O homem que apunhalou um amigo, o ex-secretário Airton Michels, ao proteger, em paralelo, a maior autoridade da segurança pública do Estado e um temido traficante, aprendeu a desferir golpes na adolescência. Aos 12 anos, Nilson Aneli era faixa laranja em judô, em Canoas, onde nasceu em 1957. Colocou a faixa preta ao receber distintivo de policial civil aos 25 anos, com nota 84,2 no curso de inspetor.
Apaixonado por artes marciais - conquistou títulos estaduais e nacionais, inclusive como atleta e treinador de luta olímpica -, tornou-se um conceituado instrutor na Academia da Polícia Civil (Acadepol), ensinando técnicas de defesa pessoal. Ao mesmo tempo, aperfeiçoava-se com cursos de segurança de dignitários, de combate a extorsão e sequestro, de armeiro e artefatos explosivos. Cursou Direito na PUCRS e foi professor universitário no Interior. Nos anos 90, foi transferido para o Grupamento de Operações Especiais (GOE) - responsável pela segurança de autoridades e pela carceragem no Palácio da Polícia. Promovido a comissário, foi supervisor do setor.
- Ele fazia parte da elite do GOE. Um exemplo de funcionário. Nunca soube de algo que prejudicasse a imagem dele - lembra o delegado aposentado José Raldi Sobrinho, chefe de polícia entre 1995 e 1997.
Nilson Aneli nega que tinha conhecimento sobre Xandi ser traficante (Foto: Caco Konzen / Especial)
Por intermédio de conhecidos, o comissário se tornaria amigo de Michels, então promotor em Sapucaia do Sul e morador de Canoas, assim como Aneli. A simpatia pelo governo durante a primeira passagem do PT pelo Palácio Piratini, alçaram Aneli a figura ilustre no Fórum Social Mundial de 2002. Palestrou sobre técnicas de segurança pública e sobre abordagem policial a profissionais do sexo.
Entre amigos, vivia lamentando a falta de dinheiro. O crédito educativo que obteve para estudar na PUCRS nunca conseguiu quitar. A dívida soma hoje R$ 73,7 mil. Dois casamentos, pai de sete filhos, para garantir o sustento da família passou a fazer bico cuidando do patrimônio e de parentes do jogador Ronaldinho Gaúcho. Um dos filhos de Aneli seguia o mesmo caminho, mas foi morto aos 21 anos, atropelado sobre uma calçada por um táxi desgovernado.
Policial assessor de Michels é investigado por ligação com traficante morto em Tramandaí
Em 2011, o PT retornou ao comando do Estado com Tarso Genro. Michels assumiu a Secretaria da Segurança Pública (SSP), reencontrou Aneli e o levou para ser chefe da segurança pessoal. O salário do comissário iria melhorar, chegaria a R$ 10 mil brutos - reduzido pela metade por causa de descontos e de pensões - e ele deveria abandonar o bico.
Na SSP, o comissário ocupava uma pequena sala, ao lado do gabinete de Michels, e comandava quatro policiais - dois seguranças e dois motoristas - que se revezavam na escolta do secretário. Por vezes, o comissário acompanhava Michels em viagens. Em 2011, Aneli se condoeu com a história de um PM que perdeu a casa em um incêndio. Organizou uma vaquinha que rendeu R$ 5 mil.
Homem de confiança, Aneli também recebia resumo de ocorrências geradas pelo 190 e repassava ao secretário. Tornou-se um elo entre a SSP e organismos policiais. Era comum querer saber o andamento de investigações e também passar dicas a colegas.
Polícia pede prisão de ex-assessor de Michels envolvido com traficante
Dizia ter muitos informantes. Em outubro de 2012, um deles, um ex-PM e ex-policial civil, expulso da corporação, foi preso em Tapes pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) sob suspeita de roubar R$ 430 mil de um empresário na Capital. Aneli foi ao Deic para saber a situação do X-9. O homem acabou absolvido, mas outro processo tramita em Tapes por porte ilegal de arma. O comissário é testemunha de defesa do ex-policial.
Em julho de 2013, se encontrou com o mesmo ex-policial em Tapes quando foram abordados por PMs. O ex-policial fugiu. Aneli dirigia uma viatura discreta da SSP, se apresentou como assessor de Michels e garantiu que o ex-policial era seu informante.
