisão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde Cunha conta com aliados. Se for entendido que o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), errou ao não atender pedido de vista, poderão ser anuladas as deliberações.
- Ele (Araújo) insiste em tomar decisões erradas. Vou recorrer porque não podemos abrir mão do pedido de vista - disse Marun, que chegou a apresentar requerimento para adiar a sessão, retirado à última hora.
O entendimento é de que o relator Marcos Rogério (PDT-RO) apresentou um novo parecer, em substituição ao de Fausto Pinato (PRB-SP), afastado da função na semana passada. Por isso, caberia a vista.
- Todo mundo que tem o mínimo de conhecimento do regimento desta Casa sabe que fizeram jogo para a plateia, que é nulo o que está feito hoje (terça-feira) - reagiu Cunha, em entrevista coletiva, quando também atacou Araújo, insinuando que ele está a serviço do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner (PT-BA).
Um acordo para votar o parecer na quinta-feira chegou a ser costurado para evitar a discussão das nulidades, mas não houve avanço. Entre opositores ao presidente da Câmara, a vista era classificada como mais uma manobra protelatória para ganhar tempo. Zé Geraldo (PT-PA) e Chico Alencar (PSOL-RJ) entenderam como "arriscado" e "estranho" o acordo para votar o parecer de admissibilidade na quinta. Para eles, seria espaço de manobra para que aliados de Cunha, na hora da votação, apresentassem novas questões para atrasar o trâmite reiteradamente e empurrar as decisões para 2016.
O relator sustentou ter apresentado apenas um "complemento" ao voto de Pinato, sem novidades, o que não implicaria na obrigatoriedade de conceder a vista. Araújo ouviu as argumentações e colocou em votação a aceitação da ação contra Cunha. Agora, com processo aberto, o relator disse que, depois de ser notificado, o peemedebista terá prazo de 10 dias úteis para apresentar defesa por escrito e arrolar testemunhas, o que deverá acontecer somente em 2016.
CASSAÇÃO EM JOGO
A ação no Conselho de Ética poderá culminar com a cassação do mandato de Eduardo Cunha, mas o relator Marcos Rogério não indicou qual será a punição pedida por ele:
- Hoje (terça-feira) avançamos para a etapa de análise de mérito. Se vai ser confirmada ou não a quebra do decoro, isso será objeto da boa investigação.
O relator explicou que solicitará colaboração de outros órgãos na fase probatória, quando buscará elementos para pedir a condenação ou a absolvição.
- A PGR (Procuradoria-Geral da República) certamente não só tem informações relativas a isso (eventuais crime de Cunha) como ela pode ter elementos novos, provas novas. Essas provas que estão com a PGR, na condição de relator, vou solicitar - antecipou Marcos Rogério, em referência aos documentos sob posse do Ministério Público e que indicam a existência de contas na Suíça em nome de Cunha.
O relator também informou que irá requisitar depoimentos de pessoas da Receita Federal e do Banco Central para "esclarecer" dúvidas. Na sustentação oral no Conselho de Ética, nesta terça-feira, o advogado Marcelo Nobre, defensor de Cunha, disse que não há lei no Brasil que obrigue um indivíduo a declarar no Imposto de Renda investimentos em trust (segundo a defesa, Cunha investiu em um trust, estrutura organizada para administrar bens, dinheiro e ações no Exterior, gerido por um terceiro).
Por isso, o seu cliente não teria cometido crime com os fundos na Suíça nem prestado falso testemunho ao negar a existência deles em depoimento na CPI da Petrobras.
Os petistas do Conselho de Ética avaliam que a situação de Cunha na presidência da Câmara é insustentável.
- A conjuntura não ajuda Eduardo Cunha. No dia em que a Polícia Federal entra na sua casa e no seu escritório, penso que o único caminho é a renúncia - afirmou Zé Geraldo, refutando qualquer hipótese de anulação da sessão desta terça.
- Não tem argumento. Quem perde sempre tem de espernear - completou o petista.
O QUE ACONTECE AGORA
- Processo de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética, somados todos os seus atos, deverá ter duração máxima de 90 dias úteis.
- Ao final desse prazo, o parecer final, pedindo punição ou absolvição, tem de estar no plenário da Câmara para votação dos 513 deputados.
- Na fase preliminar, encerrada nesta terça, quando se discute a aceitação ou não da abertura de processo, já foram consumidos 30 dias úteis. Restam 60 dias úteis para a continuidade dos trabalhos.
- Agora, o Conselho de Ética precisa notificar Eduardo Cunha sobre a abertura de ação por quebra de decoro. Até que ele seja localizado, o prazo segue correndo. Depois de notificado, terá 10 dias úteis para apresentar a defesa por escrito e arrolar até oito testemunhas. Isso deverá acontecer somente em 2016, após o recesso, que começa a partir de 23 de dezembro e interrompe a contagem do prazo.
- Depois de finalizado o prazo de defesa de Cunha, o relator Marcos Rogério terá 40 dias úteis para a fase de instrução probatória. Nesse período, buscará documentos, informações e depoimentos, de acusação e defesa, que possam ajudar na formação do seu juízo.
- Por fim, depois da instrução, o relator terá 10 dias úteis para escrever o parecer final. Neste documento, indicará qual a punição entende ser a mais correta para o caso.
- O parecer final vai para análise do plenário do Conselho de Ética, mas a opinião dos seus membros não é terminativa. É apenas uma recomendação. A palavra final é dos 513 deputados, no plenário da Câmara, independente de a recomendação do Conselho de Ética ser pela cassação ou absolvição.
- Depois de votado no Conselho de Ética, o relatório final ainda poderá ser alvo de recurso na Comissão de Constituição e Justiça.
- Se o prazo de 90 dias úteis for extrapolado, o processo passa a obstruir a pauta do colegiado em que estiver. Isso significa que, enquanto não for votado, nada mais poderá ser objeto de análise, seja no Conselho de Ética, na CCJ ou no plenário.
* Zero Hora