Terminou na tarde deste sábado o velório de 16 dias do Rio Doce. Os 880 km de extensão, da nascente, na Serra da Mantiqueira, em Ressaquinhas (MG), até a foz, em Regência (ES), estão com a mesma coloração. Cor de barro, lama. A cor de um dos maiores desastres ambientais do país. Por volta das 16h, a água doce, suja com rejeitos de minério, encontrou o Oceano Atlântico. Por onde passou, a lama avassaladora acabou com a fauna nativa. Agora, o mesmo desfecho pode acontecer no mar, na água salgada.
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O "camarote" para assistir a lama chegar, no portinho de Regência, ficou lotado de moradores. Pelo menos 100 pessoas se debruçaram sobre a proteção de madeira. Em silêncio, velavam a água do rio, que ainda parecia limpa. Alguns chegaram a tomar aquele que seria o último banho. À tarde, o semblante começou a mudar. A polícia chegou. E os protestos começaram. Revoltados, muitos moradores incriminaram a mineradora Samarco pela morte do Rio Doce.
- Morte. A empresa de vocês representa a morte. Conseguiram matar o rio. Não tem nada de bom essa empresa de vocês. Eu sei que vocês não são os responsáveis, estão aqui como bucha de canhão dos que estão lá em cima. Mas levem para eles: a empresa de vocês representa a morte. Acabaram com o rio. Acabaram com Regência. Acabaram com a nossa natureza - disse Murilo Urbano, um dos moradores mais revoltados, de sangue quente, em protesto direcionado aos funcionários da empresa no local.
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Um barco com três pessoas apareceu em frente ao portinho de Regência. Duas delas vestiam figurinos da morte. A foice tinha o nome da Samarco. Eles foram aplaudidos por toda comunidade. Foram e voltaram, na frente dos funcionários da empresa e dos moradores, pelo menos umas dez vezes. Mais tarde, todos os moradores se reorganizaram e fizeram um novo protesto utilizando cartazes que questionavam quanto Vale o Rio Doce, em alusão à mineradora Vale, acionista da Samarco.
- Vocês acharam que iam encontrar um monte de pessoas burras, desinformadas em Regência, mas o buraco é mais embaixo. O pessoal está mais bem informado do que vocês imaginam - acrescentou Murilo.
- A gente está num velório aqui. Estão querendo nos enganar, falando que tem um monte de medidas para recuperar, mas é mentira. O rio está morto - completou.
Em silêncio, os funcionários da Samarco nada tinham a dizer. Ficaram quietos. A expressão deles, no entanto, era reveladora. Alguns emocionados, outros perplexos com os protestos. Muitos são moradores de Regência e foram contratados pela empresa para trabalhar na tentativa de barrar a lama. Esses, não esconderam a tristeza.
Mais cedo, o gerente-geral da Samarco, Alexandre Souto, admitiu a ZH que a lama vinda da barragem chegaria, inevitavelmente, ao Oceano Atlântico, mesmo com as barreiras de contenção que foram instaladas no distrito. Ele classificou o desastre como um "acidente sem precedentes na indústria de mineração" e disse que a empresa vai avaliar, futuramente, os danos ambientais e sociais.
Pela manhã, um dos barcos que estava tentando achar peixe no Rio Doce, antes do avanço da lama, puxou a última rede (foto abaixo). Vazia. Apenas dois caranguejos. Peixes já não existiam mais.
Foto: Anderson Fetter, Agência RBS
- Não tem jeito. Agora temos que mudar de atividade ou sair daqui de Regência. Procurar outro trabalho. Virar pedreiro. Sustentar a família. A gente tem de se virar - comentou Lezio dos Santos, um dos três pescadores que estavam no barco.
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A intenção de Lezio parece ser comum a boa parte dos moradores de Regência, um distrito de Linhares que sobrevive da pesca, do turismo e do surfe. Com a lama no mar, nem surfistas devem procurar mais a onda, considerada uma das melhores do país. A economia local, o comércio, as pousadas, também terão de encontrar outro caminho para seguir em frente.
- O que aconteceu não foi acidente. Foi um crime ambiental e social. No mínimo, deve servir de exemplo para que nunca mais aconteça - desabafou Bete Baron.
O impacto da lama no ecossistema do Rio Doce
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e seguiu em direção a Linhares, no litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: