Vinte e um quilômetros separam o asfalto da BR-392 do acesso à Ilha da Torotama, em Rio Grande, um dos pontos mais críticos de estragos causados pela chuva dos últimos dias no sul do Estado. Poucos metros, no entanto, distanciam seu Nelson das Neves e a esposa Maria de Fátima de casa. Inundada pela cheia da Lagoa dos Patos, a residência teve de ser deixada para trás. O jeito foi construir uma moradia provisória, estreita, dentro de um dos barquinhos que também servem para o sustento da família de pescadores.
A cozinha improvisada tem café, alguns biscoitos e um pouco de ração para Scott, o cão de estimação da família. Atrás, uma pequena cama, com um colchão doado pela comunidade. É o suficiente, diz Nelson, para aguardar a água baixar sem tirar o olho de casa. O casal tem medo de saques, receio de que alguém leve o pouco que sobrou. Faz mais de uma semana que eles foram forçados pela cheia a se mudar para o barco, com teto construído às pressas.
- A nossa casa está toda alagada, não tem como entrar. A gente até chega lá com o barquinho, mas só para ver se ninguém arrombou, né? Tem que cuidar das coisas da gente. Está sendo difícil, mas a gente vive aqui, vai se virando. Só Deus pode ajudar. Tem que acreditar que vai melhorar - diz o pescador.
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Nelson e Maria de Fátima se recusam a deixar a casa abandonada na Ilha da Torotama, mesmo com a insistência dos dois filhos, que moram na cidade, em Rio Grande. Eles preferem que os filhos não os vejam nessa situação, abrigados no barquinho.
- Eles ligam todos os dias. A gente está sempre em contato. Mas vão vir aqui passar trabalho? Não
Melhor esperar a água baixar - explica Maria.
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O secretário de Serviços Urbanos de Rio Grande, Dirceu Lopes, tenta convencer as famílias que estão em situação de perigo, mas admite que se trata de uma tarefa difícil. Ele dorme na comunidade, distribui as doações que chegam, conhece boa parte das pessoas pelo nome e se esforça para transmitir sensação de segurança.
- Os doentes, idosos, mulheres e crianças nós conseguimos resgatar grande parte. Muitos não querem sair, só quando a água bate no pescoço. Montamos uma base de apoio por aqui. Queremos preservar vidas. Por isso estamos aqui, acompanhando de perto - salienta Lopes.
No meio da tarde desta quarta-feira, o pescador Adilco Pardo foi até a via central, onde estão concentradas as doações, para pegar ração para tratar os animais. Ele tem quatro vacas, oito porcos e 14 cachorros para alimentar. E, claro, mais cinco pessoas em casa.
- O que facilita para nós no meio dessa tragédia toda é que é uma vila de pescadores. Quase todo mundo tem barco para se mexer por aqui. Senão a gente estava ferrado. É uma luta, muito trabalho. Estamos dormindo até na mesa, nos bancos. Tirando aquela soneca e sempre atento por causa da água. De uma hora para outra ela pode subir de novo.
Segundo a Defesa Civil, são pelo menos 500 famílias atingidas na Ilha da Torotama, em Rio Grande, o que representa metade da comunidade local. Por enquanto, a situação é considerada sob controle, mas nada disso seria possível sem a ajuda de voluntários, da prefeitura e do Exército.