A Argentina terá uma semana trepidante até o dia 25, quando será desfeito um mistério digno de romances políticos: haverá segundo turno nessas históricas eleições presidenciais? As pesquisas indicam o situacionista Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires, rondando os 40%, índice que lhe garantiria vitória imediata caso tenha 10 pontos à frente do adversário mais bem colocado. Este rival, por ora, é Mauricio Macri, o prefeito portenho, que tem algo como 27% das intenções de voto.
Scioli é aliado da presidente Cristina Kirchner, mas sempre foi visto por ela com desconfiança. Macri é desafeto da presidente. O certo é que o kirchnerismo, hegemônico desde 2003, deixará as dependências da Casa Rosada. Seja Scioli ou um opositor, todos têm diferenças com Cristina e seu marido e antecessor, Néstor Kirchner (2003-2007), morto em 2010.
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Há, portanto, empate técnico entre definição no primeiro ou necessidade de segundo turno. É alta a incerteza. A outra possibilidade de uma vitória imediata, pela legislação argentina, seria se o primeiro colocado atingisse 45%, independentemente do desempenho rival. Já Macri e o terceiro colocado, Sergio Massa, têm disputado o papel de destinatário do "voto útil". Os dois se digladiam, enquanto Scioli observa pensando no que pode ganhar com isso e preocupado com pesquisa do instituto Polldata segundo a qual 23,1% dos seus eleitores não descartam mudar o voto.
O analista Rosendo Fraga vê como um erro a estratégia de Scioli ao ter evitado o debate de 4 de outubro. Foi o primeiro evento do tipo na história das eleições presidenciais argentinas. O assento de Scioli ficou vazio, e os adversários o criticaram sem que ele replicasse. Para não ir ao evento, na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), Scioli alegou que o eleitorado já conhece suas propostas, que as regras deveriam ser definidas por lei e que haveria agressões verbais. Na verdade, queria se preservar para evitar o desgaste, a perda de votos e o sacrifício da possível vitória sem necessidade de segundo turno.
- A ausência de Scioli impediu-o de chegar aos 45% - estima Fraga, para quem "é claro que Scioli está ao redor dos 40%", restando a dúvida se consegue mais um ponto, que poderia derivar do racha opositor.
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O analista afirma ainda: o parlamento, que também será renovado, deixará de ser parecido com o venezuelano e passará a ser equiparável ao brasileiro. O governo terá de negociar mais com o Legislativo.
Desafio de manter apoio mas com alguma distância
A oposição está dividida, mesmo. Luis Costa, diretor do instituto Ipsos, diz que Scioli tem 60% de chances de vencer no primeiro turno. Parte disso, segundo ele, deve-se ao racha da oposição argentina. "Com muito respeito aos demais candidatos opositores, a Cambiemos (sua aliança) está em condições de representar os seus eleitores", escreveu Macri no Facebook, chamando o voto útil de "estratégico".
Massa afirma que não entregará os pontos tão facilmente. Faz frequentes declarações fortes que acabam nas manchetes de sites e jornais. Até propôs um debate a Macri, que recusou.
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Enquanto Macri se diz o único oposicionista em condições de chegar ao segundo turno, Massa assegura que só ele, no segundo turno, pode representar todos os segmentos anti-kirchneristas. Macri, um histórico conservador, atrai muita rejeição, enquanto Massa apresenta um perfil mais centrista (é dissidente do kirchnerismo). Os analistas veem como quase impossível Massa chegar ao segundo turno, e Macri o acusa de já ter sido kirchnerista.
O problema de Scioli é que a vitória em primeiro turno pode se inviabilizar em razão de episódios como o de Mar del Plata no dia 11 de outubro, quando a polícia buenairense (comandada por ele, como governador da província) reprimiu violentamente mulheres que protestavam contra o machismo, em frente à catedral. Outra situação que pode macular sua imagem é a viagem que fez à Itália recentemente enquanto a província estava sob chuvas e alagamentos.
O analista Joaquín Morales Solá, do jornal La Nación, acompanha a política argentina há mais de 40 anos e identifica um aspecto histórico neste pleito:
- Estas eleições se converteram nas mais imprevisíveis desde 2003 (quando Carlos Menem e Néstor Kirchner chegaram praticamente empatados ao segundo turno, mas Menem, virtualmente derrotado, desistiu). A única certeza é de que se está comprovando a afirmação dos institutos de pesquisa: uns 60% do eleitorado está fatigado com o kirchnerismo.
A questão é: os 60% que optarão pela oposição no primeiro turno podem mudar no segundo, dependendo da rejeição ao oponente de Scioli. Tanto Macri quanto Massa, por motivos diversos, não receberiam o voto dado a um ou a outro no primeiro turno.
- Scioli precisa conquistar três ou quatro pontos dos eleitores independentes. Para tanto, é necessário que ele se distancie de Cristina, que tem votos, mas tem rejeição. Para o candidato, cria-se um dilema. Separar-se, mas mantendo o apoio - completa.
O analista Carlos Pagni vê tendência de vitória "sciolista", mas apenas no segundo turno. Alerta para o possível enfraquecimento de Macri e de Massa em razão da "crescente" rivalidade entre os dois na tentativa de polarizar com Scioli e de se cacifar para o segundo turno. E também salienta que Cristina está forte, em especial para quem tem oito anos no poder.
- O kirchnerismo chega bem às eleições. No geral, governos deixam o poder em meio a crises. Isso ocorreu com Raúl Alfonsín em 1989, com Fernando de la Rúa em 2001 e, num nível menor, com Carlos Menem. A imagem positiva de Cristina supera os 40% - diz, ressalvando que esse índice é alto ao se levar em conta o tempo no poder e a economia em dificuldades, aspectos que costumam impor custos políticos.