Vagas insuficientes, muitas delas com qualidade questionável, e incoerência na distribuição de recursos da educação infantil. O cenário mapeado por um relatório inédito realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), o qual o Diário Gaúcho obteve via Lei de Acesso a Informação, coloca a Capital em uma posição vergonhosa e ajuda a entender porque é tão difícil conseguir uma vaga na rede de educação infantil pública de Porto Alegre.
O relatório escancara as dificuldades de infraestrutura das creches conveniadas, instituições que detêm quase 70% das vagas.
Porto Alegre tem a menor oferta de vagas no país para crianças entre zero e cinco anos em escolas da rede municipal. Há apenas 6.134 vagas para um universo de 94.929 crianças, o equivalente a 6,46% da população nesta faixa etária.
A média de atendimento entre as 26 capitais é de 23,42%. Ou seja: a capital gaúcha está 3,5 vezes abaixo deste índice nas vagas gratuitas.
Menor qualidade
Quando o quesito é escola conveniada, a posição se inverte. Na faixa dos zero aos cinco anos, Porto Alegre figura como a terceira capital com maior percentual de crianças matriculadas em instituições conveniadas com a prefeitura. O TCE mostra, porém, que o valor direcionado para o custeio dessas instituições é muito menor do que o necessário.
A Capital tem 41 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) e 219 Instituições de Educação Infantil Comunitárias (IEIC), escolinhas mantidas por associações e que recebem ajuda financeira da prefeitura. Em 2014, foram ofertadas 6.134 matrículas na rede municipal e 13.986 na rede conveniada.
Embora 69,5% das matrículas fossem de instituições conveniadas, contra 30,5% de Emeis no ano passado, as conveniadas receberam 48,62% dos recursos em 2014, enquanto as Emeis ficaram com 50,19% dos recursos. Outros 1,19% foram direcionados para compra de vagas.
Ou seja, as instituições conveniadas atendem a quase três quartos da oferta total de vagas, mas recebem menos da metade do total de recursos da educação infantil.
Aluno mais barato
Por ano, um aluno de Emei custa R$ 8,8 mil, enquanto o mesmo da rede conveniada sai por R$ 3 mil. Para fins de comparação, em São Paulo, o repasse para uma instituição conveniada de 115 crianças atinge o montante de R$ 58 mil. Enquanto isso, em Porto Alegre, uma escola com o mesmo porte sobrevive com R$ 33 mil, pouco mais da metade do valor.
Neste momento, o TCE analisa os esclarecimentos prestados pelo município em relação aos apontamentos do relatório. Na sequência, o material será enviado para análise do Ministério Público de Contas (MPC) para, então, ir para julgamento da Corte.
Enquanto isso... Sem creche, filhos ficam com a avó
Desde que começou a trabalhar como frentista, há um ano e meio, Michelle Silva de Castro, 26 anos, busca vagas no turno da manhã em creches conveniadas e em Emeis para os filhos Matheus, dois anos, e Ana Clara, quatro anos. Chegou a tentar pagar uma escolinha particular, porém, não conseguiu bancar a mensalidade de R$ 600 para os dois.
Sem alternativas, deixa as crianças com a sua mãe, Mardilei Terezinha de Castro, 52 anos, que mora próximo à sua casa, no Bairro Partenon.
- Sinto pela minha filha, que quer muito ir à escolinha e fica até fantasiando que tem coleguinhas - lamenta Michelle.
As diferenças entre as instituições
Emeis
- Construídas e mantidas exclusivamente pelo poder público.
- Os pais não pagam mensalidade.
- Totalizam 30,5% das matrículas públicas da Capital.
- Cada aluno custa R$ 8,8 mil por ano para a prefeitura.
- Receberam, em 2014, 50,19% dos recursos destinados às vagas na educação infantil pela prefeitura.
Conveniadas
- Construídas e mantidas por associações e entidades filantrópicas comunitárias.
- Recebem ajuda de custo da prefeitura, mas os pais pagam mensalidades, que costumam variar entre R$ 100 e R$ 200.
- Totalizam 69,5% das matrículas públicas da Capital.
- Cada aluno custa R$ 3 mil por ano para a prefeitura.
- Receberam, em 2014, 48,62% dos recursos destinados às vagas em educação infantil.
Ana Paula faz malabarismos para oferecer cardápio nutritivo
Em conveniada, professoras fazem vaquinha para comprar frutas
A escassez de recursos reflete em piores condições nas escolas conveniadas. O relatório do TCE aponta que, quando comparados aos matriculados em Emeis, os alunos das conveniadas sujeitam-se a condições inferiores em aspectos como recreação, condição de edificação, salubridade, alimentação e material pedagógico.
O Diário Gaúcho visitou três escolinhas da Lomba do Pinheiro, na Zona Leste da Capital, que comprovam esta realidade. Na Instituição de Educação Infantil Comunitária (IEIC) Vó Belinha, a diretora Ana Paula Flores Tolentino faz malabarismos para manter a qualidade do cardápio dos 120 alunos em quatro refeições diárias.
Da Smed, a instituição recebe, a cada 60 dias, um kit com arroz, feijão, massa e leite que, segundo ela, é suficiente para apenas 20 dias. Passado este período, começa a fase de aperto. Para garantir frutas, verduras e legumes no prato dos pequenos, as professoras, não raro, fazem vaquinhas com o próprio dinheiro.
- Não consigo ter aqui a qualidade que deveria. Na cozinha, somos criativos com o que temos na despensa. Não estamos aqui pelo salário, mas porque a gente gosta _ explica.
Escassez
Hortaliças e carnes, Ana Paula compra fiado em um mercado próximo à escola para pagar no final do mês. No relatório, o TCE classificou como "visivelmente inferiores os recursos alimentares disponíveis nas despensas" das conveniadas comparando com as Emeis. Cita ainda que o cardápio das comunitárias se "adequa aos escassos mantimentos disponíveis". O estudo, inclusive, compara os jantares oferecidos em uma Emei em relação a uma escola conveniada.
Para o primeiro, há no cardápio da semana itens como risoto de frango, feijão e brócolis, em um dia, e, no outro, torta de batata com carne moída, arroz, lentilha, nabo e cenoura. Já na conveniada, o TCE flagrou cardápios que oferecem no jantar pão com margarina e suco, em um dia, bolinho de chuva, em outro, e, no dia seguinte, arroz doce.
Com a verba que recebe mensalmente da prefeitura, Ana Paula mantém em dia a folha de pagamento e não muito mais que isso. Como muitos pais atrasam a mensalidade de R$ 100, a escolinha faz festas beneficentes para arrecadar dinheiro.
- Se a gente esperar pela prefeitura, não fizemos nada - comenta a diretora.
Gurizada tem tratamento de primeira na Emei Maria Marques
Realidades bem diferentes
Em outra conveniada, a IEIC São Francisco de Assis, os problemas estruturais do prédio também comprometem a qualidade do atendimento. Há fiação elétrica exposta, necessidade de adequação dos banheiros e materiais de obra no pátio. Segundo o coordenador Alexandre Souza de Freitas, a escola espera há dois anos reformas estruturais com recursos do Orçamento Participativo.
_ É muito difícil de administrar _ admite ele.
Situada no mesmo bairro das conveniadas, a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Maria Marques Fernandes atende a 117 alunos - dos quais seis são alunos com necessidades especiais -e praticamente poderia abrir outra Emei apenas com a lista de espera de 70 crianças. A diretora Teresina Sá Oliveira não tem queixas a fazer quanto a repasses de verbas. Apenas precisa de jogo de cintura para lidar com a fila dos que esperam por uma vaga.
Assim como as conveniadas, oferece quatro refeições. Porém, na Emei, há sempre um técnico em nutrição na cozinha. Com prédio recém-reformado, possui sala de informática, biblioteca, horta e amplo espaço na pracinha.
As explicações da Smed para...
Acompanhamento das conveniadas
- O convênio com instituições de educação infantil iniciou em Porto Alegre em 1993. Desde então, a coordenadora da educação infantil da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Gislaine Marques Leães, afirma que as escolas estão passando por um processo gradativo de qualificação e que são monitoradas pela Smed por intermédio de assessoramento pedagógico, financeiro e jurídico. Todas elas estão registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Precisam se planejar e prestar contas.
Dificuldade de gestão
- Gislaine explica que, por serem mantidas por associações de bairros, as conveniadas acabam sendo administradas por "pessoas leigas na gestão da instituição".
Qualidade questionável
- A diferença no valor investido por aluno de uma Emei para uma conveniada, segundo ela, acontece principalmente devido aos gastos com a folha de pagamento dos professores municipais, que têm plano de carreira.
- Segundo Gislaine, isso repercute no custo por aluno, mas a Smed está trabalhando para equilibrar as diferenças, com uma política de capacitação.
- A qualidade no atendimento, avalia Gislaine, não é tão atingida, pois há muitas instituições (conveniadas) que estão muito bem.
- Das 220 conveniadas, 133 possuem credenciamento no Conselho Municipal de Educação e, por isso, são consideradas mais avançadas em termos de qualidade. Em 2005, 90% dos monitores eram educadores leigos. Atualmente, 90 são educadores qualificados.
Obras futuras
- De acordo com a Smed, foi entregue em março deste ano a Emei Miguel Granato Velásquez, no Bairro Sarandi, com capacidade para 166 crianças.
- Estão sendo construídas outras nove Emeis na Capital, com previsão de conclusão até 2016.
Ranking das escolas municipais
Ranking das escolas conveniadas