Era janeiro de 2010 quando a ponte da RSC-287 entre Agudo e Restinga Seca foi levada pelas águas do Rio Jacuí, devido à grande quantidade de chuvas, matando cinco pessoas. É janeiro de 2015, e as chuvaradas voltam a preocupar, principalmente os agricultores que dependem do clima para sobreviver.
É que estamos novamente sob a influência do El Niño, fenômeno que predominou, há cinco anos, na região Sul do país. De lá até agora, a paisagem das lavouras pode ter mudado, mas ainda prevalece a preocupação com o que vem do céu e o luto daqueles que perderam familiares e amigos.
Desde o ano passado, especialistas já apontavam a presença do El Niño no Brasil. Em outubro, o fenômeno começou a dar as caras, trazendo consequências, principalmente, a quem cultiva arroz na região. Em Agudo, um dos municípios mais prejudicados pela enchente de 2010, 30% da área total de arroz _ que corresponde a 9,1 mil hectares _ registrou atraso no plantio neste ano. Outros 5% da área deixaram de ser plantados, conforme o Instituto Riograndense do Arroz (Irga). por causa do acúmulo de chuva desde o último trimestre de 2014.
_ Estamos prevendo uma queda de 20% na nossa produção neste ano _ estima o produtor rural Alberto Emílio Wrasse, 49 anos.
Intensidade deve ser menor neste ano
Prejuízos também poderão ser registrados nas lavouras de fumo da região, uma vez que o aguaceiro acaba acelerando a maturação da planta. No verão do ano passado, entre 2013 e 2014, o cultivo aconteceu de forma normal porque a região estava sob a influência do La Niña.
Com o fenômeno inverso, as chuvas foram quase inexistentes em relação a esta época do ano, devido à falta de umidade na região Sul do Brasil.
_ As águas do Oceano Pacífico estão com as temperaturas maiores do que o normal, indicando a presença do El Niño, que deve ser de fraca intensidade desta vez. Bem diferente do que foi registrado em 2010, com as chuvas bem acima da média. Neste ano, a tendência é que as temperaturas não subam muito devido à quantidade de nuvens. Porém, o abafamento ainda seguirá por causa da umidade _ explica o meteorologista Daniel Caetano, que trabalha no Grupo de Pesquisas em Clima da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Sobrevivência em meio à revolta
Entre recordações, indignação e incertezas sobre o futuro, vive Ildo Ivo Dumke, 63 anos, uma das tantas pessoas prejudicadas pelo El Niño que afetou a região há cinco anos. Hoje, o aposentado que perdeu a família na queda da ponte sobre o Rio Jacuí conta com a ajuda da companheira Ilca Beling, 68 anos. Ele também estava na ponte e tem sequelas do acidente, após cirurgias na perna e no pé direitos.
Em 5 de janeiro de 2010, ele, a mulher Lori Ella Dumke, 56 anos, a filha Denizi Marioni Dumke, 31, e o genro, Nelo Jair dos Santos, 29, estavam na ponte vendo a situação de suas plantações alagadas quando a estrutura de concreto foi levada. Ildo conseguiu se salvar da queda e vencer a correnteza do rio, que acabou levando seus parentes:
_ Vou vivendo desse jeito porque tenho que seguir. Não há hora que não me lembre deles. Mas desde o acontecido, não sou mais a mesma pessoa. Pelas perdas que tive na vida e também pelo prejuízo de não poder mais trabalhar. E não recebi a ajuda de ninguém. Arquei com tudo sozinho e agora vivo da minha aposentadoria.
Ildo se sente injustiçado
Quem também faz companhia para Ildo, nos últimos cinco anos, é o sentimento de injustiça. Ele ainda espera receber indenização do governo do Estado pelo fato de não mais poder trabalhar devido à queda da ponte.
Ao lado da nova companheira, o agricultor que perdeu três familiares não vive mais do arroz, mas do que produz no pátio de casa
_ Tudo o que o homem faz, dentro da natureza, tem de pagar. E não é o que aconteceu comigo _ esbraveja o aposentado.
Hoje, Ilca é quem lhe dá suporte. Foi dela a ideia de construir uma parreira de uvas ao lado da casa. Ildo ajuda como pode. Consegue subir alguns degraus de uma escada para cortar os gomos, tira leite da vaca e colhe mandioca. Tudo para o sustento do casal.
Mas aquilo que garantia realmente o sustento de Ildo e da família, o trabalho na plantação de arroz, nunca mais poderá fazer.
Chuvas devem seguir até março
De dezembro de 2014 até a última quinta-feira, Santa Maria já registrou quantidade de chuva maior do que o esperado para esta época. O acumulado ficou em 447,4 milímetros, enquanto a média é de 425,7 (veja mais no quadro abaixo). No último fim de semana do ano, a cidade foi a campeã nacional em volume de chuva, registrando 112 milímetros entre a sexta e o domingo de meio-dia. Além de prejuízos em várias cidades da região, São Martinho da Serra registrou uma morte. O motorista da Secretaria de Saúde Paulo Renato Mayer, 49 anos, morreu quando a moto que dirigia foi levada pelas águas ao passar por uma ponte na ERS-516.
Wrasse precisou atrasar o plantio do arroz. E o que esperava colher no começo de março, colherá no fim
E mais aguaceiro está sendo esperado, daqui até março, conforme o Grupo de Pesquisas em Clima da UFSM. Já para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, estão previstos períodos de seca prolongada.
Tudo é consequência da confusão que o El Niño provoca no tempo. Um dos prejudicados será Alberto Emílio Wrasse, que cultiva cerca de 150 hectares de arroz em Agudo. O agricultor teve de atrasar em 30 dias o começo do plantio. Com isso, a colheita do grão, esperada para o começo de março, terá de ser feita no fim daquele mês.
- As nossas despesas com óleo, luz, são as mesmas, e ainda vamos colher menos. Agora, torcemos para a entrada do frio mais tarde para não dar doença na lavoura, porque a chuva já nos castigou - explica Wrasse.
Mostrando o acúmulo de água que não baixa na lavoura, o agricultor garante que a situação está bem melhor que a de cinco anos atrás, quando, em muitas áreas, o arroz nem chegou a nascer.
O QUE É O EL NIÑO?
- Batizado em homenagem ao Menino Jesus, o fenômeno aquece a água do Oceano Pacífico e provoca alterações na atmosfera, como variações na distribuição de chuvas em regiões tropicais e de latitudes médias e altas, além de inconstância nas temperaturas