Se é amplamente sabido que os adversários na disputa pelo governo argentino são dois amigos, filhos de imigrantes italianos, oriundos de famílias voltadas ao setor empresarial e catapultados para a política pelo esporte, mais duvidoso fica definir o perfil de seus apoiadores. O tema é complexo.
Mauricio Macri, um conservador com ideário econômico liberal, tem entre seus seguidores empresários dos mais diversos segmentos, mas também artistas como o cineasta Juan José Campanella e sindicalistas como Hugo Moyano, desafeto da presidente Cristina Kirchner. Daniel Scioli, um peronista de corte conservador, tem os sindicalistas esperados, mas também conta com a simpatia de empresários de setores cujo senso comum diria serem seus oponentes. Entre os artistas está o músico Fito Paez.
Direto de Buenos Aires: o debate argentino que não terminou
Um dos aspectos que chamam a atenção é o comportamento do jornal Clarín. A cobertura está nítida e cuidadosamente equilibrada. No final da tarde de quinta-feira, ZH encontrou um antigo peronista, crítico aos governos de Néstor e Cristina Kirchner, mas, ainda assim, fiel. Pedindo discrição, o peronista mexia no celular, conduzido pela Linha D do metrô portenho, quando comentou com a reportagem, que o conhece desde o governo Carlos Menem (1989-1999): o Clarín tem bom trânsito com os dois candidatos do segundo turno. Ou seja, o conflito entre o principal grupo de comunicações argentino e o governo tende a se encerrar, seja qual for o eleito. Mais importante: pendências judiciais envolvendo o governo e o Clarín ficaram para 2016, com o país sob novo comando.
As características dos dois candidatos são comuns e diferentes das que ostenta Cristina. Ambos são homens de diálogo e serão obrigados a tornar ainda mais forte essa característica. Governarão sem maioria folgada. Para tanto, essa complexidade de apoios deve lhes ser útil.
Estratégia para assegurar governabilidade do país
Nos bastidores da campanha, tanto Macri quanto Scioli comentam que pretendem convocar aquilo que definem - curiosamente, os dois adotam a mesma forma - como um grande conselho econômico e social, integrado por entidades empresariais e centrais sindicais. Objetivo: debater as políticas a serem adotadas para emprego e salário.
Na aliança Cambiemos, de Macri, a aposta é que, entre as primeiras medidas do próximo presidente, estará a visita à presidente Dilma Rousseff, em Brasília, e a convocação do conselho que pretende instaurar a reclamada paz social na Argentina. Até por não contar com maioria, Macri vê nessa estratégia a possibilidade de assegurar uma governabilidade mais tranquila.
Scioli pensa, ao tomar a mesma medida, em conter a inflação mediante boa vontade dos empresários no momento de aumentar os preços e uma equiparável sensibilização dos sindicalistas para que evitem movimentos grevistas e outros protestos no início do governo.
A expectativa é de que seja inevitável, ao futuro governo, adotar medidas como desvalorização cambial e ajuste fiscal rigoroso - como o brasileiro. Esse quadro, acrescido das queixas a respeito do desemprego, levam os sindicalistas a certa intolerância. Analistas costumam dizer que o futuro governo não terá seus primeiros cem dias de trégua, como é de praxe. As perspectivas são de uma intensa crise provocada pelo fim das reservas em moeda forte.
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Os dois principais sindicalistas, consultados por Zero Hora, dizem-se dispostos ao diálogo.
- Precisamos ser sensíveis, é certo que dias difíceis virão pela frente - diz Hugo Moyano, secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT).
- Só não aceitamos congelamento de salários. Um grande acordo pode ser feito, mas é importante que estejam presentes as cinco centrais sindicais do país, sem exclusões - ponderou Pablo Micheli, líder da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA).
Quanto à União Industrial Argentina (UIA, semelhante à Fiesp no Brasil), a principal entidade empresarial argentina, já há uma agenda que conduz ao possível diálogo com o novo governo. A posse do presidente eleito ocorrerá em 10 de dezembro. Quatro dias depois, haverá a Conferência Industrial, reunindo cerca de 1,7 mil empresários. O presidente, seja qual for, deve ser convidado a falar. E, claro, os ministros da área econômica também.
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