Além de uma população pequena, o que Melgaço, no Pará, Jutaí, no Amazonas e a mineira Seritinga têm em comum com quatro cidades da região, Dona Francisca, Santa Margarida do Sul, São João do Polêsine e Vila Nova do Sul? Elas estão entre as 684 cidades brasileiras que conseguiram um feito e tanto: não tiveram nenhum registro de homicídio entre 2008 e 2012. Os moradores desses municípios têm o privilégio de estar entre o 1,6% de brasileiros que moram em cidades onde assassinatos não são preocupação.
Das mais de 5,5 mil cidades do país, só 12,43% conseguiram passar o período sem registrar assassinatos, o que representa que no Brasil naqueles quatro anos, apenas uma em cada oito cidades mantinha um cotidiano sem homicídios.
Os dados são do Mapa da Violência, divulgado pelo Governo Federal no ano passado. Entre as curiosidades trazidas pelo estudo, estão o fato de 92% terem populações com menos de 10 mil habitantes e 17,54% ficarem no Rio Grande do Sul.
A professora Denise Bulegon, 33 anos, o marido dela, o autônomo Luciano Kittel, 37, e o pai dele, o aposentado Edir Kittel, 68, moradores de Dona Francisca sentem-se privilegiados por viverem em uma cidade na qual a tranquilidade ainda faz parte da rotina.
Mesmo que no próximo levantamento do Mapa da Violência o nome de Dona Francisca já não apareça na lista das cidades menos violentas - em 20 de janeiro do ano passado, Celestino das Dores Nascimento, 39 anos, foi morto a facadas na localidade de Trombudo - a sensação entre os moradores é de quem consegue viver longe longe da insegurança.
- É uma cidade tranquila. As crianças brincam na pracinha. As casas não têm grades, conseguimos viver sem paranoia. Há algo aqui muito precioso, que é qualidade de vida - afirma Denise que mantém o hábito de tomar chimarrão em frente à casa todos os dias.
Por precaução, Carmem Almeida, 45 anos, decidiu instalar câmeras de segurança em sua farmácia.
- Até hoje, só tivemos um problema: um arrombamento, em 2007. A gente se previne, porque não dá para brincar com essas coisas. Mas, me sinto muito segura. Quando algo acontece, é, geralmente, porque veio alguém de fora aprontar por aqui - avalia Carmem.
* Colaborou Vanessa Backes
Bem longe da violência
Poder passar o dia com a janela de casa aberta, tomar chimarrão na calçada, conhecer quem mora na casa ao lado. Essas são algumas das comodidades de quem vive em São João do Polêsine.
- Vim para a cidade há cerca de 30 anos, por conta de uma oportunidade de trabalho e nunca mais saí. É um lugar maravilhoso para viver. Eu posso, por exemplo, trabalhar com a porta do meu salão aberta. Sei que, em muitas cidades, já não é assim - diz a cabeleireira Sofia Antonello, 53 anos.
Otávio Schmengler, 24 anos, nasceu na cidade e só saiu de lá quando chegou a hora de fazer faculdade. Sempre que pode, volta para matar a saudade.
- A gente pode sair pela cidade e ir e voltar a pé quando tem uma festa ou algo assim. É um ambiente familiar, onde todos se conhecem e a gente se sente seguro - afirma o engenheiro eletricista.
Uma cidade para criar os filhos
A microempresária Margarete Brum de Brum, 42 anos, é nascida e criada em Santa Margarida do Sul, como gosta de dizer. Ela cresceu conhecendo os vizinhos pelo nome em meio ao que considera um paraíso, por ter tido mais liberdade por conviver um ambiente em que a violência não bate a porta todos os dias. Foi pensando em tudo isso que, quando a filha, Dáfini, 9 meses, nasceu, ela não teve dúvidas de que gostaria que a menina crescesse na cidade.
- Aqui é um lugar ótimo para viver e criar os filhos. Quase não há crimes, principalmente assassinatos - afirma Margarete.
O crime que ainda mais tira o sossego dos moradores da cidade de pouco mais de 2,5 mil habitantes está mais concentrado no campo: o furto de gado. É por isso que a agricultora Eloísa Mota Pereira, por mais que considere a cidade segura, fica atenta ao rebanho. Todos os dias, assim que o sol se põe, ela busca as três vacas para a ordenha, e depois mantém os animais mais perto da casa e de seus cuidados.
- Tanto Vila Nova quanto Santa Margarida são cidades muito seguras. O tamanho delas ajuda bastante a evitar e a resolver os crimes, mesmo os menores. Como ficam distantes de grandes cidades violentas, as pessoas podem dizer que vivem em uma espécie de ilha de segurança - afirma o delegado Jader Duarte, titular das duas cidades.
RECEITA QUE DEU CERTO
Confira os motivos para seus bons indicadores mencionados por moradores, Polícia Civil e Brigada Militar das quatro cidades da região que não tiveram homicídios entre 2008 e 2012:
- Comunicação eficiente entre Polícia Civil e Brigada Militar para troca de informações
- As cidades que não têm delegacia própria ficam perto das que têm uma sede, facilitando o trabalho da polícia
- Distância de grandes cidades violentas
- Combate a outros índices de criminalidade como tráfico e roubos
- Criação de redes de confiança entre os vizinhos, onde um avisa o outro em caso de suspeita de algum crime
- A maioria dos moradores se conhece e, quando percebe a presença de alguém em atitude suspeita avisa a Brigada Militar
- As famílias têm um controle maior sobre onde estão os adolescentes