Consultor de empresas e ex­-gerente da empreiteira Odebrecht, Shinko Nakandakari se transformou há três dias no 13º delator da Operação Lava-Jato, que investiga corrupção na Petrobras.
Qual a credibilidade dessas delações? Governistas insistem em questioná-las, sob dois argumentos: são parciais e fornecidas por criminosos. Já a oposição as usa como aríete contra os governos Dilma e Lula, nos quais teria ocorrido a maior parte dos desvios na estatal.
O certo é que, dentre as centenas de operações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) na última década, a Lava-Jato é a campeã em delações premiadas. Entre os delatores estão dois integrantes da própria Petrobras, três lobistas a serviço de empreiteiras e três doleiros. A identidade dos demais não foi divulgada pelo MPF.
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Grande parte das informações se confirma, outras não vêm acompanhadas de provas. Algumas são embasadas em planilhas, gravações, escutas telefônicas e números de contas bancárias, outras apenas na palavra do delator.
A delação é um acordo que deve ser vantajoso para as duas partes. No caso de quem depõe, o benefício é óbvio: redução da pena e melhores condições na cadeia. No caso da Justiça, acesso a informações que levem à condenação de outros criminosos e possível recuperação de dinheiro desviado. Há promessa de devolução de R$ 1 bilhão nesse caso.
Um modelo é o acerto com 23 cláusulas feito pelo MPF com o doleiro ligado ao PP Alberto Youssef, ao qual Zero Hora teve acesso. A maioria são obrigações firmadas pelo informante com a Justiça. Um exemplo está na cláusula 20: "em caso de rescisão do acordo por responsabilidade do delator, este perderá automaticamente o direito aos benefícios que lhe forem concedidos".
O mesmo ocorre na cláusula 19: "se ficar provado que o colaborador mentiu em relação aos fatos ou sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas, o acordo perderá efeito". Em resumo: caso tenha mentido nas mais de 100 horas de depoimento, além de ficar sujeito ao total das penas, Youssef poderá pegar de um a quatro anos de prisão, por imputar falsamente crimes.
Gagantia de benefício exige comprovações
Para que o acordo de delação tenha validade, as provas apresentadas pelo denunciante precisam ter consistência. Youssef deu como garantias, entre outras, números de contas e nomes de empresas de fachada no Exterior para lavagem de dinheiro (off-shores). A quebra de sigilo telemático (computador) do doleiro ajudou a comprovar sua delação: mensagens mostravam para quem ele enviava dinheiro.
Parte dos recursos financeiros movimentados por Youssef já foi bloqueada para devolução aos cofres públicos, graças a essas informações. O doleiro também está obrigado a depor quantas vezes for preciso. Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, juntos, já deram mais de 10 depoimentos.
O acordo prevê ainda que Youssef fica sujeito a responder aos processos e às penas nos processos da Lava- Jato caso pratique qualquer tipo de crime em um prazo de 10 anos. Após esse período, se cometer algum novo delito, o doleiro também voltará a responder às ações da Lava-Jato, mas apenas por crimes que ainda não tenham prescrito.
- No passado, Youssef fez delação e descumpriu o acordo. Perdeu todos benefícios e foi condenado - pondera uma autoridade que acompanha o caso.
O MPF salienta que, dos 13 delatores, 11 não estavam presos quando assinaram o acordo. Não trocaram as revelações pela liberdade. Por quê? Youssef assegurou que ficará no máximo cinco anos preso, quando poderia pegar décadas de reclusão - algo terrível para um cardiopata como ele. Pedro Barusco também pensou na saúde: tenta enfrentar um câncer ósseo de que sofre longe das grades.
Uma revelação sem evidências
Doleiro não detalhou relação de Dirceu com a fraude (Reprodução)
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) reagiu indignado à afirmativa de que usou por diversas vezes um avião Citation Excel pertencente ao lobista Julio Camargo, da construtora Toyo-Setal. A revelação foi feita pelo doleiro Alberto Youssef, em delação premiada da Lava-Jato.
