Ainda faltam pouco mais de quatro meses para a virada do ano, mas empresários, analistas de mercado e investidores não veem a hora de se vestir de branco, pular sete ondinhas e deixar 2015 para trás. Com o ritmo fraco da economia - a projeção mais recente é de recuo de 1,76% no Produto Interno Bruto (PIB), a pior queda desde 1990 -, é consenso que este já é um ano "perdido". A dúvida é justamente quando o país será capaz de superar a crise que enfrenta hoje e voltar a crescer de maneira sustentada.
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A despeito das incertezas sobre a recuperação, a estimativa é de que o cenário ainda piore antes de melhorar. A boa notícia é que o fundo do poço está próximo e deve ser atingido ainda neste terceiro trimestre - com queda no consumo das famílias e retração maior nos investimentos privados e gastos do governo.
Mas a velocidade da escalada de volta, na visão dos especialistas, vai depender da capacidade do governo de ganhar impulso firmando o pé em pedras hoje bastante soltas: desanuviar a conturbada relação com o Congresso, aplicar as medidas de ajuste fiscal necessárias, controlar a inflação que anda acima da meta estabelecida há meses e reconquistar a confiança do empresariado, bastante reticente em investir.
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A indústria automobilística é um bom exemplo do desânimo que tem atingido setores da economia em 2015. As montadoras iniciaram o ano prevendo crescimento de 4% na produção de veículos. Passado o primeiro semestre, refizeram a conta: agora apostam em queda de 17,8% em relação ao ano passado. Em julho, a produção deu sinal de recuperação ao crescer 7,1%. Mesmo assim, quando a comparação é feita com o mesmo mês de 2014 o dado é negativo: queda de 22,8%.
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Os números começaram a ser revistos ainda em abril, mas nos últimos meses a expectativa de tombo só cresceu. Processo bastante semelhante ocorreu com outros segmentos da indústria e também com as vendas no comércio e com a construção civil - responsável por boa parte dos empregos gerados no país.
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Com um caminho cheio de percalços, é difícil encontrar analistas que se considerem otimistas. A maioria prefere se definir como mais ou menos pessimista. Mas há ainda aqueles totalmente céticos quanto à capacidade de saída no curto prazo e que avaliam que a crise deve se estender e chegar às portas da próxima eleição, em 2018.
Zero Hora ouviu 10 analistas, de diferentes matizes ideológicas e área de atuação, na iniciativa privada e no meio acadêmico, para entender o que tem feito cada um deles desejar Feliz Ano Novo ainda em agosto.
VISÃO OTIMISTA
MARCELO PORTUGAL
Economista e professor da UFRGS
Deve começar a melhorar no segundo semestre de 2016. Como um todo, o ano vai ter crescimento zero: primeiro semestre de queda, mas uma segunda metade de retomada. O câmbio mais desvalorizado estimula a indústria que exporta e incentiva o consumo de produtos domésticos, já que os importados ficam mais caros. A inflação já vai estar mais baixa porque o aumento do juro vai ter tido efeito. O Banco Central deve continuar subindo o juro agora, mas vai começar a reduzir a partir de março. Depois disso, as perspectivas melhoram gradualmente. Até porque os índices de confiança não podem continuar caindo sem parar. Em algum momento voltam a subir.
JULIO CÉSAR GOMES DE ALMEIDA
Professor da Unicamp, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e ex-diretor-executivo do Iedi
Começa a ficar menos ruim no primeiro semestre de 2016, mas crescimento só a partir da segunda metade do ano. Isso se as forças políticas do país não continuarem jogando contra as medidas tomadas pelo governo e a Polícia Federal tiver concluído suas investigações. É preciso lembrar que a economia já vinha fraca antes mesmo da fragmentação política no Congresso e dos escândalos de corrupção na Petrobras impactarem o setor produtivo. Quando essa situação passar, a economia brasileira vai voltar a deparar com o potencial que realmente tem: um setor habitacional a ser explorado, um grande mercado consumidor e o agronegócio forte.
CARLOS THADEU DE FREITAS
Ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC)
O juro mais alto este ano já conseguiu reduzir a expectativa de inflação no futuro e isto é muito importante, tanto para os consumidores voltarem a comprar quanto para os empresários decidirem investir. O governo já fez algumas coisas que há muito precisavam ser feitas, como o realinhamento de preços controlados - energia, combustível e transporte público. O pior já passou. O dólar mais alto ajudou a melhorar a balança comercial, mas qualquer cenário traçado agora é uma probabilidade. Há muito ainda a ser feito, medidas de ajuste fiscal a serem adotadas. E o ministro Joaquim Levy, apesar de ter feito o que pode, enfrenta uma resistência forte no Congresso.
