Por si só, investigações são complexas quando a Polícia Civil precisa partir do chamado "ponto zero" para chegar à autoria de um crime. Depoimentos, perícias, investigações de campo, análise de documentos e quebras de sigilos, tudo isso demanda tempo. Não bastasse isso, além do já conhecido déficit de policiais, as paralisações deste ano, devido ao parcelamento dos salários dos servidores estaduais, foram determinantes e, por isso, alguns casos que ocorreram no período das greves podem ficar sem solução.
Atualmente, a região da 3ª Delegacia Regional, que abrange 26 delegacias, tem 40.213 inquéritos em andamento. Dos 44 homicídios cometidos este ano em Santa Maria, 13 ainda não têm pessoas indiciadas. E o pior: desses, sete não têm nem suspeita de autoria.
- Um inquérito de homicídio demanda tempo, é uma investigação complexa, salvo quando o suspeito é preso em flagrante. Mas esses que acontecem de madrugada, em que só o corpo é encontrado, é preciso começar do zero. Tem que ver quem estava com a vítima, quando ela foi vista pela última vez, quem eram seus inimigos, se ela era do meio do crime, quais crimes ela praticou, se era usuária de drogas. É um leque muito grande - explica o delegado regional, Sandro Meinerz.
Um desses sete assassinatos quem ainda não tem suspeitos envolve a família Oliveira da Rocha. Há quase um ano, em 22 de novembro do ano passado, Nelson Rodrigo Oliveira da Rocha, 35 anos, foi atingido por um tiro na testa por volta da 1h na Rua João Brunhauzer, no bairro João Goulart. Ele ficou internado no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) até o dia 14 de janeiro deste ano, quando morreu.
Conforme Neuza e Carolina, mãe e irmã de Nelson, a família não tem notícias sobre o caso desde o final de fevereiro deste ano, quando, pela última vez, Carolina havia sido chamada na 1ª Delegacia de Polícia Civil.
- Entreguei nas mãos de Deus. Vai completar um ano já, e não sei nem o que houve, e por que aconteceu. É muita impunidade. A gente pensa: se prenderem alguém agora, vai ficar três ou quatro anos preso, mas eu vou ficar sem o meu filho o resto da minha vida. Nada vai trazer ele de volta, mas, pelo menos, íamos ter o alívio, ver se essa pessoa ia ter a coragem de olhar nos meus olhos, porque o meu filho não era de fazer maldade para ninguém - desabafa a mãe.
Com as greves, inquéritos não urgentes tiveram uma pequena paralisação. Entre alguns que tiveram repercussão na região nos últimos anos, três ainda estão em aberto, mas nenhum é de casos contra a vida.
- Quando houve a paralisação, foram atendidos apenas fatos graves. Esses casos, eles (policiais) paralisam, não marcam diligências, não analisam documentos. Mais grave é alguém que aponta a arma para a cabeça de uma pessoa - justifica Meinerz.
"Produzimos muito e podemos produzir mais, afirma Meinerz"
No primeiro semestre deste ano, as 26 delegacias que compõem a 3ª Delegacia Regional remeteram 8.340 inquéritos à Justiça, cerca de 5 mil a menos do que os cerca de 13 mil encaminhados, em média, nos primeiros seis meses em todo o Estado no ano passado. Segundo o delegado Sandro Meinerz, a produtividade das delegacias vinha em alta até as paralisações dos servidores estaduais. Mas, além disso, há outros fatores determinantes, como o número insuficiente de policiais, que seria o principal problema.
- A polícia produz bastante pela quantidade de agentes que tem, pelas dificuldades materiais e pelo volume de ocorrências que entram todos os dias. Podemos produzir até mais, também produzimos com boa qualidade, mas que pode e deve melhorar. Não adianta mandar tudo embora, tem que mandar com qualidade, por isso, precisamos de policiais qualificados e motivados para trabalhar, e os policiais se abalaram com toda essa situação - ressalta Meinerz.
Ainda conforme o delegado, há uma planejamento estratégico, com metas de produtividade e de qualidade dos inquéritos.