"Julio Camargo possuía ligações com o PT, notadamente com José Dirceu e Antonio Palocci. Não sei dizer quantas vezes o avião foi utilizado por Dirceu e nem a razão do uso, mas posso afirmar que Camargo e Dirceu são amigos e que o avião foi usado depois do período em que Dirceu foi ministro da Casa Civil. O avião referido fica guardado no hangar 1 da TAM, no Aeroporto de Congonhas (SP)", afirmou Youssef.
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Dirceu desafia o doleiro a oferecer provas adicionais desse uso da aeronave (datas, contratos, valores). Julio Camargo - ele próprio um delator da Lava-Jato - também negou relação com Dirceu, o que resulta em contradição entre duas delações premiadas, criando um problema para a Justiça Federal: qual dos delatores falou a verdade?
Com relação a Palocci, Youssef tem ainda menos detalhes. Limita-
se a dizer que o ex-ministro era amigo do lobista Julio Camargo, um dos que intermediava propina para contratos com a Petrobras.
O vice-líder do governo na Câmara Federal, deputado Carlos Zaratini (PT-SP), aproveita o episódio para colocar todas as delações sob suspeita, na medida em que vêm de pessoas que ele considera sem credibilidade.
- Os delatores ganharam milhões, agora querem sair em liberdade - diz Zaratini.
Uma revelação com evidências
Barusco especificou contas bancárias e valores de propina (Reprodução)
Na contramão de alguns delatores que apresentaram frases carentes de indícios concretos, o ex-gerente de Engenharia da Petrobras, Pedro Barusco, deu até agora o mais completo detalhamento da corrupção já revelado pela Operação Lava-Jato. Ele admitiu receber propinas desde 1997, para ele e para colegas de diretoria da estatal. Deu nomes, endereços e, mais que isso, agências bancárias e numeração de contas onde o dinheiro dos subornos foi depositado. Para ficar em duas:
- Offshore Rhea Comercial, Banco Safra Sarasin, conta número 606.419. Saldo aproximado: US$ 14,3 milhões;
- Offshore Canyon View Assets, Royal Bank of Canada, conta número 2411839. Saldo aproximado: US$ 7,1 milhões.
Dinheiro que ele administrou e admite ter enviado ao Exterior. Barusco ainda se comprometeu a devolver nada menos que US$ 100 milhões à Petrobras. Mas não se limita a isso. Ele apresentou planilhas que mostram codinomes, números de contas e nomes de empresas de fachada de outros tomadores de propina, sempre depositada fora do Brasil. Um dos que ele listou como beneficiário de supostos subornos é Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, indicado pelo PT.
Barusco também enumerou 89 contratos da Petrobras dos quais foi cobrada propina (de 1% a 2% do valor da obra). Detalhou nomes, datas e endereços onde foi acertado o suborno. O MPF considera esse um depoimento-chave, tanto que já garantiu junto a bancos estrangeiros bloqueio dos valores para ressarcimento.
O homem que traiu a máfia
Tommaso Buscetta (C) entregou grupo criminoso na Itália (Foto: STR, AFP)
O italiano Tommaso Buscetta talvez seja o mais famoso delator da história moderna. Um dos chefes da máfia siciliana (a original), ele começou no crime contrabandeando cigarros e, depois, enriqueceu com tráfico de entorpecentes. Foragido na Itália, viveu no Brasil, onde foi preso em 1972 - tinha inclusive mulher brasileira -, nos EUA e no Paraguai, onde acabou preso novamente, em 1983.
No ano seguinte, o juiz Giovanni Falcone solicitou que Buscetta se tornasse um "arrependiti" (arrependido). Ao se recusar, o mafioso foi extraditado e tentou se matar no voo de volta à Itália. Encarcerado, decidiu aceitar a oferta do magistrado. Fez a mais completa revelação sobre organogramas e planos da máfia até então.
Em 1993, foi extraditado aos Estados Unidos e lá, após receber nova identidade e liberdade vigiada, fez outras revelações sobre a Cosa Nostra (máfia norte-americana). Buscetta chegou a se submeter a cirurgias plásticas para modificar a fisionomia e despistar os mafiosos que o caçavam.
O homem que traiu a máfia morreu de câncer, em 2000, aos 71 anos de idade. Buscetta escapou de ser assassinado, mas o juiz que o convenceu a entregar os ex-comparsas, não. Em 1992, o magistrado Falcone morreu ao ter o carro dinamitado pela máfia, na Sicília.