Localizada em um dos bairros mais conhecidos pelos turistas que vêm à França, o Quartier Latin, a Grande Mesquita de Paris é o maior símbolo islâmico da capital francesa. Entretanto, o cenário de vazio na Rue Georges Desplas contrasta com o de outros pontos da cidade nesses dias - não há carros de imprensa nem o burburinho dos jornalistas em busca de alguma testemunha do horror da última sexta-feira.
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Nas duas horas em que ZH permaneceu na mesquita e nos arredores na tarde desta segunda-feira, não encontrou nenhum repórter da imprensa francesa ou internacional. E é justamente essa ausência que incomoda féis e líderes religiosos muçulmanos, que acreditam que a "mídia ocidental" não está mostrando toda a verdade.
- Ninguém veio aqui nos perguntar o que pensamos - criticou um muçulmano, na entrada do templo.
Para intimidar possíveis ataques revanchistas - que poderiam vir de grupos de extrema-direita franceses -, um policial com um fuzil guarda a entrada. Volta e meia, um carro da polícia passa por ali. São os únicos sinais de anormalidade. Qualquer estranhamento que um ocidental, cristão como eu, pudesse ter ao entrar em uma mesquita se desfaz nos primeiros passos.
Há silêncio, como em todo templo - seja ele católico, hindu, espírita ou muçulmano. Lá dentro, é possível circular por corredores, jardins e até sentar-se na sala de oração, onde, em grupos ou de forma individual, fiéis faziam, na tarde desta segunda-feira, uma das cinco orações diárias exigidas pela fé muçulmana, quando o fiel se conecta diretamente a Alá.
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Uma imagem destoa: sentado no carpete de orações, recostado em uma das paredes, um homem utiliza um computador MacBook Air, da Apple, em pleno ambiente de orações. Imagens como essa derrubam qualquer estereótipo de quem poderia imaginar o islamismo reduzido às barbáries de fanáticos do Estado Islâmico.
Como em uma igreja católica, só que sem bancos ou sacrário, na Grande Mesquita de Paris é possível entrar tranquilamente na sala de orações, sem ser importunado. Só é necessário retirar os sapatos.
Ahmad diz que terroristas não representam muçulmanos Foto: Rodrigo Lopes
Ahmad, jovem de 24 anos estudante de genética da Universidade Paris 7, é um dos fiéis que rezam em direção a Meca. Em duas estantes de livros posicionadas na parte frontal da mesquita, pode-se ver exemplares antigos do Alcorão. Ao concluir sua oração, Ahmed conversa com ZH.
De forma veemente, afirma que os terroristas que praticaram a série de atentados de sexta-feira - aos gritos de Allahu Akbar (Deus é grande), como os que foram ouvidos na casa de shows Bataclan e em outros locais da carnificina - não o representam. Sua indignação com os extremistas, quase aos gritos, chama a atenção de quem passa.
- Anote aí. Eles são "dogs of the hell" - diz, em inglês.
Filho de pais que emigraram da Tunísia, Ahmad, nascido na França, insiste para ver se anotei a expressão. Dogs of hell significa "cães do inferno". É um dos piores xingamentos que um muçulmano pode pronunciar. Sua fala é mais de revolta do que de quem estaria preocupado em mostrar o Islã como uma religião de paz. E é esse o sentimento: de raiva, indignação, nojo em relação aos homens que usaram Islã e Maomé para justificar o terror. Ahmed repete o lamento que ouvi lá na entrada:
- Ninguém da mídia ocidental veio aqui nos ouvir.
Na pequena sala de serviços religiosos, que poderia ser comparada à sacristia de uma igreja católica, no lado oposto ao salão de orações, um homem, que prefere não se identificar, afirma, de forma tranquila, quase alheio ao cenário desses dias em Paris:
- Muçulmanos de verdade não são feitos para matar pessoas. Esses (que fizeram os ataques) são apenas criminosos.
Sua fala calma denota a figura de um líder religioso, um imã para os muçulmanos, mas ele fez questão de não se pronunciar em nome do Islã. Disse que era apenas sua opinião particular. Os terroristas da sexta-feira não respeitaram sua religião, mancharam o nome de Maomé e provocaram a ira da população muçulmana francesa, agora no alvo de suspeitas por todo o lado.
Mohammed vende produtos islâmicos Foto: Rodrigo Lopes
Do outro lado da rua, em frente à mesquita, fica uma loja, misto de livraria e espaço para outros produtos islâmicos, a Al-Bustame. Quase escondido entre edições de todos os tipos do Alcorão, que vão de 40 até 300 euros, Mohammed, camaronês de nascimento, afirma:
- Estamos com nojo.
De longe, observa-se que o policial em frente à mesquita revista um turista marroquino, Wahid Barek, que tentava entrar no templo transportando o monopé de uma câmera. O policial pede desculpas, mas exige o passaporte. O homem é autorizado a entrar, mas sem o equipamento. A mulher fica do lado de fora, com o monopé. Wahid entra sozinho no templo.
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- Entendemos. É vergonhoso o que estão fazendo à imagem do Islã. O islamismo é o contrário disso tudo - diz a mulher, que pede para não ser identificada e só aceita ser fotografada de costas.
No domingo, o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, anunciou que o país começará a "dissolver mesquitas onde o ódio é pregado", em referência à radicalização de jovens por imãs e outros líderes religiosos. O ex-presidente Nicolas Sarkozy propôs que indivíduos fichados por radicalismo religioso sejam obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas e permaneçam em prisão domiciliar vigiada. Nesta segunda-feira, no discurso a deputados e senadores, o presidente François Hollande reforçou:
- Estrangeiros que representem ameaça serão expulsos.
Confira o mapa dos ataques:
*Zero Hora