- Me orgulho desse líder tão próximo às praticas de Jesus, tão humano, tão lúcido para este momento atual da humanidade. Um homem sem preconceitos, um homem que procura, em tudo, orientar. Não está preocupado em condenar e nem moralizar. Assim é a imgem do papa Francisco para Maria Aparecida Marques, irmã franciscana de Santa Maria.
Papa Francisco vem assumindo uma série de posicionamentos polêmicos e surpreendendo muitos fiéis
O olhar diferente do papa
Padre Antonio Dalla Costa - doutor em teologia e coordenador da Faculdade Palotina de Santa Maria (Fapas) - acredita que para entender a forma que o Papa vê o mundo é preciso olhar para suas raízes. O argentino teve sua vida religiosa moldada dentro da cultura latino-americana, de Terceiro Mundo, muito diferente da realidade europeia:
- Ele tem uma experiência religiosa, de comunidade e de história de povo sofrido. Isso tem de ser considerado. Então, é alguém que não fala centrado na visão europeia de mundo.
Papa Francisco pelo olhar de dois religiosos de Santa Maria
O professor e coordenador do curso de teologia da Fapas, Vanderlei Luiz Cargnin, ressalta que outro aspecto novo trazido por Francisco foi sua capacidade de comunicação. Além de se colocar como igual - como na semana passada, quando foi pessoalmente a uma ótica trocar as lentes de seus óculos - ele usa uma linguagem extremamente simples.
- Ele tem, por exemplo, o costume de ligar para as pessoas quando percebe que elas têm um problema. Isso não se via nos outros papas. Também tem a forma com que ele se comunica por palavras, direta e simples. Se você pegar os documentos que escreve, vai perceber uma linguagem que as pessoas entendem - avalia.
É dessa forma modesta que Francisco vem colocando em prática um discurso que prioriza a misericórdia em detrimento da rigidez das leis católicas. Porém, Dalla Costa ressalta que nem tudo o que o Papa diz é novo. Esse posicionamento nada mais é do que o princípio do Evangelho, que recebeu menos ênfase em certos momentos da história. Além disso, diz o teólogo, Francisco recupera e traz presentes as conclusões do Concílio Vaticano II - uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965 com objetivo de modernizar a Igreja:
- Ele simplesmente assume o projeto de Jesus. Ele diz "quem sou eu para julgar?". Se o Papa diz isso, se Cristo dizia isso, como posso me dar ao direito de julgar as pessoas?
Efeitos no futuro
Questionada sobre os efeitos que a abertura papal pode trazer ao futuro da Igreja, a irmã franciscana Maria Aparecida Marques projeta um legado esclarecedor sobre questões como aborto, homossexualidade e divórcio.
- O Santo Padre não está em nenhum momento minimizando a gravidade do problema, mas querendo ajudar-nos a sermos misericordiosos com quem erra, até porque errar é uma fraqueza de que todos somos portadores - diz.
Dalla Costa crê que o Papa não consegue ficar imune ao sofrimento alheio e que "quem se coloca no lugar do outro não joga pedras".
- O cristianismo é um grande espaço de humanização. A Igreja não pode ser espaço de autoritarismo, de violência e de desrespeito. O Papa nos mostra isso claramente - afirma.
Anulações facilitadas e piedade aos divorciados
Francisco anunciou, dias atrás, uma série de medidas para simplificar a anulação de casamentos. A reforma poderá facilitar a vida de católicos que desejam encerrar uma relação para, assim, poder iniciar um novo matrimônio com a benção da Igreja Católica. As medidas são fruto do trabalho iniciado em setembro do ano passado, quando o Papa nomeou uma comissão para propor processos para "simplificá-los e racionalizá-los".
O principal benefício da reforma é o acesso a decisões mais rápidas. A mudança permitirá que a anulação seja concedida diretamente por bispos. Até então, dentro do Direito Canônico, para conseguir o "Decreto de Nulidade", os casais precisavam da aprovação de dois tribunais da Igreja. Também era necessário indicar testemunhas e apresentar fatos da vida conjugal e do namoro para conseguir a anulação. Sem o decreto, católicos que se divorciam e voltam a casar, fora da Igreja, são considerados adúlteros e não podem, por exemplo, receber comunhão. Mesmo assim, o Papa prega a solidariedade com casais divorciados e diz que não merecem ser tratados como excomungados.
- É importante entender que o Papa não está liberando o divórcio. Mas, sim, simplificando, retirando a burocracia para que a coisa seja mais simples - comenta Vanderlei Luiz Cargnin, professor de Teologia da Faculdade Palotina de Santa Maria (Fapas).
O teólogo Antonio Dalla Costa acrescenta que o princípio de misericórdia adotado por Francisco na questão do matrimônio é o mesmo que norteia todas as outras polêmicas posições adotadas pelo Pontífice.
- Você não joga um peso demasiado e desnecessário nas pessoas. O Papa sempre olha por esse aspecto profundamente evangélico. Qual a grande lei de Cristo? A da misericórdia, do acolhimento. Não é relativizar valores, é simplesmente pensar o que é mais importante: a pessoa ou leis rígidas? - analisa.
Quem aborta e se arrepende terá perdão
Se não apoiasse os ensinamentos da Igreja Católica, Jorge Bergoglio não seria padre, tampouco teria se tornado Papa. O argentino também faz coro a seus predecessores - João Paulo II e Bento 16 - quando reafirma que a vida humana é sagrada e precisa ser sempre defendida. Porém, Francisco também é adepto da premissa de que o perdão de Deus não pode ser negado para aqueles que se arrependem.
