A inundação que fez submergir bairros de pelo menos 63 municípios no Estado e obrigou 47 mil famílias a sair de suas casas não é consequência exclusiva da chuva ininterrupta - que deve dar um alívio a partir desta terça-feira em algumas regiões, segundo a previsão do tempo.
O aguaceiro foi potencializado por fatores como falta de planejamento urbano, má conservação de arroios e falta de recursos, além da demora em implementar um projeto de combate a cheias elaborado há quase uma década.
Dois municípios da Região Metropolitana são exemplos dessa situação. Bairros de Esteio e Alvorada estão entre os locais que mais sofreram com chuvaradas nos últimos anos e ilustram por que o cidadão espera tanto tempo por soluções.
Esteio enfrentou outra grande enchente em 2013 e, agora, decretou situação de emergência. Essa rotina seria amenizada com a implantação de um plano de combate a cheias elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e entregue à prefeitura em 2006.
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O trabalho do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) recomendou a construção de um dique no Arroio Sapucaia e de reservatórios capazes de acumular a água da chuva e liberá-la aos poucos. Isso é necessário porque a região é baixa, plana e recebe o que é escoado de municípios próximos. Parte do dique foi erguida, e os reservatórios, não.
- Sem os reservatórios, o dique não resolve muito. O sistema completo reduziria bastante o impacto das chuvas - afirma o professor de hidrologia do IPH Joel Avruch Goldenfum, um dos responsáveis pelo estudo.
O caso de Esteio também demonstra as diferentes responsabilidades envolvidas. O prefeito é o primeiro gestor a ser cobrado, mas não o único. Como uma mesma bacia hidrográfica costuma abranger diferentes cidades, muitas vezes é preciso articulação entre municípios para buscar saídas comuns.
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A Metroplan, órgão do Estado, se uniu a prefeituras em 2013 para elaborar planos contra as cheias no Rio Gravataí, na bacia do Sinos, entre Alvorada e Porto Alegre e em Eldorado do Sul - mas o início tardio e os prazos de conclusão impedem benefícios imediatos.
- Os estudos têm prazo de 18 a 24 meses para ficar prontos. Depois de apontarem as melhores soluções, será necessário ir atrás dos recursos - admite o diretor de incentivo ao desenvolvimento da Metroplan, Rodrigo Lorenzoni.
Aí entra a terceira esfera de responsabilidade: como os recursos para obras de macrodrenagem são vultosos, o governo federal tem papel importante.
- O município não tem como arcar com mais de R$ 130 milhões para implantar os reservatórios, por isso aguardamos uma decisão política do governo federal redirecionando verba do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para esse fim - afirma a secretária municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Esteio, Joceane Gasparetto.
Essas medidas não seriam fundamentais, conforme Goldenfum, se os municípios ordenassem sua urbanização. A ocupação de áreas à margem de arroios como o Feijó, em Alvorada, agrava o problema. O córrego de Alvorada, que faz parte dos estudos da Metroplan, também sofre com a falta de dragagem. A prefeitura informou que negociaria com o governo do Estado a volta de um equipamento que estava no local até o ano passado. O governador José Ivo Sartori assinou ontem situação de emergência coletiva em 26 municípios e formalizou a criação de um gabinete de crise.
Veja fotos da chuva na segunda-feira: