- Não estou nada sossegado. Não deixarei de trabalhar. Se não tiver dinheiro para fazer os filmes de ficção, voltarei aos tempos antigos, para o documentário - disse Manoel de Oliveira ao completar cem anos, em dezembro de 2008.
À época, o veterano cineasta português, que morreu nesta terça-feira, aos 106 anos, em sua casa, de parada cardíaca, segundo familiares, comemorava sua espetacular longevidade física e criativa no set de filmagem de Singularidades de uma Rapariga Loira, seu 34º longa-metragem e um dos mais aclamados de sua trajetória.
Depois desse momento de impasse, em que lamentava a falta de maior apoio à produção cinematográfica em Portugal, Oliveira seguiu filmando. Lançou mais dois elogiados longas - O Estranho Caso de Angélica (2010) e O Gebo e a Sombra (2012), participou de projetos coletivos e assinou curtas como O Velho do Restelo (2014), seu último trabalho. Dono de uma trajetória sem precedentes da história do cinema, ele ainda tinha planos de seguir adiante com novos projetos.
Oficialmente, segundo um cartório da cidade do Porto, Oliveira nasceu em 12 de dezembro de 1908. Mas fontes biográficas apontam o dia 11 como o correto - o diretor comemorava seu aniversário no dia 10. Nascido em uma família abastada, Oliveira realizou curtas documentais nos anos 1930, ainda na era do cinema mudo em seus país, e estreou em longa em 1942, com Aniki-Bobó, painel sobre a infância na região do Porto, posteriormente visto como um dos trabalhos precursores do neorrealismo. O fracasso comercial do filme, no
entanto, o afastou do cinema por décadas.
Oliveira retomou carreira nos anos 1970 e, desde então, consagrou-se entre os grandes autores contemporâneos, embora pouco conhecido do grande público. Seus filmes, sobretudo os mais recentes, têm como características a encenação enxuta, o lirismo da narrativa, o flerte com elementos fantásticos e, sobretudo, o destaque às palavras. Destacava grandes temas como o amor, a solidão e a morte espelhando-os tanto em dramas individuais quanto em questões políticas, sociais e históricas.
Foi no ambiente dos grandes festivais e da crítica internacional que Oliveira encontrou maior respaldo a sua obra. Em 2008, ele recebeu a Palma de Ouro especial no Festival de Cannes. No ano seguinte, foi homenageado no Festival de Berlim. O diretor foi entusiasta de primeira hora do suporte digital, que facilitou a continuidade de seu acelerado ritmo de produção, tocado com vigor juvenil.
Portador de uma doença cardíaca crônica, Oliveira apresentava desde 2013 um quadro de saúde mais frágil, que o levou a ser hospitalizado duas vezes. Primeiro, por problemas pulmonares e, depois, em razão de uma infecção bacteriana. Em dezembro de 2013, sua filha Adelaide Trêpa destacou que o pai havia concluído o roteiro de A Igreja do Diabo, projeto inspirado em três contos de Machado de Assis.
Ao comemorar 106 anos, em dezembro passado, Oliveira acompanhou o lançamento de O Velho do Restelo na cidade do Porto. Apresentou o filme de 19 minutos como "uma reflexão sobre a humanidade", inspirado no personagem de um poema épico de Os Lusíadas, de Luís de Camões, que narra os grandes descobrimentos dos navegadores portugueses. Também no final de 2014, Oliveira foi condecorado com o título de Grande Oficial da Legião de Honra francesa, distinção que lhe foi entregue pelo embaixador da França em Portugal.
- Viva o cinema! - bradou ao final de seu discurso de agradecimento.
Principais filmes de Manoel de Oliveira disponíveis nas locadoras
Singularidades de uma Rapariga Loira (2009)
Sempre Bela (2006)
Espelho Mágico (2005)
Um Filme Falado (2003)
O Princípio da Incerteza (2002)
Palavra e Utopia (2000)
A Carta (1999)
Viagem ao Princípio do Mundo (1997)
O Convento (1995)