E, em mais um indicativo de sua posição menos condenatória, que prioriza a misericórdia à moral, o pontífice anunciou que vai autorizar todos os padres a absolverem mulheres católicas que tenham feito aborto. O perdão, desde que seja buscado com o "coração constrito", também poderá ser dado aos médicos que tenham realizado os procedimentos.
Na carta em que detalha as medidas, que serão reafirmadas no Santo Ano da Misericórdia, com início em dezembro, Francisco disse estar a par da pressão que as mulheres sofrem e revelou conhecer muitas que "guardam em seu coração a ferida dessa decisão dolorosa". Até então, somente os bispos tinham arbítrio para lidar com a confissão para pecados considerados graves como o aborto.
O padre palotino e doutor em teologia Antonio Dalla Costa explica que isso não significa que Francisco está dizendo que aborto não é pecado perante o catolicismo.
- Ele simplesmente está dizendo, dentro de um princípio de humanização, de acolhimento, que a pessoa que confessa um pecado de aborto já está sofrendo. Então, ela não precisa que alguém a recrimine mais ainda, mas que a acolha e a ajude a fazer com que se levante - avalia.
A irmã Maria Aparecida Marques diz ainda que, apesar de o aborto não ser uma questão simples ao Papa, ele quer o vínculo do perdão facilitado.
Respeito aos homossexuais
Aposição do papa Francisco sobre a homossexualidade não chega a ser uma novidade. "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", afirmou a um grupo de jornalistas, em 2013, após a Jornada Mundial da Juventude. Mesmo assim, o assunto continua como um dos mais polêmicos da movimentada agenda papal.
Apesar de enfrentar grande resistência da ala mais conservadora da Igreja Católica, já houve um aceno aos casais de mesmo sexo. Numa expressiva mudança de tom, o Vaticano defendeu um tratamento igualitário a gays. O documento preparado durante uma semana de discussões sobre temas relacionados à família no Sínodo dos Bispos, no ano passado, propôs o desafio de encontrar um espaço fraternal para eles. O relatório final recomenda também que homens e mulheres homossexuais sejam "amparados com respeito e delicadeza" e que se evitará "qualquer marca de discriminação".
- O aborto não é uma questão simples, mas o Papa quer que o veículo do perdão seja facilitado e mais próximo, deslocando essa prerrogativa de ser somente perdoado pelo bispo, para que também seja perdoado pelo sacerdote. O mesmo se diga da homossexualidade, da qual o Papa não quer ser juiz, deixando para Deus o julgamento, porque só Ele conhece a fundo as consciências - comenta a irmã franciscana Maria Aparecida Marques.
Como era de se esperar, apesar da inegável boa vontade, tópicos como a expressão "boas-vindas aos homossexuais" foram barrados. E, ao que parece, diante da posição dos 183 religiosos que participaram do Sínodo, o fato de os homossexuais não serem reconhecidos como uma família legítima ainda é a maior barreira a ser quebrada.
A vocação conciliadora
Uma nova polêmica envolvendo o papa Francisco teve início após o líder mor da Igreja Católica ser fotografado segurando um cartaz que defendia o diálogo entre Argentina e o Reino Unido sobre as Ilhas Malvinas. Em 1982, uma guerra entre os dois países, que disputavam o território de Falklands, terminou com derrota dos sul-americanos.
Mas essa não foi a primeira mostra de sua vocação conciliadora. Em agosto do ano passado, durante uma passagem de cinco dias pela Coreia do Sul, primeira visita papal à Ásia em 15 anos, Francisco pediu por paz e reconciliação diante da dívida da península coreana. Além de mandar uma mensagem de boa vontade à China, o pontífice aproveitou a oportunidade para rezar com um grupo de "mulheres de conforto".
Elas haviam sido forçadas a servir como escravas sexuais para soldados japoneses que ocuparam o país antes e durante a 2 Guerra Mundial.
Antes disso, após uma visita a Israel e à Palestina, o líder religioso reuniu autoridades das duas nações para rezar e pedir pela paz no Oriente Médio. Atitudes como essas soam tão significativas como a crucial participação de Francisco na retomada de relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, que estavam paralisadas desde 1961. Tanto o presidente norte-americano Barack Obama quanto o ditador cubano Raúl Castro agradeceram publicamente a mediação do Papa no diálogo entre os dois países.
Meio ambiente e capitalismo na pauta
Francisco não é somente o primeiro latino-americano a chegar ao posto máximo da Igreja Católica. Ele também é o primeiro a usar dados científicos para descrever o aquecimento global como um problema causado pelo homem. Em Laudato Si, uma encíclica - importante documento de ensinamentos católicos - sobre o meio-ambiente, também denunciou a incessante busca do lucro a qualquer custo. Ao longo de 192 páginas, afirma que o desflorestamento e o uso indiscriminado de combustíveis fósseis estão transformando o planeta em um "imenso depósito de lixo".
Outra importante questão abordada no documento foi tratada abertamente no 2 Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado em julho, na Bolívia. "A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, a tarefa é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e aos povos o que lhes pertence", afirmou diante de centenas de representantes de movimentos sociais de inúmeros países, ente eles o MST, quilombolas e indígenas brasileiros.
Em 2009, o papa Bento 16 já havia expressado preocupações semelhantes, pedindo inclusive uma nova ordem financeira que fosse pautada pela ética e pelo bem comum. O discurso politizado vem sendo reproduzido por Francisco, que chamou o capitalismo de "ditadura sutil" e definiu a globalização como um sistema econômico seletivo. Não por acaso, já foi acusado de marxista com tendências comunistas.