Michels diz acreditar na inocência de comissário investigado por ligação com traficante
Ainda é obscuro o momento em que o comissário passou a ser segurança de Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, 35 anos, traficante assassinado por rivais em 4 de janeiro, em Tramandaí. Relato à polícia de um dos amigos de Xandi, preso após a morte do traficante, aponta que desde setembro de 2013 Aneli prestaria serviços à produtora de eventos musicais Nível A - empresa da qual o traficante morto era sócio.
Para a Corregedoria-geral da Polícia (Cogepol), há evidências de que Aneli teria ligações com o traficante desde o começo de 2014. Naquela época, o comissário cobrou explicações da BM referentes a uma ação no escritório da produtora, na Capital, quando um homem foi preso. No segundo semestre do ano passado, o comissário teria procurado o Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) para reclamar de que parceiros de Xandi estavam sendo "incomodados" por agentes daquele órgão. Na prática, todos eram alvo de um inquérito.
- Pela posição que ocupava, Aneli era muito valioso para o Xandi - comentou um delegado.
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Em um dos depoimentos à Cogepol, o comissário admitiu que atuou como segurança da Nível A nos últimos quatro meses, a convite do sobrinho Marcelo Mendes Ventimiglia, 31 anos, também guarda­costas da produtora. A função do comissário seria de proteger funqueiros contratados para shows.
Investigações reconstituíram o cenário que descortinou a vida dupla de Aneli na virada de ano. Ele teria chegado à casa alugada por Xandi em Tramandaí em 29 de dezembro. Dirigia um Onix branco, pertencente a um comparsa de Xandi. O comissário não tem carro. Teve uma motocicleta Suzuki 750 cilindradas, ano 1997. A moto, com licenciamento vencido, está registrada no nome dele, mas já teria sido vendida.
Aneli teria entregue a um dos homens de Xandi uma bolsa preta com quatro pistolas - uma Taurus calibre .380 com a numeração raspada, e três Glock 9mm. As Glock fariam parte de um lote contrabandeado do Uruguai. O comissário teria recomendado cuidado, pois havia crianças na casa.
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Os relatos indicam que o policial era a pessoa mais próxima de Xandi. Seria o único a sair sozinho com o traficante e nunca falavam onde iam. O comissário portaria duas pistolas. Xandi andava desarmado. O traficante costumava passar o dia com os amigos, mas pernoitava com a família em Capão da Canoa.
O comissário dormiria na casa em Tramandaí e ficaria com o controle remoto da garagem. Deixava o Onix sempre perto do portão, pronto para sair a qualquer momento. A casa tinha sido alugada por sete dias ao custo de R$ 10 mil. Pelo menos 14 pessoas curtiam churrascos e funk à beira da piscina. Festas eram diuturnas. Era tanta gente que homens dormiam dentro de veículos com o ar-condicionado ligado. Caso algum PM aparecesse, Aneli o receberia, mostrando sua identidade policial. O comissário ficava atento ao movimento de veículos. Anotava placas de alguns e ligava para uma pessoa. Depois dizia: "Tudo tranquilo". A postura indica que ele não acessaria diretamente o banco de dados da SSP.
Justiça nega pedido de liberdade de ex-assessor de Michels
Aneli não teve tempo de impedir a execução de Xandi, fulminado com um tiro de fuzil na cabeça. Mas tentou barrar a entrada de um PM na casa. Saiu às pressas com o Onix e em seguida voltou a pé. Apresentou-se na DP de Tramandaí, contou uma história pouco crível e informou um antigo endereço. Ao fazerem buscas na moradia, policiais bateram "com o nariz na porta". Interrogado novamente, disse que mentiu por medo. Em uma inspeção na verdadeira moradia, nada de irregular foi encontrado. Depois de duas versões contraditórias, teve a prisão preventiva decretada pela Justiça a pedido da Cogepol.
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O episódio sacudiu a Polícia Civil e chocou amigos. Até Ronaldinho Gaúcho, que joga no México, teria ligado para conhecidos, querendo saber do ocorrido. Desde 26 de janeiro, Aneli ocupa uma cela individual na carceragem do GOE.
- Ele está bem, tranquilo. Confiante que tudo será esclarecido - disse um colega que o visitou.
* Zero Hora