MAURÍCIO MOLAN
Economista-chefe do Santander
Apostamos em uma recuperação ao longo de 2016. No geral do ano, a economia ainda não vai ficar no campo positivo, mas já vai dar sinais de retomada no segundo semestre. Vai depender se o Banco Central começar a reduzir gradativamente a taxa de juro. Tudo indica que o BC vai se mostrar menos rigoroso com a convergência da inflação para o centro da meta e permitir um afrouxamento monetário ao longo de 2016. E este é um fator determinante para criação de um ciclo positivo para a economia. Mas é importante também não desconsiderar outros fatores importantes, como o ambiente internacional e a situação política.
VISÃO MODERADA
FERNANDO FERRARI
Economista e professor da UFRGS
Em 2015 teremos um aperto fiscal muito pequeno tendo em vista a dificuldade do Planalto de convencer o Congresso da adoção de medidas de ajuste. Então, devem vir com mais força em 2016. Além disso, o aumento na taxa de juro contamina a decisão futura dos empresários, que devem diminuir investimentos no ano que vem. Devemos voltar a crescer - e de forma tímida - só em 2017, algo em torno de 2%, a média nos primeiros três anos do governo Dilma. Este ano, vamos ter recuo acentuado e, em 2016, devemos ficar bem próximos de zero. A tendência é de que, de olho nas eleições, o governo volte a liberar incentivos a partir do segundo trimestre de 2017.
JOSÉ LUIZ DA COSTA OREIRO
Professor de economia da UFRJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira
Nos últimos sete anos, o Brasil passou por uma mudança estrutural perversa com a perda de participação da indústria na economia. Além dos problemas conjunturais que já nos afetam - ciclo de juro, ajuste fiscal, Operação Lava-Jato -, foi reduzido o potencial de crescimento do país. E para mudar não é da noite para o dia. É preciso fazer ajustes na relação entre salário e câmbio para incentivar a produção de fábricas que vendem produtos no mercado internacional, e isso leva, no mínimo, dois anos. Em termos de taxas de emprego, ainda nem chegamos ao fundo do poço.
O desemprego deve chegar a 9% antes de haver qualquer melhora no cenário.
SAMY DANA
Economista e professor de finanças da Fundação Getulio Vargas
Melhora só em 2017. É como se fosse um paciente obeso que em 2015 se recusou a fazer dieta. Sem ajuste nas contas não é possível nem ter esperança de recuperação. Se começar em 2016, não significa que a saúde estará restabelecida no ano seguinte, mas vai mostrar disposição, o que vai ajudar a reconquistar a confiança dos empresários e dos consumidores. Se a meta de ajuste fiscal não for revista e o governo não conseguir resolver este impasse político, corremos o risco de termos um outro ano perdido em 2016.
É importante considerar a chance de as agências de classificação de risco reduzirem a nota do país, o que dificultaria a retomada.
CELSO PUDWELL
Economista do BRDE
A extensão da crise econômica vai depender muito da extensão da crise política.
O país pode voltar a crescer, de maneira tímida, em 2017, mas isso obedece a várias condições. Primeiro, a manutenção do grau de investimento e, depois, a aplicação do ajuste fiscal e a não aprovação das pautas-bomba. Sem isso, o crescimento vai ficar para 2018 ou até mais tarde. Enquanto não houver uma pauta mínima em comum entre governo e oposição fica difícil. Em 2016, a inflação já vai estar menor, por conta da própria crise, e o Banco Central deve começar a baixar o juro no segundo semestre, o que permite pensar em avanço do PIB para 2017.
VISÃO PESSIMISTA
MARCÍLIO MARQUES MOREIRA
Ministro da Fazenda durante o governo Fernando Collor e ex-embaixador nos Estados Unidos
É preciso discutir primeiro quando o governo vai conseguir de fato aplicar um ajuste fiscal. Para voltar a ter PIB positivo, vários fatores têm forte influência. Entre eles, a velocidade da recuperação da economia americana e a capacidade do Brasil a adotar reformas estruturantes. E essa última depende principalmente da capacidade de diálogo do governo com o Congresso, o que é muito difícil de imaginar no curto prazo. Ainda mais porque parte desse relacionamento parece depender dos avanços na investigação da Operação Lava-Jato. Não acredito em um ajuste mais forte nas contas antes de 2017. E só podemos falar em crescimento depois disso.
PAULO RABELLO DE CASTRO
Economista e presidente da SR Rating, empresa brasileira de classificação de riscos de crédito
A questão mais difícil não é quanto vai durar a crise, mas até quando vamos permanecer na armadilha de baixo crescimento.
É possível traçar algumas possibilidades.
O mais importante não é olhar quando vamos alcançar novamente os bons índices de emprego de 2013, mas quando vai haver o ponto de virada: o desemprego parar de aumentar. Se reformas estruturais, como simplificação tributária, previdência e racionalização da legislação trabalhista, forem adotadas em 2015 - hipótese hoje afastada -, isso começaria a ocorrer ainda em meados de 2016. Sem isso, a recuperação virá pela linha mais lenta, pode ser em 2018, 2019 ou até 2020.