Oito horas pode parecer muito tempo sem energia elétrica, mas, para as pouco mais de 30 famílias que vivem na comunidade Seivalzinho, no interior de Caçapava do Sul, na Região Central, essa foi a duração do único lampejo do mês de outubro. De acordo com o relato dos moradores, as outras 536 horas do mês - até as 16h30min desta sexta-feira - eles passaram às escuras. A concessionária que atende a região, no entanto, contesta a afirmação.
A saga à luz de velas da comunidade teve início no dia 1º de outubro, quando problemas em um poste de luz interromperam o fornecimento de energia no local, que abriga lavouras de soja e arroz. Segundo moradores, o socorro veio uma semana depois, quando técnicos da AES Sul estiveram por lá e fizeram a substituição do poste de madeira por um modelo de alvenaria, além da trocar um transformador.
A alegria durou pouco: mais precisamente das 16h a meia-noite. Naquela noite, a chegada do temporal que causou transtornou em vários municípios gaúchos levou a energia embora outra vez. Desde então, as famílias aguardam por uma ajuda que não chega. Longe da área urbana, onde também ocorreram estragos, Seivalzinho iniciou uma disputa inglória pelo restabelecimento do serviço: foram mais de 10 protocolos registrados junto à AES Sul no período.
Sem luz há 23 dias, os moradores do local, a maioria trabalhadores das lavouras, vivem uma rotina de improvisos. Os celulares passaram a ser carregados no carro. Para não perder totalmente o contato com o mundo exterior, os rádios a pilha foram reativados por alguns moradores. Sócio em uma lavoura de arroz e morador de Seivalzinho há 38 anos, Silvio Kelling, 55 anos, adiantou a hora de ir para cama: na falta da televisão, que costumava assistir à noite, com a mulher e o filho, a família tem se recolhido por volta das 20h.
Mas nem só as atividades que dependem de equipamentos eletrônicos foram prejudicadas pela ausência de energia. Em Seivalzinho, a falta de luz também representa o fim da água potável. Principal fonte de abastecimento da cidade, o poço artesiano próximo não funciona sem energia elétrica.
Para o banho de chaleira, aquecida nos fogões à lenha, a água vem de um açude próximo - ainda há quem se aventure a tomar banho no frio curso d'água. Lavar roupa virou tarefa à moda antiga, executada à mão, à beira do açude. Já cozinhar exige um deslocamento maior: seis quilômetros até um distrito de Cachoeira do Sul, onde "vizinhos" têm aberto suas torneiras em solidariedade.
- As carnes apodreceram. Às vezes alguém vai à cidade e traz um pedacinho, mas tem que consumir na hora. A maior parte das refeições é arroz com ovo. As galinhas vão colocando ovo, aí a gente aproveita - conta Kelling.
O despertar na casa de Cleonice Nunes da Silva, moradora da comunidade desde que nasceu, há 40 anos, também foi complicado pela falta de energia. O problema nem é levantar às 5h50min, horário a que já se habituou a saltar da cama. É que vestir a filha de sete anos para tomar o ônibus até a escola, a 26 quilômetros da comunidade, é mais difícil no escuro.
- Está tudo muito mais difícil. Para deixar ela pronta para o ônibus, que passa às 6h30min, só com uma lanterninha, é um horror - lamenta.
Apesar das dificuldades, moradores não estão surpresos com a falta de energia. Eles relatam que as interrupções no serviço são frequentes no vilarejo, que teve a primeira rede elétrica construída pela própria comunidade, na década de 1980.
Segundo Carlos Weber, proprietário de lavouras de arroz e soja em Seivalzinho, a maioria das famílias paga em torno de R$ 80 por mês pelo fornecimento de energia. Moradores do local, seus funcionários estão de braços cruzados desde o começo do mês, quando o plantio e o tratamento de sementes, que dependem de maquinário, foram inviabilizados.
- Já recebi uma conta de outubro de uma propriedade que está no meu nome, que costuma dar R$ 50, com consumo zerado. Acho que não vão cobrar esse mês, mas estamos pensando em entrar com uma ação (contra a distribuidora). Somos os primeiros a ficar sem luz e os últimos a ter o serviço de volta - desabafa o empresário, que ainda não contabilizou os prejuízos.
Concessionária nega apagão, mas confirma oito interrupções em outubro
A AES Sul nega que Seivalzinho esteja sem luz desde o começo do mês. Segundo informou a concessionária, em nota, o circuito teve oito interrupções desde o dia 1º de outubro, todas em função de chuvas e temporais. A ocorrência mais recente, conforme a AES Sul, teria sido registrada na quinta-feira, e o atendimento para restabelecer a energia na comunidade foi concluído às 16h30 desta sexta-feira, quando o serviço foi normalizado.
Ao todo, pelo menos 1,5 mil clientes estão sem luz no Estado, sendo 1 mil da RGE e 450 da CEEE, estes últimos em função de um desligamento preventivo da energia elétrica na Região das Ilhas, em Porto Alegre. A AES Sul, que na quinta-feira informou 10 mil pontos sem energia em sua área de concessão, não atualizou o número. De acordo com a distribuidora, a quantidade atual é imprecisa.