Em números
Para o delegado Regional da Polícia Civil, apesar do grande número de inquéritos em andamento, a produtividade das delegacias da região é boa. No entanto, o desejo é que a produtividade seja melhorada. Abaixo, confira números relativos aos inquéritos de Santa Maria e região no primeiro semestre de 2015:
- As 26 delegacias da região têm mais de 40 mil inquéritos em andamento
- No primeiro semestre deste ano, essas delegacias remeteram 8.340 inquérito ao Poder Judiciário
- A média é de cerca de 1,4 mil inquéritos concluídos e enviados à Justiça por mês. Com isso, em média, cada uma das 26 delegacias concluiu 53 inquéritos por mês. Em seis meses, o número é de 320 por delegacia
- Em todo 2014, todas as delegacias do Estado encaminharam 171,5 mil inquéritos à Justiça. Nos primeiros seis meses, foram quase 83 mil, o que dá uma média de 13,7 mil por mês
- Só no primeiro semestre, a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento de Santa Maria registrou mais de 18 mil ocorrências policiais
CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO
Alguns inquéritos tiveram grande visibilidade em Santa Maria e região nos últimos anos. Muitos deles ainda estão em andamento. Confira a situação de quatro casos que tiveram grande repercussão:
Desvio de mais de R$ 5 milhões da CVI Refrigerantes
- Após auditoria, em setembro de 2014, a CVI Refrigerantes, que produz produtos da linha Coca-Cola em Santa Maria, descobriu o desvio de R$ 5,5 milhões de suas contas. Dois ex-funcionários são suspeitos dos desvios. O inquérito já conta com mais de 5 mil páginas e tramita em sigilo, por isso, poucas informações são repassadas. Além disso, a CVI e o Sicredi, que detinha as contas que foram desviadas, moveram uma ação cível contra 11 pessoas pedindo o ressarcimento do valor. O inquérito não tem previsão para ser concluído pela Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec)
Desvio de celulares da Câmara de Vereadores de Santa Maria
- A Defrec realizou, em junho do ano passado, a Operação Casa do Povo, que recuperou três aparelhos de celular iPhone 5 e três Sansung Galaxy que sumiram da Câmara de Vereadores de Santa Maria. Dos seis, dois estavam com o ex-secretário geral da casa, Marcelo Dalla Corte, e um com o ex-procurador jurídico da Câmara e atual presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Robson Zinn. Outros três aparelhos foram encontrados na casa de outras três pessoas. Duas delas disseram que compraram os aparelhos de Dalla Corte. O ex-secretário geral e Zinn disseram que não sabiam que teriam de devolver os aparelhos. O inquérito está em sua fase final e, em breve, deve ser concluído
Sumiço de R$ 625 mil do Clube Dores
- Após uma sindicância e uma auditoria em setembro de 2011, o Clube Recreativo Dores descobriu que R$ 625 mil haviam sumido da tesouraria do clube. O caso foi parar na Polícia Civil em abril de 2014, e o inquérito foi remetido ao Ministério Público em novembro de 2014, após cerca de dois anos e seis meses de investigação. Nenhuma pessoa foi indiciada pelo sumiço do dinheiro. No entanto, na investigação, a polícia descobriu outra fraude, na contabilidade do clube. Por conta disso, o administrador geral do clube, Carlos Alberto Londero, e o dono de uma empresa que prestava serviços para o Dores e que, no site do clube, constava na lista de conselheiros, Vilson Kozoroski, foram indiciados por estelionato. Na ocasião, Londero e Kozoroski preferiram não se manifestar sobre o caso. O advogado do Clube Dores, Ricardo Blattes, afirmou que o caso ainda está com o Ministério Público, que havia pedido uma prorrogação do prazo para a conclusão. Por enquanto, ninguém foi denunciado à Justiça
Furto de 100 mil sacas de soja em Júlio de Castilhos
- Desde novembro de 2014, a Polícia Civil de Júlio de Castilhos investiga o desaparecimento de cerca de 100 mil sacas de soja da Cerealista Agrodeltha. Aproximadamente 130 produtores foram prejudicados. O prejuízo pode chegar a mais ou menos R$ 6 milhões. Várias pessoas tiveram os bens bloqueados pela Justiça. Segundo a delegada Alessandra Cristina Padula, o inquérito já conta com mais de 7,5 mil páginas. Já foram ouvidas mais de 20 pessoas e analisadas diversas contas bancárias, fase na qual continua a investigação. Cerca de 10 pessoas continuam como suspeitas. A expectativa da delegada é concluir o inquérito ainda este ano