Com idades entre cinco e 11 anos, quatro irmãos eram agredidos pelos pais, passavam fome e não iam à escola. Mesmo com uma determinação judicial para serem encaminhados com urgência a um abrigo de Porto Alegre, eles tiveram de esperar por vagas nesses locais, onde crianças já dormiam no chão.
Alvo de disputa judicial entre Ministério Público e Prefeitura, o problema está longe da solução. O MP planeja recorrer de uma decisão judicial que suspendeu a abertura de novas vagas no serviço, divulgada na quarta-feira pelo Executivo.
Em 2014, apenas um abrigo público não oferecia perigo aos acolhidos
Após tomar conhecimento do caso dos quatros irmãos, que ocorreu em 2014, o MP abriu um inquérito sobre a falta de vagas nesse serviço. A investigação apurou que a carência era de espaço para pelo menos 200 crianças e adolescentes em situação de risco, e por isso o órgão decidiu brigar na Justiça contra a superlotação.
No último mês, a pedido do MP em uma ação civil pública, o Judiciário determinou liminarmente que a Prefeitura incluísse na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 um projeto para a criação e manutenção dessas 200 novas vagas. Na decisão, o juiz Carlos Francisco Gross determinou que em um prazo de 180 dias seja apresentado cronograma de obras ou convênios para a abertura dos espaços.
Com ritmo de reformas atual, abrigos só deixarão de ser insalubres em 2018
"A necessidade de um maior número de vagas para abrigamentos é demanda pública que não pode aguardar, notadamente quando o próprio município é confesso da incapacidade do sistema existente", apontou o magistrado. Alegando que a proteção "não se faz apenas com abrigamento", o Executivo recorreu da decisão.
Afirmou que investiu seis vezes mais na Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) nos últimos 15 anos, e que "outros pontos da política de proteção merecem muito mais atenção". Com isso, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça concedeu ao município o efeito suspensivo da liminar que determinava a abertura das vagas, da 1ª Vara do Juizado da Infância e Juventude da Capital.
Governo federal deve reajustar verba para municípios manterem abrigos
A suspensão atrasa ainda mais a solução de um problema histórico em Porto Alegre, que deixa crianças em situação de risco sem proteção. Conforme apurações do MP, há fila de espera para os abrigos e crianças dormindo em bancos ou no chão, o que justifica a abertura de novas vagas. Embora ainda não tenha sido notificado da suspensão, o órgão planeja recorrer da decisão.
A promotoria da Infância e da Juventude esclarece que o ideal não seria ter de abrir novos abrigos, mas trabalhar para que os acolhidos fiquem menos de dois anos nesses locais, tempo máximo permitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, por falhas na rede, muitos abrigados passam mais tempo que o permitido nessas casas. A consequência é uma fila de espera para novos ingressos e a necessidade de mais vagas, segundo o órgão.
Juíza instaurou portarias para apurar irregularidades em abrigos
Caso o MP recorra da suspensão, o município deve seguir na briga pela não abertura das vagas. A Fasc afirma que o acolhimento institucional é "a última medida", e os recursos públicos devem ser aplicados em ações preventivas que "minimizarão" a demanda por abrigamento. Para amenizar a superlotação do serviço, o Executivo abrirá um novo abrigo este ano, com espaço para 20 crianças ou adolescentes. Embora a carência atual apontada pelo MP seja de 200 vagas, não há cronograma de obras previsto para novos espaços.
Em julho, Zero Hora publicou reportagem especial sobre a situação dos 104 abrigos de Porto Alegre. À época, conforme o MP, 18% das casas estavam superlotadas - quando abrigavam mais crianças e adolescentes do que o máximo permitido pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Além da superlotação, o MP ainda investigou casos de abuso sexual, maus-tratos e negligência.
Clique na imagem abaixo para ler o especial: