O historiador britânico Christopher Clark deu a seu instigante estudo sobre as origens da I Guerra Mundial o título de Os Sonâmbulos. Era uma referência à maneira cega como os líderes europeus caminharam para o abismo.
O ex-premier belga Guy Verhofstadt usou o mesmo termo para descrever a maneira como os países da zona do euro negociaram a dívida grega até junho, quando Atenas entrou em moratória com o Fundo Monetário Internacional (FMI). E é difícil discordar dele depois de ouvir o depoimento do ex-ministro grego Yanis Varoufakis sobre o Eurogrupo.
- Havia muitas coisas interessantes, mas também, ao estar dentro (da negociação), se confirmaram meus piores temores. A total falta de escrúpulos democráticos dos supostos defensores da democracia europeia. Saber que nossa análise e a deles era a mesma e que, ao mesmo tempo, nos encaravam e nos diziam: "Vocês têm razão, mas nós vamos esmagá-los de qualquer jeito" - disse Varoufakis, que na quarta-feira foi um dos 64 parlamentares a votar contra o acordo.
Parlamento grego aprova acordo da dívida por 229 votos a 64 e seis abstenções
Se Varoufakis parecer suspeito, vale ouvir o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, dando sua versão da negociação a um canal de TV holandês:
- Você tem de perceber que, se nós fôssemos realizar referendos nos outros 18 países para saber se deveríamos dar mais dinheiro à Grécia, o resultado teria sido muito mais impactante e mais negativo do que os 60% que votaram na Grécia.
Diferentemente do Eurogrupo, o FMI tem estatutos e controle dos executivos por um conselho diretivo. Horas antes da votação em Atenas, a diretora-gerente, Christine Lagarde, disse que a dívida grega tem de ser reestruturada. Em miúdos: as obrigações da Grécia com os credores são impagáveis.
Os europoderosos preferem ignorar essas e outras evidências de que suas metas e métodos são parte do problema. Na Espanha, o governo do PP usará a votação do acordo no parlamento como arma contra a oposição. Na Alemanha, a negociação com a Grécia já é criticada por arrogante. Em 2012, a União Europeia ganhou o Nobel da Paz. Para o sonambulismo, os prêmios são menos honrosos.
Olhar Global
Luiz Antônio Araujo: sonambulismo
Leia a coluna Olhar Global desta quinta-feira em ZH
Luiz Antônio Araujo
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project