Na economia, alguns fatos provocam um efeito dominó. No caso do agronegócio, as primeiras peças da fileira que caíram no final dos anos 1990, com o embargo provocado pela doença da vaca louca, na Europa, resultaram na expressiva valorização, de 103% da soja e de 214% do boi vivo, entre 2005 e 2015. Foram os únicos produtos agrícolas com variação bem acima da inflação do IPCA no período, que foi de 72% (veja quadro abaixo).
Mas o que a vaca louca tem a ver com os agropecuaristas da região de Santa Maria? Tem, sim, e muito. É que, no fim dos anos 90, com a descoberta que a doença era transmitida pela ração dada ao gado, que continha restos de animais (ossos, sangue e cartilagens), os países proibiram o uso de ração de origem animal.
- Como não dava mais para usar os restos de animais como fonte de proteína, a alternativa foi introduzir a soja como proteína na ração. Isso aumentou muito a demanda por soja e ajudou a elevar os preços no mercado internacional - afirma o secretário de Desenvolvimento Rural de Santa Maria, Rodrigo Menna Barreto.
Além disso, a soja, que tem seu valor cotado internacionalmente, continuou sendo um dos alimentos mais consumidos pela China, principal compradora da produção da soja gaúcha, onde o grão faz parte do cardápio dos 1,3 bilhão de chineses.
Atraídos pelo alto preço da soja, agricultores do Estado passaram a ampliar significativamente as lavouras no início dos anos 2000. Até produtores do Norte, Planalto e Noroeste arrendaram terras aqui na região de Santa Maria. Como o boi valia muito pouco, dezenas de pecuaristas tiraram o gado dos campos e arrendaram as terras, que, da noite para o dia, viraram lavoura.
Só em Santa Maria, a área de soja passou de 5 mil hectares, em 1999, para 18 mil hectares, em 2005, e para os atuais 45 mil hectares este ano - ou seja, uma área cultivada nove vezes maior.
O efeito dominó foi a diminuição do espaço do gado. Há 10 anos, o rebanho em Santa Maria era de 121 mil cabeças e chegou a 133 mil, em 2011. Porém, em apenas dois anos, caiu assustadoramente para 115 mil, segundo os últimos dados disponíveis, de 2013.
- A pecuária é cíclica. Quando a soja sobe, investe-se mais nela e se reduz o rebanho. Nos últimos três ou quatro anos, houve uma baixa muito grande na pecuária. Com a redução da oferta, sobe o preço. E com menos matrizes (vacas para reprodução), leva mais tempo para recompor o rebanho - afirma o agrônomo da Emater municipal de Santa Maria, Mário Oneide de Azambuja Ribeiro.
De 2005 a 2015, o preço do boi vivo foi o produto agropecuário que teve a maior alta de preços na região, subindo 214%, segundo dados da Emater Regional. Ajudados pelo avanço da soja, cuja cotação subiu 102% no mesmo período, os pecuaristas que resistiram, hoje, respiram aliviados, pois têm uma boa renda. Ruim só para o consumidor, que viu os preços da carne subirem muito.
Agricultor de Santa Maria triplicou área de soja
O agricultor Antonio Carlos Rigo, 46 anos, é um exemplo da boa fase da soja e do avanço sobre áreas de gado. Depois da seca na safra de 2008, ele não teve mais do que reclamar. O clima ajudou, e as colheitas sempre foram boas. Em em geral, o preço da soja esteve valorizado, chegando ao pico de R$ 70 por saca.
Essas últimas seis safras lucrativas deram uma folga de caixa e incentivaram Rigo, o irmão Luiz Antero e a mãe Hilda a ampliar as lavouras de soja da família, que mora em Rincão dos Brasil, perto da Faixa de Rosário.
Até 2010, a família plantava 350 hectares, mas passou a arrendar terras em Dilermando de Aguiar e Júlio de Castilhos, ampliando a área para as atuais 950 hectares. Parte da áreas era usada antes para a pecuária. Os donos tiraram os bois e recebem de oito a 10 sacas de soja por hectare arrendada à lavoura.
- Para dar conta disso, tivemos de comprar três colheitadeiras, três tratores e quatro plantadeiras. Foi um investimento de R$ 1,5 milhão - diz.
Nesta safra, o clima colaborou, e a previsão é de colher média de 50 sacas por hectare. Com a alta do dólar, a soja está subindo de preço (16% nos últimos 30 dias, indo de R$ 54 para R$ 63), o que aumentará seus lucros. O único temor é que, na próxima safra, essa alta da moeda americana, do diesel e da energia elevem muito os preços dos insumos, como adubos e agrotóxicos. Mas Rigo não tem do que reclamar.