Amanda Dallé Balotin, oito anos, vive num dos principais pontos turísticos da Serra. A menina mora com avós paternos, pais e irmão na Linha 40 da Graciema, no Vale dos Vinhedos. Esse foi o destino de 400 mil visitantes que no ano passado escolheram o interior de Bento Gonçalves para entrar em contato com a natureza, os parreirais e a cultura dos descendentes de imigrantes italianos. Tudo isso é, para Amanda, o quintal de casa. Para que vem de fora, é um lugar reconhecido por gerar vinhos e derivados com peculiaridades marcantes.
O Vale dos Vinhedos tem o registro de Indicação Geográfica, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Significa que fatores naturais e humanos incidem sobre a produção local dando a ela características próprias. A Serra tem cinco áreas com o selo. O pesquisador Jorge Tonietto, da área de Zoneamento Vitivinícola da Embrapa, aponta que esse número deve se multiplicar nas próximas décadas.
“Temos uma herança de desenvolvimento muito grande ligada à cultura italiana, ao saber fazer que se deu ao longo das décadas, à paisagem. Uma paisagem que tem a marca dos lotes, das propriedades adquiridas na época da colonização, arquitetura, a zona agrícola, os vinhedos, as formas de cultivo. Tudo isso associado a uma gastronomia e toda essa riqueza ligada à cultura do vinho e ao desenvolvimento da imigração italiana traça bem esse potencial que está crescendo que é do enoturismo, que valoriza não só o produto como o território e o que acontece nele”, destaca.
Tonietto avalia que a Indicação Geográfica agrega valor às pequenas propriedades rurais, predominantes na Serra. Aumentar a rentabilidade pode ser uma forma de torná-las mais atraentes para as próximas gerações. O pai de Amanda é agricultor. A mãe é dona de casa. A menina ainda vive a tranquilidade do meio rural, mas projeta ser mais uma visitante do Vale dos Vinhedos. O sonho de ser dona de um salão de beleza vem acompanhado da ideia de morar na “cidade”.
Amanda não está sozinha. Relatório da ONU, divulgado em 2012, aponta que a taxa de urbanização do Brasil chegará a 90% em 2020. A percepção de que os jovens enxergam mais chances de progresso fora do meio rural preocupa o pesquisador da área de enologia e chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus.
“Os jovens têm se afastado do campo, porque a cidade se apresenta como lugar de conectividade e a agricultura parece ser, para o jovem, o rústico, o rudimentar, o analógico. Claro que isso não depende só da tecnologia, mas de políticas públicas, para que o jovem não se sinta deslocado ao trabalhar em uma propriedade rural familiar”.
Mas se por um lado a “cidade” atrai Amanda, existe uma preocupação. Nem a inocência da infância faz com que ela deixe de notar a violência urbana. A menina diz que um futuro melhor passa pela redução da criminalidade:
“Se eu morar na cidade, tem bastante ladrão lá. E eu não quero que assaltem o lugar onde eu trabalho, minha casa”.
O medo da menina se justifica. No primeiro semestre de 2015, Bento Gonçalves registrou 287 roubos. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Estado.
A boa notícia é também um tanto quanto óbvia: é possível diminuir esses índices. Foi nisso que apostou a prefeitura de São Caetano do Sul. A cidade campeã em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH/2010) no país também é referência em segurança pública, de acordo com o ranking Connected Smart Cities.
Até outubro, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o município teve cinco vítimas de homicídio e duas de latrocínio (roubo seguido de morte). A média é de um assassinato a cada 21,4 mil habitantes. São 4,66 ocorrências para o grupo de 100 mil. A escala utilizada pela ONU considera aceitável a taxa de 10 para cada 100 mil.
Na comparação, os municípios da Serra ainda têm muito a avançar. De janeiro a outubro, a média de assassinatos em Bento Gonçalves foi de um a cada 6 mil habitantes. Em Farroupilha, de um a cada 7,5 mil habitantes. E em Caxias do Sul, de um a cada 4,7 mil habitantes.
O secretário municipal de Segurança de São Caetano do Sul, Marco Antonio Barreiras, destaca que a redução de índices de criminalidade é resultado de políticas públicas. Em 2014, a prefeitura implantou o Programa Cidade Segura. É um pacote com 16 itens que incluem obras, aparelhamento como câmeras de vigilância e execução de programas estratégicos.
Uma das iniciativas é pagar guardas e policiais para atuar em dias de folga em ações de fiscalização. O secretário entende que assim a presença policial é mais notada. Como o trabalho implica em remuneração melhor, os policiais também não precisam fazer bicos para complementar a renda. Os resultados são fonte de ânimo para quem, como a Amanda, tem receio de ser assaltado. Os roubos e furtos de veículos reduziram mais de 50% em São Caetano do Sul entre 2013 e 2015.
“Quando você investe em segurança, você investe também na vinda, por exemplo, de empresas para a sua cidade. Não só indústrias como empresas de cultura, de prestação de serviços e assim por diante. Indiretamente, quando você tem uma cidade segura, você tem uma cidade economicamente mais ativa porque as pessoas acabam vindo para a sua cidade. Além disso, aqui se deu também muita ênfase às políticas públicas de segurança, ou seja, ter uma iluminação boa, um asfaltamento bom, educação e mobilidade urbana”, diz o secretário.
Ele ressalta ainda que convênios entre municípios do ABC Paulista possibilitam ações conjuntas de combate ao crime. Barreiras avalia que essa pode ser uma alternativa para a Serra gaúcha diminuir a violência a partir da união de forças.