Conhecida pelo perfil discreto, mas com a tradição de ter presidentes como Dilma Rousseff, Wrana Panizzi e Aod Cunha, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) se viu envolta em polêmicas com a chegada, em janeiro, do novo ocupante do cargo, o economista Igor Morais.
Postagens em seu perfil pessoal no Facebook levaram o Conselho Regional de Economia (Corecon) a publicar nota manifestando preocupação "com os recentes acontecimentos envolvendo denúncias que dizem respeito às críticas e condutas pouco éticas e responsáveis à conjuntura política e econômica em nível nacional". Na semana passada, a divulgação de um estudo apontando que a discriminação por gênero é responsável por apenas um terço da diferença salarial entre homens e mulheres também causou controvérsia.
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O artigo assinado por pesquisadores da instituição incomodou as bancadas do PT e do PC do B, que consideraram a análise "machista e ideológica". Em defesa dos técnicos, foi divulgado um manifesto assinado por 124 economistas de renome, incluindo dois ex-presidentes do Banco Central, Affonso Celso Pastore e Gustavo Loyola, que definiram o debate sobre o documento como "histeria política". Professor de economia da UFRGS, Marcelo Portugal condena o que considera uma "politização da ciência":
- Estudo científico não depende de opinião. Na política sim, cada um apresenta suas ideias e elas tem igual valor. Na ciência é diferente, existe método.
Giácomo Balbinotto Neto, do Departamento de Economia da UFRGS, especialista em mercado de trabalho, avalia que a pesquisa segue metodologias reconhecidas internacionalmente e ressalta a qualidade técnica dos responsáveis pela pesquisa - Guilherme Stein, Vanessa Sulzbach e Mariana Bartels -, de quem foi professor.
O bom desempenho acadêmico dos três é referendado por outros professores da universidade, entre eles Fernando Ferrari, presidente do Corecon.
- O trabalho tem méritos e é alicerçado em uma base de dados séria. Não achei problemático. Os três responsáveis são sérios e competentes - diz Ferrari.
Diferenças de geração e também ideológicas
O incômodo maior entre técnicos da FEE é a velocidade com que a pesquisa foi publicada. Diferentemente de ensaios e da publicação mensal Carta de Conjuntura, que passa por conselhos editoriais antes da divulgação, e por estudos em parceria com entidades como Dieese e a FGTAS sobre o mercado de trabalho, que envolvem um número maior de profissionais, a pesquisa passou apenas pelo crivo da direção técnica e do próprio presidente.
- O problema não foi o resultado, mas o pouco espaço para as divergências, para o debate interno. Ritos foram acelerados de maneira que nunca havia sido antes. Além disso, algumas análises têm mais divulgação que outras - afirma o economista Carlos Paiva, funcionário da FEE há 12 anos.
Por trás das etapas envolvendo a divulgação da pesquisa, contam fontes que acompanham o dia a dia da fundação, está uma disputa ideológica e de gerações. De um lado, o corpo técnico mais antigo, com uma visão econômica que defende maior intervenção do Estado. De outro, um grupo mais jovem e alinhado com ideias liberais. Ao assumir a presidência, Morais teria optado por indicar assessores alinhados com as próprias convicções liberais, deixando de fora funcionários "com mais tempo de casa". Stein e Vanessa foram nomeados no final de 2014.
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Não é a primeira vez que tal embate se desenha dentro da entidade. No governo Yeda Crusius, o professor da PUCRS Adelar Fochezatto assumiu a FEE e optou por indicar um diretor técnico com perfil ideológico diferente do dele, mais parecido com as convicções políticas da maioria dos pesquisadores. Uma estratégia para evitar resistências internas. Fochezatto não comenta o assunto.
- Recebi críticas sobre a gestão, mas recém comecei o trabalho. Acho o julgamento um pouco antecipado. Se exagerei na publicação de algo, já pedi desculpas Aprendi que o cargo público exige mais cuidados. Mas nunca imaginei que o conselho profissional fosse ficar cuidando o que publico na minha rede social - diz o presidente da FEE, Igor Morais, que por 12 anos foi economista-chefe da Federação das Indústrias do RS.
POSTAGENS
- Em seu perfil pessoal no Facebook, o presidente da FEE, Igor Morais, compartilhou imagem de uma mulher negra segurando um acessório que imita um pênis com legenda aludindo à felicidade dos brasileiros com o programa Bolsa Família, "para os mais carentes, inclusive de sexo". No perfil na rede social também são frequentes publicações de artigos e reportagens contra o governo federal.
- Em nota, o Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon), órgão que representa cerca de 5 mil economistas no Estado, criticou o que considera "conduta pouco ética e responsável à conjuntura política e econômica em nível nacional" por parte de Morais.
PESQUISA
- Um estudo sobre o mercado de trabalho aponta a discriminação por gênero como responsável por apenas um terço da diferença salarial entre homens e mulheres. Parlamentares do PT e do PC do B criticaram a pesquisa e a qualificaram como "machista e ideológico".
- Manifesto assinado por 124 economistas defendeu a pesquisa realizada, ressaltando que o documento atende a todas as características de pesquisa científica de qualidade: usa um banco de dados confiável e uma metodologia com respaldo na literatura técnica e que o debate estaria sendo marcado pela histeria política.