Dinheiro não é problema para o Estado Islâmico. Com múltiplas fontes de receita, o grupo terrorista se tornou autossuficiente, mas, ainda assim, conta com contribuições externas.
A robustez financeira acaba garantindo condições para a organização de ações de largo porte, como os seis ataques simultâneos perpetrados em Paris, que deixaram 130 mortos e assombraram o Ocidente.
Em vídeo, veja como o Estado Islâmico se financia:
A independência financeira do EI é calcada no contrabando de petróleo. Estima-se que os jihadistas detenham o controle de 12 campos de exploração e refinarias no Iraque e na Síria.
- O EI tem uma movimentação de venda de petróleo que gira em torno de US$ 1 milhão por dia, com possibilidade de alcançar US$ 3 milhões - explica Bruno Rocha Lima, professor de Relações Internacionais da Unisinos e ESPM-Sul.
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As operações são sigilosas, existem dúvidas sobre como os negócios são concretizados, mas o certo é que muitos países estão comprando do EI, financiando indiretamente o terrorismo.
Em um complexo jogo de xadrez, são comuns os jogos duplos: o ditador sírio Bashar al-Assad, que luta contra os jihadistas, seria um dos clientes das refinarias do terrorismo, que oferecem preços abaixo dos praticados no mercado regular. Sem isso, Damasco, capital síria, poderia ficar sem combustível.
- Apesar de os Estados Unidos e a Europa responsabilizarem o regime de Assad pela compra, fica difícil entender por que uma boa parte da produção do ISIS é exportada via Turquia. Em 2014, a embaixadora da União Europeia no Iraque, Jana Hybaskova, acusou alguns países europeus de comprarem petróleo do Estado Islâmico - analisa Fabiano Mielniczuk, diretor da Audiplo Educação e Relações Internacionais.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou a dizer que países do G20 negociam o produto junto aos terroristas.
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Mas não só dos campos e refinarias dependem os jihadistas. Como tomaram largas faixas de território no Iraque e na Síria, instituíram moeda própria, cobram impostos dos moradores, exigem pagamentos para libertar pessoas sequestradas. Também venderiam mulheres em mercados específicos. Comércio de obras de arte, antiguidades e todo o tipo de saque compõem o portfólio.
- Eles tomaram bancos em Mossul com US$ 425 milhões - acrescenta Andrew Traumann, doutor em História e professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.
As receitas vão além. Arábia Saudita, Catar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos chegaram a financiar o grupo terrorista. São países ideologicamente simpáticos ao radicalismo sunita, conhecido como wahabismo. Mas eles também fizeram isso por interesse. Todos, principalmente a Arábia Saudita, mantêm o desejo de derrubar o ditador Bashar al-Assad, presidente da Síria. Seria uma forma de isolar e enfraquecer o governo xiita do Irã, que tem como únicos aliados na região al-Assad e o Hezbollah. É uma guerra travada paralelamente entre os sauditas, que também são aliados dos Estados Unidos, e iranianos.
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- Apesar de a Arábia Saudita e o Catar não estarem mais oficialmente fazendo doações, existem sérios indícios de que pessoas físicas desses países estariam contribuindo. São ricaços que se alinham ideologicamente com a visão do EI - explica Traumann.
O poderio financeiro do ISIS é tamanho que especialistas afirmam que ele somente será derrotado a partir de uma estratégia que incluir o estrangulamento de receitas entre as prioridades. A maioria entende, porém, ser improvável raspar por completo o cofre do terrorismo.
- O EI é o grupo terrorista de maior poder econômico, com financiamentos múltiplos. Secar as fontes deles é impossível. O que pode ser feito é reduzir consideravelmente a arrecadação, com reflexo na capacidade operacional. Com menos dinheiro, não terão condições de executar ações tão amplas como a de Paris - avalia o analista de assuntos estratégicos André Luís Woloszyn.
Parte da solução passa por identificar e sancionar as nações que estão comprando o petróleo contrabandeado do EI. A mesma receita valeria para os países que contribuem de alguma forma com o grupo terrorista, incluindo a Turquia, acusada de fazer vista grossa para o ingresso de combatentes jihadistas na Síria e o tráfego de comboios de transporte de petróleo.
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Os turcos agem com benevolência ante o ISIS porque também nutrem interesses particulares: acreditam que os terroristas poderão enfraquecer, em combates, os curdos, etnia de antigos desafetos da Turquia.
- É preciso bombardear incessantemente as refinarias controladas por eles, assim como os comboios que levam óleo cru pela fronteira. A Turquia tem uma força terrestre impressionante e pouco ou nada fez contra o ISIS nesta zona - destaca o professor Bruno Lima Rocha, projetando um golpe nas finanças terroristas.
Ele define como "fundamental" conquistar áreas no meio do território controlado pelo EI, o que poderá acontecer no norte da Síria. Caso isso ocorra, será viável fechar uma das mais importantes fronteiras para o ISIS, dificultando o transporte do petróleo, a chegada de combatentes voluntários vindos da Europa e a troca de informações com a inteligência turca.
Mesmo com todos esses esforços, acredita-se que a guerra é inevitável.
- Não é fácil secar o financiamento, eles dominam um território muito grande e não são frágeis. Contam com militares veteranos dos tempo do Sadam (Hussein, ex-ditador do Iraque) e do Afeganistão, além de chechenos. É gente bem treinada. Também há muitos hackers dentro do EI, eles podem até fazer desvios de dinheiro. Eu acredito numa solução combinada. Tem de ter a ação econômica, sim, mas a militar também é necessária - diz Traumann.