Colaboradora dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, a jornalista Adriana Carranca falou sobre os desafios de coberturas internacionais na sexta edição do projeto Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo, realizado na noite desta segunda-feira, na sede do Grupo RBS, em Porto Alegre.
No encontro mediado pela repórter Letícia Duarte, Adriana começou apresentando um resumo dos momentos mais marcantes da carreira. Recordou reportagens publicadas na editoria de Cidades do Estadão, sempre com a atenção voltada para mulheres e direitos humanos. Um mestrado em Políticas Sociais e Desenvolvimento na London School of Economics, na Inglaterra, em uma turma composta por 60 alunos de 45 países, permitiu um mergulho na multiculturalidade, área para onde seu trabalhou convergiu depois do retorno ao Brasil.
- Minha cabeça abriu - lembra.
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A primeira cobertura no Exterior ocorreu em 2007, no Irã. Na expectativa de se defrontar com um país destruído, com forte repressão às mulheres, Adriana se surpreendeu logo que desembarcou em Teerã e conheceu a tradutora que a auxiliaria nos deslocamentos:
- Encontrei-a de calça jeans, tênis rosa, ouvindo funk iraniano. O estereótipo caiu por terra.
No ano seguinte, veio a primeira de uma série de viagens ao Afeganistão. Sucederam-se jornadas na Indonésia e em países africanos como Congo, Sudão do Sul e Somália. O trabalho mais recente foi realizado entre os meses de setembro e outubro deste ano, quando visitou a Síria e o Iraque, de onde narrou o drama de mulheres yazidis que conseguiram fugir da escravidão sexual imposta por combatentes do Estado Islâmico.
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A jornalista falou da importância do planejamento em expedições para zonas conflagradas e do medo de circular pelo território sírio, onde muitos jornalistas já foram sequestrados. Mesmo transitando em áreas sob o domínio de milícias curdas, consideradas mais seguras para os profissionais de imprensa, ela e a fotógrafa que a acompanhava desconfiaram do motorista que as transportava. Decidiram despistá-lo e contratar outro.
- A gente tinha a sensação de que ele estava estranho. Você não pode arriscar nem um pouquinho nessas horas.
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Adriana privilegia a imersão nos destinos que visita. Sempre que possível, procura se hospedar na casa de moradores, experimentando a rotina de gente comum. Durante a apuração que resultou em Malala - A Menina que Queria Ir para a Escola, livro para o público infantil sobre a adolescente baleada pelo Talibã em 2012, a autora passou três semanas com uma família paquistanesa no Vale do Swat.
- Quando você acompanha o dia a dia das pessoas, as máscaras vão caindo. Você começa a entender. Tem uma expressão em inglês que diz "colocar-se nos sapatos dos outros". Procuro fazer isso - explica.
Marcantes, as incursões pelo estrangeiro provocam reflexões. Adriana confessa se sentir transformada pelo contato com a guerra e a violência.
- Quando você cobre esse tipo de situação e começa a ver muito disso, te contamina. Às vezes, tem que dar um passo para trás. A gente acaba sentindo muito a dor do outro. Nós todos temos nossas guerras particulares - relata.
Apesar da instabilidade verificada na maior parte das nações onde produz suas reportagens especiais - chegou ao Sudão do Sul pouco depois do início da guerra civil, em 2013 -, Adriana ressalta que sempre se surpreende positivamente:
- Encontrei muito mais histórias de paz do que de guerra, muito mais hospitalidade do que hostilidade.
Falando sobre o momento atual do jornalismo, a repórter encorajou os colegas e os aspirantes à profissão a investirem em grandes narrativas.
- O que está em crise é o modelo, a forma de financiamento, o negócio do jornal, não o jornalismo. A gente vive uma transição, um momento difícil. O segredo é fazer. A história está tanto lá na Síria quanto dentro da sua casa, no seu quarteirão.