A chamada Arca de Noé virou um símbolo da grande operação montada para salvar os peixes que viviam no trecho do Rio Doce no Espírito Santo. Antes da lama da barragem de Mariana (MG) chegar ao Estado, pescadores, voluntários e representantes de órgãos federais uniram esforços para salvar a maior quantidade de espécies possível.
Duas ações paralelas foram montadas nos municípios de Baixo Guandu, Colatina e Linhares. A primeira, por iniciativa do Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual, em parceria com entidades ambientais, voluntários e pescadores, tratou de resgatar todo tipo de peixe que ainda estivesse vivo. A segunda, encabeçada pela Samarco - empresa responsável pela barragem de resíduos de mineração que rompeu em 5 de novembro - e gerenciada pelo Ibama, focou somente nas espécies nativas.
Antes da lama, o Rio Doce abrigava 71 espécies de peixes nativas, sendo 28 exóticas e 11 ameaçadas de extinção. Entre as mais importantes para os pescadores estão o dourado, o tucunaré e o cachara. Mas também havia corvinas, robalos e dezenas de outros tipos.
Boias são instaladas em Linhares (ES) para conter lama
Boa parte dos peixes foi levada para viveiros e lagoas no Espírito Santo, entre as quais a Cobra Verde, em Colatina, e do Limão, em Linhares. Porém, muitos outros foram colocados em isopores improvisados com água e deslocados para cativeiros montados às pressas e até açudes abertos no meio do Rio Doce.
Na última semana, a presidente Dilma Rousseff e a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciaram um plano de revitalização do Rio Doce em parceria com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo. O projeto dá 10 anos como provável prazo para a recuperação dos 880 quilômetros desde a Serra da Mantiqueira, em Ressaquinha (MG), e a foz no oceano, em Regência (ES).
Período de reprodução vai de setembro a março
Em Regência está situado um dos pontos do Projeto Tamar - programa de preservação de tartarugas marinhas. Nas areias da praia, cerca de 120 ovos são incubados. Com o calor, os filhotes nascem, em média, no período de 50 dias após a desova.
O período de reprodução ocorre justamente entre setembro e março. Por conta da lama da barragem, centenas de ovos foram retirados das proximidades da foz do Rio Doce e levados para locais mais afastados, em grande parte da extensão da praia, que tem 37 quilômetros. As espécies que passam pela região são a tartaruga-de-couro, conhecida como tartaruga gigante, tartaruga-cabeçuda e tartaruga-de-dente.
O que se sabe até agora do impacto ambiental
O acidente
Na tarde de 5 de novembro, uma barragem de contenção de resíduos de mineração rompeu, descendo pelos vales e rios de Mariana (MG) 55 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos. A dona da represa é a Samarco - empresa formada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP.
As causas
Ainda são investigadas. De acordo com a Samarco, dois pequenos tremores foram registrados na área duas horas antes do rompimento. A Fundação Estadual de Meio Ambiente de MG já havia recomendado reparos na estrutura da barragem. Segundo o professor da Universidade Estadual de Londrina e consultor em mineração e ambiente Cleuber Moraes Brito, "no último ano, a empresa aumentou a produção em mais de 15%, correspondentes a cerca de 25 milhões de toneladas, o que fez crescer o volumes de rejeitos".
Os responsáveis
A mineradora Samarco é a dona da represa. O professor Brito aponta que os órgãos públicos também devem ser culpados porque são "responsáveis pelo licenciamento e pela fiscalização".
Mortos, feridos e desaparecidos
Até agora, são oito mortes confirmadas, quatro corpos aguardam identificação e 11 pessoas continuam desaparecidas.
A segurança da barragem
O Departamento Nacional de Produção Mineral classificava a barragem como de baixo risco. Por estar em uma região com alta densidade populacional, a classificação de um possível dano potencial é alta.
Impacto ambiental
Especialistas afirmam que os impactos ambientais vão ocorrer em todo o local atingido pela lama da barragem, especialmente na bacia do Rio Doce. O que deve ocorrer, além da interrupção temporária do abastecimento de água:
Assoreamento de trechos do rio e de alguns dos afluentes.
Absorção biológica de metais e de outros poluentes vindos da barragem rompida em peixes e em todo o conjunto de seres aquáticos (reversível, a longo prazo, de três a cinco anos).
Remoção e comprometimento de trechos significativos da vegetação ciliar.
Mudanças na biologia das espécies e perda de volume e profundidade, com consequente aumento da temperatura média da água dos rios afetados.
Alterações na paisagem, como mudanças de cursos dos rios.
Problemas de aumento de doenças como diarreias agudas, cólera, febre tifoide, hepatite A e leptospirose.
Impactos econômicos e humanos
Além da perda de vidas, de pessoas feridas, há a necessidade de realocação e reconstrução de moradias e de infraestrutura urbana. Será preciso também criar alternativas de desenvolvimento econômico e social das pessoas diretamente e indiretamente envolvidas no desastre.
Os impactos econômicos são graves e variados. Eles vão muito além dos distritos de Bento Rodrigues (destruído) e Paracatu de Baixo. Atingem em cheio os municípios de Mariana, Ouro Preto (MG) e Anchieta (ES), mas também vários outros da região do chamado quadrilátero ferrífero de MG, inclusive a cidade de Belo Horizonte.
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e seguiu em direção a Linhares, no litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: