Yankova, segunda a partir da esquerda, colhendo tabaco em Patalenitsa, onde vive com o seu neto
Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times
Stefaniya Boneva, 25, estudante de medicina na Alemanha, trabalhando na clínica de sua mãe em Sofia em agosto
Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times
Na Alemanha, a chegada de um milhão de imigrantes prevista para este ano está sendo alardeada aos cidadãos, muitas vezes desconfiados, como uma forma de injetar vigor em um país envelhecido cuja população deve diminuir 8% nas próximas décadas.
Para as ex-repúblicas soviéticas da Europa Oriental, que estão encolhendo ainda mais rápido e têm economias problemáticas, o influxo de estrangeiros seria a solução ideal.
Mas não é essa a opinião geral.
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- Não, o pessoal daqui não se entusiasma nem um pouco com a perspectiva de receber mais imigrantes. A ideia é que há estrangeiros de mais, e não de menos - afirma Ivailo Kalfin, vice-primeiro ministro da Bulgária para assuntos demográficos e sociais.
Esse é o paradoxo da crise na região: mesmo enfrentando a implosão demográfica mais grave do continente, é também a que tem mais dificuldade em aceitar os refugiados.
Por outro lado, se os imigrantes ali são vistos como uma séria "ameaça", a combinação persistente de economias falidas e governos corruptos faz desses países opções pouco atraentes para quem está chegando.
De fato, a Bulgária vem provando ser um desafio até mesmo para quem nasceu ali e que, como os imigrantes, está indo, aos montes, para as regiões mais prósperas da Europa.
Petrunka Yankova ajudando seu neto, Stoyan Dodnikov, 13, com uma roupa búlgara tradicional
Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times
De acordo com a Perspectiva da População Mundial da ONU, dos dez países que devem perder a fatia maior da população per capita entre hoje e 2050, todos estão na Europa Oriental e Central, com a Bulgária encabeçando a lista.
Mesmo assim, o sentimento anti-imigração é forte em uma região que teme que a onda de gente vinda do Oriente Médio, Afeganistão e outras paragens afogue a economia frágil e enfraqueça a cultura nacional.
- É realmente um argumento racional e pragmático esse de que os países poderiam aproveitar bem a chegada dos estrangeiros - diz Aleksander Smolar, presidente da Fundação Stefan Batory de Varsóvia, que promove a democracia e questões cívicas.
- Só que é preciso lembrar que, ao contrário do Ocidente, eles nunca tiveram que desenvolver políticas de imigração. A região da Europa Central e Ocidental não tem histórico de imigração, mas sim de emigração - prossegue.
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E continua sendo assim, especialmente nos países como a Bulgária, que foram aceitos na União Europeia, o que permite a seus cidadãos viajar com mais liberdade.
- É raro encontrar alguém dessa região que não tenha pelo menos algum familiar mais próximo vivendo no exterior. Quanto menor for o país, maior o peso que a saída de cada um tem - afirma Sarah Garding, pesquisadora da Universidade de Oxford que estuda a imigração da Europa Oriental.
E o fato de a ameaça de uma queda populacional ocorrer durante um grande fluxo de imigrantes ilegais não passa despercebido às autoridades locais.
- Eu aceitaria refugiados na minha cidade com o maior prazer por uma razão prática: ela está se esvaziando. Como em muitas cidades de porte médio do país, o número de cidadãos é cada vez menor - revela Robert Biedron, prefeito de Slupsk, no norte da Polônia, uma das raras vozes pró-imigração da região.
Porém, alguns especialistas destacam vários fatores a impedir que os estrangeiros resolvam a crise demográfica e explicam a resistência da área em recebê-los de braços abertos.
Para começar, os líderes políticos afirmam não fazer sentido forçar os refugiados a se acomodar no Leste Europeu, problemático em termos financeiros, quando tudo o que querem é viver na Alemanha ou outros países mais prósperos.
- Eles simplesmente vão se mudar para o lugar em que pretendiam estar desde o início - diz Robert Fico, primeiro-ministro eslovaco.
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Ao mesmo tempo, as populações das nações da Europa Oriental não se mostram muito dispostas a receber os imigrantes, principalmente os que têm religiões diferentes, em uma região cuja memória histórica inclui várias guerras para se livrar da ocupação muçulmana.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, retrata seu país como um baluarte entre a Europa cristã e o mundo islâmico.
Para completar, como os próprios imigrantes observam, a busca não é só por segurança e/ou perspectivas financeiras, mas também a vida em uma sociedade mais aberta e tolerante.
Ou seja, os mesmos motivos que levam milhares de europeus orientais a emigrar para o Ocidente estão levando os novos refugiados para a mesma direção.
- Eu te digo por que o povo está indo embora; porque está frustrado com a situação política. Não confia no sistema judiciário. Os líderes não têm nenhuma visão política. São pessoas que estão esperando uma mudança desde 1989, mas ela nunca acontece - desabafa Evgenia Peeva, 29 anos, que voltou à Bulgária, depois de se formar por Harvard, para criar a Teach for Bulgaria, uma ONG inspirada no modelo da Teach for America.
Magdalena Kostova, líder do Diretório de Estatística Social e Demografia da Bulgária, diz que entre os dois censos mais recentes, de 2001 e 2011, a população do país encolheu em 564 mil pessoas. Dois terços desse número se devem a uma taxa de natalidade muito baixa, mas o resto foi por causa da emigração.
Ruslan Stefanov, analista do Centro de Estudo da Democracia de Sofia, vai mais além:
- Atualmente quase 80% dos médicos vão embora assim que se formam. O pessoal sente que aqui a vida é muito imprevisível.
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O buraco deixado pela partida de tantos jovens poderia ser preenchido pelos imigrantes - mas também sinaliza a constatação de que, para viverem nas sociedades abertas que desejam, os búlgaros terão que seguir o mesmo caminho dos emigrados.
- A Bulgária é a minha terra natal, eu queria viver aqui, mas a mudança teria que ser muito drástica para que isso acontecesse. Acho que é mais um sonho idealista, sabe - lamenta Stefaniya Boneva, estudante de Medicina de 25 anos que mora na Alemanha, sentada em um café perto do centro de Sofia.
E as famílias que ficam para trás - muitas das quais dependentes do dinheiro que os parentes mandam do exterior - não estão lá muito entusiasmadas para trocar os filhos que se foram por uma comunidade inteira de estranhos.
Segundo Smolar, é preciso uma discussão ponderada e menos oportunismo político para lidar com uma questão obviamente explosiva na região.
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- A ideia de, de repente, se deparar com "o outro", alguém que vem de uma cultura diferente, com outra religião, outra aparência física, naturalmente é motivo de medo, se não de pânico para muita gente aqui - afirma.
- Normalmente mudanças assim são precedidas por discussões nacionais cuidadosas, para permitir que a população se acostume ao fato de que terá que conviver com minorias étnicas. Em vez disso, porém, o que se vê é uma onda de líderes tentando levar a melhor. Tem muito político cínico que prefere manipular e tirar vantagem do medo das pessoas. Infelizmente, o alarmismo ainda ajuda a subir nas pesquisas - sentencia.
*The New York Times